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Bernardo Machado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quais foram os efeitos políticos imediatos do último 7 de setembro?

Colunista do TAB

18/09/2021 04h00

Terminado o dia da Independência do Brasil, instalou-se uma dúvida na República: quais serão os efeitos dos atos pró-presidente? Uma paralisação de caminhoneiros, um fervilhar para o impeachment, uma carta de "deixa disso", um desaquecimento político para o impedimento e uma manifestação de parcela da oposição depois, o Datafolha foi às ruas para ouvir 3.667 pessoas com mais de 16 anos, em 190 municípios de todo o país entre os dias 13 e 15 de setembro.

Dessa vez, a pesquisa (além de auferir a rejeição ao presidente Jair Bolsonaro) também se propôs a mensurar os efeitos concretos dos atos frente à população, ao menos é esta é análise feita por Mauro Paulino e Alessandro Janoni, diretores do instituto. Conforme descrevem, os eventos não alteraram, no grosso da população, a avaliação do mandatário desde a última pesquisa, em julho.

Houve uma pequena oscilação dentro da margem de erro, antes 51% consideravam o presidente como ruim/péssimo, agora são 53%. A taxa daqueles que o consideram regular se manteve em 24%. E a porcentagem de quem o considera ótimo/bom teve ligeira queda de 24% para 22%. A respeito disso, chamo a atenção para três pontos.

Aprovação com chacota

Embora não tenham ocorrido grandes mudanças na avaliação geral, a pesquisa revela que alguns grupos alteraram a forma como entendem o governo, mesmo depois dos arroubos antidemocráticos. Entre os mais ricos (3% da população pesquisada), Bolsonaro teve uma oscilação positiva de 12 pontos percentuais. Antes, 56% reprovavam o presidente; agora, são 46% — e 36% o consideram ótimo e bom. Entre os empresários (2% dos ouvidos) — que não correspondem necessariamente aos mais ricos —, o mandatário possui 47% de aprovação. É o único segmento em que o ótimo e bom supera o ruim e péssimo (34%).

Mas o país é feito de paradoxos e ambivalências. Na última semana, circulou um vídeo em que um segmento da elite política e econômica nacional ria de uma imitação do presidente. Alvo de chacota, Bolsonaro não parece despertar temor ou receio. Os comensais — com representantes da nata da política e do empresariado — assumem sua bolha como suficientemente forte aos arroubos antidemocráticos e necessariamente distante dos problemas do país.

Se parcela considerável dos mais ricos ainda aposta no governo, parcela desse mesmo grupo ironiza a figura do mandatário: seu jeito de falar, suas analogias violentas e sua maneira de se comportar. Bolsonaro seria um inconveniente conveniente para os interesses desses setores já privilegiados. Dele pode-se extrair o necessário e com ele não é preciso se preocupar. A postura é arrogante, porém não surpreendente.

Teflon

A pesquisa do Datafolha ainda demonstra a capacidade antiaderente de Bolsonaro. As responsabilidades custam a grudar nele. Isso porque, segundo os dados levantados, a maioria das pessoas não atribui ao presidente responsabilidade total pelo desemprego, pela inflação e pela crise energética. Talvez porque a pesquisa continua insistindo em lidar com perguntas que simplificam demais a avaliação das pessoas. No que toca temas tão complexos, a população considera múltiplos fatores em suas respostas — os governos estaduais, a falta de chuva, a pandemia e afins.

Por outro lado, se o governo não se responsabiliza por seus próprios erros, tampouco colhe os frutos da vacinação. Para 54% dos brasileiros, Jair Bolsonaro conduz o combate à pandemia da covid-19 de forma ruim ou péssima. Tal qual teflon, a imagem do presidente se esquiva das responsabilidades.

Tranquilidade preocupada

Embora os atos do dia 07 tenham despertado o alerta, os diretores do Datafolha ponderam que os apoiadores mais aguerridos do presidente carecem de representatividade social. A partir de um processo de segmentação de escala elaborada pelo instituto — ponderando variáveis como voto declarado, confiança e avaliação —, o estrato de defensores do presidente corresponderia hoje a 11% dos brasileiros (já foi 17%). No artigo publicado, os pesquisadores concluem: "para a maioria dos 89% restantes, as manifestações desse pequeno grupo, tanto nas ruas quanto em redes sociais, configuram ameaça à democracia brasileira".

A avaliação traz alguma tranquilidade, mas gera igualmente uma preocupação: embora Bolsonaro escancare seu desprezo pelo sistema, os níveis globais da avaliação não se alteraram negativamente, como poderia se esperar. Paulino e Janoni do Datafolha consideram que boa parte dos entrevistados relativiza as chances de um golpe promovido pelo presidente.

Valeria perguntar o que as pessoas entendem por golpe, isto é, qual imaginário atravessa as mentes quando se discute o assunto. Um golpe depende das Forças Armadas? Ele ocorre necessariamente com a invasão do Congresso? Há outras possibilidades de colapso democrático?

Outras perguntas

Na mesma semana em que saíram os resultados do Datafolha no Brasil, a emissora CNN dos Estados Unidos realizou uma pesquisa sobre o sentimento dos estadunidenses em relação à democracia por lá.

Prestes a completar um ano das eleições, apenas 6% dos cidadãos consideram que a democracia do país não está sob perigo, 37% avaliam que ela está sendo testada, mas não sob ataque e 56% sentem que a democracia está sob ataque. Isto é, mais da metade da população entende que o país enfrenta um problema institucional. Há também uma profunda desconfiança com as eleições: 51% dizem que é provável que as autoridades eleitas nos EUA derrubarão com sucesso os resultados das próximas votações.

Por sinal, quem identifica um maior risco à forma de governo são os republicanos — 75% deles dizem que a democracia está sob ataque. Entre os democratas, o índice é de 46%. Entre republicanos e republicanos independentes, aqueles que dizem que Donald Trump deveria ser o líder do partido são muito mais inclinados a entender a democracia ameaçada: 79% nesse grupo contra 51% entre aqueles que dizem que Trump não deveria ser o líder do partido. O discurso do fim da democracia colou entre o segmento pró-Trump.

Certamente o Brasil não é os Estados Unidos — por razões sociais, políticas, partidárias, institucionais e tantas outras. Nossos significados de democracia, de instituições e de governo não são os mesmos. Além disso, não acredito que estamos no mesmo contexto do vizinho de continente. Mesmo assim, considero importante atinar para o que ocorre por lá, justamente porque a família Bolsonaro se inspira no modelo estadunidense de Donald Trump para conduzir sua política de ação antidemocrática. Nessa fórmula estão os ataques às eleições, ao STF, ao TSE, à ciência, às universidades, ao jornalismo e afins.

Embora a pesquisa Datafolha traga alguma tranquilidade para quem preza pela democracia, ela também desperta preocupação. Em primeiro lugar, porque setores que detêm poder não parecem avaliar que as corrosões institucionais de Bolsonaro afetam a República — vale negociar com ele, mesmo que sob deboche. Em segundo lugar, o presidente continua desviando de suas responsabilidades enquanto mandatário. Novas pesquisas podem nos ajudar a compreender o que aflige a população e de modo a criar canais para aprimorar as formas de participação e evitar a espiral de destruição experimentada pelos EUA.

Este texto foi editado dia 19/09/21 às 07h55