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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que aprendemos com a triste saga do Touro de Ouro da B3 por São Paulo?

Pessoas tiram fotos junto do "Touro de Ouro", escultura inaugurada em frente à sede da B3 - Ettore Chiereguini/Agif/Estadão Conteúdo
Pessoas tiram fotos junto do 'Touro de Ouro', escultura inaugurada em frente à sede da B3 Imagem: Ettore Chiereguini/Agif/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

27/11/2021 04h00

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Durou pouco a triste saga de Ferdinando — como chamamos em casa o "Touro de Ouro" da B3 — pela terra da garoa. Nos dez dias que abalaram o centro de São Paulo, a república homenageada na rua 15 de Novembro, seu antigo endereço, e as redes sociais, o bicho viu um pouco de tudo.

Suas costas lisas e douradas viraram objeto de cobiça, templo de peregrinação, oferendas e carinhos dos que buscavam nele (na verdade, um pouco mais embaixo) um pouco de prosperidade. Foram alvo também de protestos — muitos e tantos que quase deixaram vermelhas suas orelhas auricolores. Até churrasco, para lembrar ao forasteiro o que acontecia com os antepassados quando a carne era vendida a menos de R$ 50 o quilo, foi feito ao seu redor.

A moral da história veio em forma de sentença atualizada: se queres prosperidade, prepara-te para a guerra.

Em uma nação que não consegue chegar a um acordo sobre a nomenclatura correta de biscoito ou bolacha, não seria um mamífero ungulado que unificaria as classes e as discussões sobre estética e bom gosto.

O quiproquó foi tamanho que na terça-feira (23), por volta das 22h, os donos de Ferdinando botaram o touro na sacola e o içaram dali. Não porque o bovino tivesse distribuído coices pela região — o bicho era ousado, mas não era disso. Ele precisou sair voado, porque a mão invisível do mercado esqueceu que a rua ainda tem dono e botou o touro ali sem pedir licença urbanística à Prefeitura. Aparentemente, esqueceram também de avisar os familiares e agentes do artista responsável por instalar um touro similar, quiçá original, em Wall Street.

A turma que importou a ideia para o Brasil pode não entender de faíscas, mas não rasga dinheiro.

Ferdinando deixou no local um vazio. A ponto de o fundador de uma corretora de valores, que aparentemente nunca andou a pé ao redor do prédio da Bolsa, escrever, em seu Linkedin, que aquele foi "um dos maiores absurdos" que já viu. "Tristeza" foi outra palavra citada na despedida.

Outro investidor, por acaso apresentador do programa Minuto Touro de Ouro e patrocinador da instalação, foi a público perguntar: e agora quem, se não o taurino, poderá ensinar educação financeira para os transeuntes? Mais: quem poderá revitalizar o surrado centro paulistano? E quem, além da história das igrejas, praças e comércios centenários da região, poderá atrair agora o interesse das famílias dispostas a passear pelo local em um domingo qualquer?

Mas nem tudo são dores na despedida de Ferdinando. Quando foi enrolado em sacos plásticos e deslocado dali, ele deixou no vácuo também algumas esperanças. A maior delas era que as redes sociais mudassem de assunto nas horas seguintes e partissem para a próxima querela.

Se Ferdinando deixou alguma lição, além da moral da história da cartilha financeira, foi sobre a capacidade dos símbolos, os que não têm pele nem osso, mobilizarem afetos no Brasil de 2021.

Se fosse apostar, acho que eu não perderia dinheiro ao afirmar que nem a comoção de famosos pela situação das búfalas, essas reais, abandonadas em uma fazenda em Brotas, a 190 quilômetros do coração financeiro da capital paulista, geraram tanto engajamento nos últimos dias. Nem no Twitter nem no Linkedin, onde os fãs de Ferdinando decidiram concentrar suas despedidas e homenagens.

Essa nova rede da exposição das dores e alegrias bovinas, aliás, levou uma amiga a imaginar que já vivemos no Metaverso. Foi o que ela pensou ao ver o funcionário de um banco tatuar o símbolo da empresa no braço e mostrar por ali que no metaverso não se veste mais a camisa: marca-se na pele. Como gado, dirão os maldosos.

Signos, claro, sempre mobilizaram afetos. Guerras, inclusive. O dinheiro, por exemplo, é um deles. Os ícones sagrados de qualquer religião também.

Mas quando pessoas logadas num avatar se mobilizam para erguer ou desconstruir a própria mitologia, a coisa parece chegar a outro patamar. Sim, talvez já estejamos mergulhados no metaverso e poucos perceberam. Lá (ou cá?), como num game, é possível engajar e pegar em armas para defender uma equipe de seres inanimados como o Touro da B3, o Borba Gato e as estátuas da Havan — símbolos alvejados por tochas simbólicas ou reais em protestos recentes. O que está em chamas ali não é o signo, mas o significado.

Quer outro indício de que o metaverso já vem e vem forte? Dias atrás, diante do berreiro causado por um beijo entre homens em um gibi, uma multidão saiu às redes para dar sua sentença definitiva sobre o caso dizendo que não existe Super-Homem bissexual. Alguém teve a delicadeza de lembrar que, na verdade, o que não existe é Super-Homem.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL