Vale quanto pesa?
Veja se o gasto com o cartucho* faz da impressão 3D um negócio viável
*Custa R$ 250 e produz o equivalente a 500 gramas de peças. Impressora básica sai por R$ 5.000
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Como lidar com uma tecnologia que pode baratear próteses humanas ao mesmo tempo em que é um trunfo do mercado ilegal de armas?
Por Juliana Carpanez
A boa notícia é que em alguns anos você provavelmente irá usar uma impressora 3D. Menos positiva é a perspectiva de sua produção de capinhas de celular e bugigangas domésticas vir acompanhada de dilemas - alguns morais e éticos, inclusive. Ao produzir algo em casa, você pagará direitos autorais ao criador do produto? Como os fabricantes podem driblar a ameaça que deixou de joelhos a indústria fonográfica? Quem controlará a produção doméstica de armas de fogo? Essa tecnologia pode mesmo produzir órgãos e tecidos humanos confiáveis?
As perguntas ainda têm pouco espaço no cenário atual, dominado pelo entusiasmo das novidades impressas em 3D - tamanha empolgação deve fazer com que o número de unidades vendidas no mundo cresça dez vezes entre 2012 e 2017, segundo a empresa de análise de mercado IDC. A consultoria Gartner afirma que a adoção em massa deve levar de cinco a dez anos. "Pode ser uma nova forma de revolução industrial, considerando que os meios de produção estarão nas mãos dos próprios usuários", define o consultor Jack Uldrich, autor de livros sobre tecnologias emergentes.
Casos registrados no Japão indicam que essa tecnologia renderá muita discussão. A artista plástica Megumi Igarashi foi detida duas vezes neste ano - sob alegação de obscenidade - por disponibilizar um arquivo de sua vagina para impressão 3D. A genitália havia sido escaneada para dar forma a um caiaque de dois metros. Em outubro, também no Japão, Yoshitomo Imura protagonizou a primeira condenação ligada à impressão 3D. Ele cumprirá dois anos de prisão pela posse de duas armas, que tiveram a impressão e montagem exibidas no YouTube.
Made in 3D
Ainda deve demorar para seu guarda-roupa ter peças de plástico impresso, mas elas já existem. A artista burlesca Dita Von Teese, por exemplo, foi a um evento com um vestido sob medida feito em impressora 3D. O modelo tem 3.000 pontos de articulação e 12 mil cristais Swarovski.
Divulgação
A empresa de tecnologia automotiva Local Motors levou 44 horas para imprimir um carro chamado Strati. A estrutura de plástico é composta por uma única peça, à qual são acoplados componentes como motor, suspensão e bateria. O modelo será comercializado a partir de 2015, por preço não divulgado.
Divulgação
A Liberator virou notícia como a primeira arma de fogo produzida com impressão 3D (ela usa balas de verdade e, segundo especialistas, pode matar). O arquivo foi disponibilizado no site Defcad e, após milhares de downloads, o governo dos EUA ordenou sua exclusão. Ainda é possível encontrá-lo online.
Robert MacPherson/AFP
Há diversos tipos de impressoras 3D e elas usam diferentes tipos de matéria-prima; açúcar e chocolate, inclusive. A Nasa planeja levar uma impressora de comida ao espaço; assim, será possível expandir o cardápio (considerando sempre os nutrientes necessários) sem ter de levar mais comida nas missões.
Robyn Beck/AFP
O conforto não é garantido, mas as impressoras 3D podem fazer sapatos - a opção de modelos ainda é restrita, mas já dá para baixar o projeto e fazer o calçado em casa. Esse modelo foi exibido em um desfile da estilista Iris van Herpen, entusiasta da tecnologia.
Charles Platiau/Reuters
Guitarra e bateria já são produzidas com impressoras profissionais. O instrumento acima, por exemplo, usa um tipo de nylon como matéria prima (trata-se de uma única peça, que não requer montagem). A pintura deu o efeito metalizado ao produto, vendido por US$ 4.000 pela 3D Systems.
Divulgação
O importante não é o produto, mas sim o local. A Nasa divulgou sua primeira produção com impressão 3D no espaço; uma plaquinha feita na Estação Espacial Internacional. A tecnologia permitirá produzir utensílios longe da Terra - ainda é preciso investigar os impactos da microgravidade no processo.
Divulgação
Diversas pessoas já usam próteses feitas com impressoras 3D (essas máquinas também reproduzem ossos, que são implantados em pacientes). O órfão haitiano Stevenson Joseph é exemplo disso; ele ganhou, aos 12 anos, uma mão produzida por um engenheiro na Califórnia.
Marie Arago/Reuteurs
Essa tecnologia de impressão foi desenvolvida há mais de 30 anos, mas apenas recentemente chegou ao consumidor final. Nos EUA, é possível começar a brincar com US$ 500. No Brasil, com R$ 5.000 (fora os cartuchos). Mas a possibilidade de ter uma "fábrica" própria dá ao usuário o direito de produzir aquilo que quiser?
A resposta é "sim" para o estudante de direito Cody Wilson, do Texas. Responsável pela divulgação de uma pistola chamada Liberator, o jovem de 26 anos tornou-se porta-voz do direito de imprimir armas. Considerado pela revista "Wired" uma das 15 pessoas mais perigosas do mundo, ele justificou sua campanha em um vídeo no YouTube; "Não se trata de armamento pessoal, mas sim de informação. De viver em um mundo onde seja possível baixar o arquivo daquilo que você quiser produzir". Fosse no Japão, seu arsenal de armas de plástico - que atiram balas de verdade - poderia tê-lo levado à prisão. Nos EUA, isso não aconteceu.
Não basta ter conhecimento, é preciso sabedoria. Deve-se ter prudência para saber se a impressão 3D realmente traz mais benefícios do que malefícios.
Regina Parizi, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética
Longe do ambiente doméstico, o questionamento sobre essas novas "fábricas" também vale para a produção de órgãos humanos. Regina Parizi, médica e presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, defende a transparência durante todas as fases de pesquisas envolvendo esta e outras tecnologias. "Não basta ter conhecimento, é preciso sabedoria. Nenhuma tecnologia está totalmente isenta de problemas. Isso é esperado. Portanto, deve-se ter prudência para saber se essas técnicas realmente trazem mais benefícios do que malefícios."
Ela faz um paralelo da impressão 3D com a energia nuclear, que também pode ser usada para o bem ou para o mal, dependendo de quem a manipula. Uma questão que deve ganhar força é se vale investir na popularização de uma tecnologia tão abrangente, com a qual é relativamente fácil produzir da tampa do tupperware até uma arma de fogo.
Não haverá necessariamente um marco regulatório para tratar da impressão 3D. Mas como lidar com o desafio de controlar o que alguém, protegido por quatro paredes, cria com sua própria impressora? Uldrich pensa ser benéfico novas leis, regulamentos e mecanismos de segurança, mas adianta não estar otimista - justamente pela dificuldade de fiscalização. "As empresas podem até tentar usar matérias-primas especiais para indicar a autenticidade de seus produtos, mas muitos não se importarão em imprimir falsificações." Você se importaria?
Cesar Peduti Filho, advogado especializado em propriedade intelectual, não acha que os fabricantes devam se preocupar. "A dificuldade para produzir em casa algo com a mesma qualidade do item original deve funcionar como uma barreira. Além disso, a impressão 3D pode não se mostrar economicamente viável para quem faz pirataria em larga escala." Roberto Simonard, professor de economia da ESPM Rio, discorda; "Se eu fosse estrategista de alguns fabricantes, começaria a procurar caminhos alternativos".
Será o prejuízo global com propriedade intelectual, em 2018, causado pela impressão 3D. (Valor representa o dobro do faturamento do Google em 2012)
Fonte: Consultoria Gartner
Imagine, por exemplo, o que aconteceria com empresas como Lego e Melissa se todos pudessem "baixar" esses produtos em casa? Provavelmente cresceria a ameaça da espionagem industrial. "Há 20 ou 30 anos, o roubo de informação tinha uma limitação prática, pois dependia de cópias feitas manualmente. Depois, os pendrives facilitaram a gravação e transporte de arquivos. Já a impressão 3D permite que dados confidenciais obtidos sejam prontamente utilizados", alerta José Mauro Decoussau Machado, advogado do escritório Pinheiro Neto. As duas empresas foram contatadas, mas não comentaram o assunto.
Tem como regular [a impressão doméstica de armas 3D]: é só proibir. Mas quem vai fiscalizar?
Bene Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil
Se a indústria ainda trata o desafio de maneira discreta, a reação é mais inflada quando se fala em armamento. Os EUA, por exemplo, prorrogaram por 10 anos a lei que proíbe venda e posse de armas não identificadas por raio-x e detectores de metal. A Filadélfia foi a primeira cidade a banir armas produzidas por impressoras 3D, e o governo solicitou que os arquivos da pistola Liberator fossem excluídos de seu site "oficial", o Defense Distributed (do jovem Cody Wilson). Ainda assim, esse e muitos projetos similares continuam disponíveis para download.
"O cidadão que não compra armas no mercado negro também não fará a fabricação em casa. Quem usará essa tecnologia serão os criminosos", acredita Bene Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil, contrário ao desarmamento. "Tem como regular; é só proibir. Mas quem vai fiscalizar?", questiona.
A mesma dúvida serve para a criação de tecidos e órgãos humanos - nesse caso, o plástico do cartucho é substituído por células vivas. "Se houver essas fábricas de órgãos, será necessária uma supervisão até mais rígida do que qualquer fiscalização existente hoje em dia. Imagine, por exemplo, se prometem usar as suas células e utilizam as de outras pessoas?", considera Regina, da Sociedade Brasileira de Bioética.
Veja se o gasto com o cartucho* faz da impressão 3D um negócio viável
*Custa R$ 250 e produz o equivalente a 500 gramas de peças. Impressora básica sai por R$ 5.000
Preço de capinha semelhante vai de R$ 16 a R$ 85 em sites de comparação de preço
Um carrinho da marca Hot Wheels, com acabamento bem melhor, custa cerca de R$ 7
Um cartucho de R$ 250 faria 214 pecinhas. Uma caixa "oficial" do brinquedo custa R$ 130 e traz 200 peças
Pacote com 50 garfinhos descartáveis de plástico custa R$ 4
Um Kinder Ovo tem brindes parecidos e custa cerca de R$ 5 - mas vem com chocolate!
A ideia de uma fábrica de órgãos soa, realmente, futurista. Mas os dilemas que ela traz, segundo a médica, não são novos. Eles tratam basicamente da questão moral (quais os limites da ciência?), dos altos investimentos em pesquisas (por que gastar tanto em algo novo se ainda há muitas doenças negligenciadas?) e da falsa sensação de segurança trazida por novas tecnologias (um paciente se cuidará menos, sabendo que sua doença pode ser "facilmente" tratada?).
Independentemente das respostas, as expectativas são altas. O Instituto de Medicina Regenerativa da Universidade Wake Forest (EUA) trabalha no desenvolvimento de um rim, que pode reduzir a espera nas filas de transplante. "O santo graal da engenharia de tecidos é criar órgãos como fígado, rim, coração e pâncreas. Pelo fato de serem tão complexos, há muitos desafios antes que isso vire realidade. Possivelmente, levará mais de uma década", contou ao TAB o cirurgião Anthony Atala, diretor do instituto. Algumas poucas empresas, como a norte-americana Organovo, já produzem e comercializam tecidos humanos para pesquisas e reconstrução.
O santo graal da engenharia de tecidos é criar órgãos como fígado, rim, coração e pâncreas. [...] Há muitos desafios antes que isso vire realidade.
Anthony Atala, Instituto de Medicinal Regenerativa da Universidade Wake Forest
Um contraponto a essas superimpressoras de tecidos são as próteses, que podem ser feitas com máquinas domésticas. Já existem casos pelo mundo de pessoas que gastaram com essas peças uma pequena fração do que custariam os modelos tradicionais. A mão protética feita para a garota norte-americana Kylie Wicker, por exemplo, custou cerca de US$ 5. O modelo original sai por US$ 50 mil, e os pais só planejavam comprá-lo quando a garota parasse de crescer.
Diante dos desafios materializados pelas impressoras 3D, podem ser úteis as lições que a internet ensinou, sem dó, à indústria do entretenimento. Uma saída pode estar na criação de modelos alternativos de negócios - como a Lego permitir que "assinantes" produzam legalmente pecinhas em suas casas, por exemplo.
"Se o CD e DVD fossem mais baratos quando o MP3 explodiu, as pessoas não perderiam tanto tempo baixando arquivos. Como hoje temos Netflix e Spotify a preços razoáveis, não vale mais esperar longas horas para fazer downloads. O mesmo vai acontecer com a impressão 3D; eu não vou querer ter trabalho, se posso pagar alguns dólares e imprimir algo imediatamente", compara a brasileira Karla Lopez, cofundadora da empresa norte-americana Authentise (detentora de uma plataforma que permite licenciar arquivos 3D mediante pagamento).
Sem modelos alternativos, a outra opção seria as empresas resistirem à inovação e imporem proibições aos usuários. Mas este filme nós já vimos - e seu final não é feliz.
Editora de Tecnologia. Acredita no potencial da impressora 3D, mas ainda prefere a máquina de lavar louça.
tabuol@uol.com.brOs projetos para impressão doméstica ainda são restritos. Veja se, hoje, essa máquina seria útil para você.
Você tem potencial para transformar sua casa em uma filial da lojinha de R$ 1,99, imprimindo tudo o que não precisa.
Seu foco está voltado a itens que realmente têm alguma utilidade. Continue assim, e a impressora 3D cumprirá a promessa de facilitar sua vida.
Se comprasse uma impressora 3D, ela provavelmente dividiria a (falta de) atenção com a bicicleta ergométrica e aquela iogurteira.
Esta reportagem também contou com apoio de:
Juliana Fumero, edição de vídeo; Flávio Florido, fotografia. Agradecimentos: Andrei Speridião e Robtec.
é um conteúdo produzido semanalmente pela equipe do UOL. Nossa missão é entregar uma experiência única e interativa com conteúdo de alta qualidade, em formatos inovadores e com total independência editorial. TAB só é possível por causa do patrocínio de algumas marcas, que também acreditam em conteúdo de qualidade. We them big time.