• 00:00

Os novos atletas

# 23
PUBLICIDADE 5
UMA VIDA NA PONTA DOS DEDOS

São 10h de uma sexta-feira e Martin Gonçalves, 22, está em frente ao computador. Ele mora num condomínio de luxo em Limeira, a cerca de 150 km de São Paulo, junto com cinco amigos, e todos esperam o início de uma partida de videogame marcada com outro grupo. Enquanto isso, na capital, numa casa do Jardim Europa onde vivem outros oito caras, Felipe Gonçalves da Rocha, 24, analisa as estratégias de oponentes no mesmo jogo. É o começo de mais um dia de trabalho para todos eles.

Texto Mariana Tramontina
Design Denise Saito

Martin e Felipe, mais conhecidos pelos pseudônimos Espeon e brTT, respectivamente, fazem parte do seleto grupo de brasileiros jogadores profissionais de videogame. Eles são de times rivais - o primeiro da KaBuM! Black e o segundo, da paiN Gaming - e estão na primeira divisão do Campeonato Brasileiro de League of Legends, o game de computador mais jogado no mundo. Eles competirão durante todo o ano contra outras seis equipes para chegar à final, marcada para agosto no Allianz Parque, o estádio do Palmeiras, em São Paulo. O vencedor enfrenta o time campeão da América Latina por uma vaga no Mundial, que será disputado em diversas cidades da Europa. É a verdadeira Copa do Mundo dos games.

Não é à toa que esses jogadores são considerados uma espécie de novos atletas, que pertencem a uma geração que celebra outro tipo de competição. Com idade média entre 17 e 25 anos, eles têm contrato e recebem salários em troca de suas melhores habilidades no mouse e no teclado. E, para isso, jovens de diversas partes do Brasil têm deixado a casa dos pais para viver em gaming houses, uma prática já disseminada em outros países. São centros de concentração bancados por patrocinadores que, atraídos pelas altas cifras da indústria, investem na carreira dessa turma e movimentam o cenário do chamado esporte eletrônico - ou apenas e-Sports - em todo o mundo.

São muitos os games que compõem uma cena competitiva, mas o League of Legends (ou LOL) lidera a preferência com 67 milhões de jogadores em todo o planeta. É mais do que toda a população dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás juntas. Em uma definição simplória do enredo, duas equipes de cinco pessoas cada se enfrentam para destruir o campo do adversário. Parece fácil, mas ao entrar nesse universo surge uma complexidade de personagens, ações e demandas que levam o usuário a passar cerca de 8h por dia em frente ao computador praticando ou estudando o jogo. Basicamente uma jornada de trabalho comum, mas muito mais divertida, diga-se.

Esses ciberatletas, chamados também de pro-players, vivem e respiram o trabalho e muitas vezes continuam jogando até nas horas de folga. "É a conquista de um sonho de qualquer jovem. Eu ganho para fazer o que mais amo", comemora brTT, um dos mais veteranos e populares da cena. "Mas se engana quem pensa que é só alegria e diversão. É extremamente exaustivo e é preciso de muita dedicação e sacrifícios", afirma. Mas isso também é o que se espera de um jogador profissional - afinal eles não estão só brincando com os amigos: há prêmios milionários envolvidos.

Em 2013 foram entregues, ao todo, US$ 25 milhões em prêmios nos principais torneios de games competitivos pelo mundo. No ano passado, só na final do Campeonato Mundial de LOL, a equipe vencedora levou para casa US$ 1 milhão, enquanto o segundo lugar faturou US$ 250 mil e o terceiro, US$ 150 mil. Outro jogo semelhante que tem crescido no mercado, o DotA 2, entregou ao campeão da temporada passada US$ 5 milhões. Em termos de comparação, a Alemanha ganhou US$ 35 milhões da Fifa ao vencer a Copa do Mundo de 2014. O Brasil, em quarto lugar, saiu com US$ 20 milhões. Não é brincadeira.

ENCONTRE OS COGUMELOS

Este TAB tem dez cogumelos escondidos por trás das nuvens, em meio às rochas ou dentro da água. Basta clicar neles para coletar. Mas...você consegue encontrá-los? Não precisa ser profissional! Acompanhe seu progresso na barra inferior.

*Dados da consultora Newzoo

MINA DE OURO

Para fazer parte de uma equipe que viaja o mundo com teclados e mouse na mala é preciso mostrar desempenho acima da média: quanto maior suas pontuações, mais chance há de chegar ao nível profissional e ter destaque. Olheiros estão sempre em busca de talentos, seja para montar novos times ou para substituir quem já não traz resultados. Por isso constantemente os gamers se cobram até mais do que seus próprios chefes. Em troca, eles ganham hospedagem, alimentação, empregada doméstica e equipamentos de última geração, além de salários fixos.

As equipes não revelam valores, mas estima-se que um ciberatleta brasileiro fature entre R$ 3.000 e R$ 10 mil por mês, somando ganhos com publicidade, comissões em vendas de produtos, patrocínios individuais e transmissões online de suas partidas. Quando os times começam a se destacar, transformam-se em uma fábrica de utensílios com seus nomes, personalizando desde itens de informática a roupas, bonés e tênis. Um estilo de vida.

UM EM CADA DEZ ESTÚDIOS DESENVOLVE HOJE UM JOGO PARA E-SPORTS. CERCA DE 80% DAS PRODUTORAS CREEm que esse mercado oferece UM MODELO DE NEGÓCIOS SUSTENTÁVEL A LONGO PRAZO.

*Dados da Game Developers Conference

Os jogos também atraem serviços alternativos que movimentam a economia informal. Além de sites de apostas espalhados internet afora, o "mercado negro" do League of Legends atende pelo nome de elojob: usuários em escala profissional cobram de R$ 50 até R$ 1.000 para aumentar a pontuação da conta de terceiros. É uma espécie de empurrãozinho clandestino para quem almeja chegar ao nível principal sem muito esforço - e com anonimato garantido.

O trabalho não é juridicamente ilegal, mas a Riot Games, desenvolvedora do jogo, condena a prática por comprometer o fair play. Para combater a iniciativa, a empresa faz mapeamentos para identificar o comportamento tóxico entre os jogadores numa espécie de "exame antidoping". Descobertos, eles recebem punições que vão desde suspensão temporária para quem compra o serviço até o afastamento dos campeonatos por um ano para quem vende suas habilidades. Quem não gosta de trapaça, a opção é se matricular nas aulas particulares oferecidas por jogadores e organizações.

SUPERSTARS DA VIDA REAL

É ultrapassada a ideia que os gamers são nerds antissociais e que gostam de ficar trancados no quarto. Nesta nova configuração, eles viajam o mundo, dão autógrafos, têm torcida organizada e muitas garotas correndo atrás deles, as famosas groupies - ou, neste caso, a "Maria LOL". "Existe bastante assédio, mas acho que em qualquer carreira que você se destaque vai ter alguém que se interessa pelo que você faz, te achar legal e querer ficar com você. Tem louca para tudo", brinca Pedro "Lep" Marcari, 19, da KaBuM! Orange, a única equipe brasileira a chegar ao campeonato mundial até agora.

No universo do League of Legends, 90% dos jogadores são homens. "É um jogo predominantemente masculino, mas não é feito com essa intenção. A gente vê o crescimento de mulheres nesse meio também, inclusive nos eventos", diz Roberto Iervolino, gerente geral da Riot Games no Brasil. "Existe bastante jogadoras, mas ainda não apareceu alguém com nível profissional ou que se destaque", observa Bruno "Bit" Fukuda Lima, 24, manager das equipes da KaBuM!. "E, caso aconteça, não vejo problemas em incluí-la em times mistos. Estamos sempre de olho em talentos do mercado", completa.

Para homens e mulheres, os esportes eletrônicos são um fenômeno de mais de 89 milhões de espectadores online no mundo, segundo dados da Newzoo, uma das principais consultoras sobre a indústria dos games. A previsão é que até 2017 suba para 145 milhões de entusiastas. E, desde que os campeonatos passaram a ocupar arenas e estádios, com ingressos esgotados em poucas horas, o público presencial também começou a crescer. Em 2013, a final do mundial de LOL recebeu 12 mil pessoas no Staples Center, casa do time de basquete da NBA Los Angeles Lakers. No ano passado, o encerramento levou 40 mil pessoas ao estádio sul-coreano Sangam, que sediou jogos da Copa do Mundo em 2002.

Você gostaria de assistir a jogos de videogame na TV?

Opine

Por aqui, os números dos torneios estão longe de serem desprezíveis: a final do Brasileirão de 2014 colocou 6.000 pagantes no Ginásio do Maracanãzinho, no Rio. Para este ano, a conclusão do evento no Allianz Parque irá receber 12 mil pessoas. "A capacidade da casa é maior, mas a partir de um certo tamanho a experiência já não mais é tão boa. Os fãs ficam distante dos jogadores, o contato é menor, não vale a pena", afirma Iervolino, da Riot Games Brasil, que inaugurou em janeiro seu próprio estúdio de transmissão online. O galpão de 350 metros quadrados na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, sedia partidas presenciais, com equipe de apresentadores, narradores, comentaristas e analistas especializados.

De olho na audiência, emissoras de televisão também começam a acordar para o sucesso dessa indústria. No ano passado, a ESPN transmitiu a final do The International, campeonato do jogo DotA 2 direto da KeyArena, em Seattle. Enquanto isso, na internet, o evento era acompanhado por 20 milhões de pessoas por sites como o Twitch.tv, dedicado em transmitir partidas de game e comprado recentemente pela Amazon por US$ 1 bilhão. E tem mais: o recorde de audiência de um evento de e-Sport é, até agora, da final em 2013 do campeonato mundial de League of Legends: 32 milhões de pessoas.

DIEGO "TOBOCO" PEREIRA

Narrar um jogo de videogame, é sério isso? Sim, e é muito sério! Com tanto nome de personagem, golpe e ação, quem não está a par do game mal entende o que acontece, mas sem eles a transmissão não tem graça. O gaúcho Diego Pereira, mais conhecido como Toboco, é o primeiro narrador profissional de League of Legends do Brasil, e hoje é tão celebridade quanto os jogadores. Com seus próprios bordões ("totalmente burstado", por exemplo, usado quando um personagem leva muitos "danos" em pouco tempo), ele já tem mais de 2.000 horas de narração. No vídeo ele conta um pouco da rotina e dá uma palhinha do trabalho.

A HORA DO GAME OVER

Apesar de pouparem o corpo dos excessos de uma atividade física, a carreira de um ciberatleta também tem prazo de validade. "Chega um momento em que o jogador começa a perder os reflexos e a capacidade de clicar tão rápido quanto precisa. E isso prejudica a performance no jogo", alerta Lep, da KaBuM! Orange. Para Bit, a fadiga é o que mais pesa no cotidiano. "Você até encontra jogadores em nível mundial que são mais velhos, com 30 anos. O que trava mesmo é a motivação e o empenho do jogador", diz ele, que hoje só entra em campo virtual por diversão.

Com tanta exposição e admiradores que os acompanham por todo lugar, os pro-players mais experientes aproveitam a popularidade para construir uma rede de contatos. "Felizmente tenho orgulho de dizer que o meu futuro está muito bem encaminhado", diz brTT, que mantém uma base de mais de 350 mil fãs no Facebook. "Há dois anos criei uma marca de roupas e tenho certeza que, quando isso tudo acabar, vou conseguir me sustentar confortavelmente. Mas também tenho projetos em mente que envolvem o e-Sport para quando me aposentar como jogador".

OS JOGADORES SÃO CELEBRIDADES NO MUNDO DA INTERNET E PARA MUITA GENTE É SURREAL. FALAM: 'ESPERA UM POUCO, VOCÊS ESTÃO NA TV?'. NÃO, TV É COISA DE VELHO

Roberto Iervolino, gerente geral da Riot Games

O futuro desses profissionais ainda está sendo escrito. Eles têm o ensino médio completo, mas a maioria adia a faculdade para aproveitar a oportunidade de viver da atividade. E nenhum deles, claro, pensa em se aposentar tão cedo. "Quem quiser entrar nesse universo ainda tem muito espaço e muito tempo para se desenvolver", afirma Espeon, da KaBuM! Black, que trancou o curso de engenharia da computação no 5º semestre e repete um discurso comum entre eles: mesmo quando parar de jogar, quer continuar a trabalhar nesse meio. "E, depois, isso tudo servirá como uma experiência de trabalho igual a qualquer outra", diz o jogador.

A verdade é que, como jogadores profissionais de videogame, eles aperfeiçoam qualidades exigidas no mercado de trabalho mais convencional. Enquanto jogam, os gamers aprendem a trabalhar em grupo, a cooperar com o colega, alcançar metas e, claro, a lidar com a frustração. Por isso, muitas equipes contam com orientação psicológica na rotina das gaming houses.

*Dados da consultora Newzoo

EM BUSCA DA CARTEIRA ASSINADA

Legitimar a atividade como um esporte convencional é a próxima grande jogada nesse mercado. Os pro-players esperam, com isso, que a profissão seja mais respeitada e reconhecida por quem está fora desse ambiente. "Geralmente temos que falar de outro esporte para explicar o nosso. Esperamos o dia em que usarão o nosso para explicar algum outro que ainda virá a existir", afirma Bit, da KaBuM!. A normatização de uma indústria historicamente estigmatizada também abriria os olhos da legislação trabalhista, assegurando os direitos dos profissionais com carteira assinada.

Por outro lado, a Riot Games afirma que, neste momento, não entrará no debate pelo reconhecimento oficial. "A indústria de videogames no Brasil ainda é muito incipiente", diz Roberto Iervolino. "Por falta de informação existe um certo preconceito sobre a profissão desses meninos. Dizer que eles não trabalham, por exemplo, é uma reação de quem não sabe a complexidade e competitividade que existe nesse meio. Então preferimos investir no cenário para que o grande público primeiro entenda melhor isso tudo e só então, no futuro, discutir a possibilidade de oficialização. Antes, buscamos a profissionalização", completa.

Enquanto isso, na Coreia do Sul, os e-Sports passaram a integrar o Comitê Olímpico do país em janeiro deste ano como um grupo de nível 2, categoria abaixo das modalidades olímpicas e na qual estão esportes da mente, como o xadrez. Nos Estados Unidos, desde 2013 os jogadores profissionais estrangeiros entram no país com um carimbo de atleta P-1A, o mesmo concedido a Neymar ou Gabriel Medina, no visto do passaporte. E há, inclusive, universidades que oferecem bolsas de estudos para gamers, seguindo o modelo já existente no basquete ou no futebol americano, por exemplo.

"O que a gente vê é: tem jogador profissional, patrocínio, técnico, treino, campeonato, torcida, troféu, transmissão. Lembrou de um esporte? Porque é isso que eles são: um esporte, mas eletrônico", resume Iervolino. "O e-Sport não é novo, mas 2014 foi um ano em que a gente apareceu muito e para muita gente que sequer sabia da existência disso tudo, saímos do nicho. Agora, 2015 vai ser um ano de consolidação. Será impossível nos ignorar", completa.

Mariana Tramontina

Editora de Entretenimento do UOL. Gostaria de ter mais tempo para jogar videogame, mas só por diversão mesmo.

tabuol@uol.com.br

Você não encontrou os cogumelos.

Está com pressa? Ou se distraiu? Você tem direito a mais uma vida: volte ao início do TAB e busque os cogumelos escondidos. A gente espera.

Você encontrou de 10 cogumelos

Oh não! Você parece não gostar de jogos interativos, e esse era bem fácil! Quer mais uma chance? Volte ao início do TAB e busque os cogumelos escondidos. A gente espera.

Você encontrou de 10 cogumelos

Você está atento, mas ainda deixou alguns cogumelos para trás. Quer mais uma chance? Volte ao início do TAB e busque os cogumelos escondidos. A gente espera.

Você encontrou todos os cogumelos

Wa-hoo! Você não perde um desafio, não é? Obrigado! Mas nossa princesa está em outro castelo.

Esta reportagem também contou com apoio de:

Junior Lago, Marcelo Pereira e Ricardo Matrukawa, fotografia; Mariah Kay, edição de vídeo; Denis Pose, desenvolvimento.

é um conteúdo produzido semanalmente pela equipe do UOL. Nossa missão é entregar uma experiência única e interativa com conteúdo de alta qualidade, em formatos inovadores e com total independência editorial. TAB só é possível por causa do patrocínio de algumas marcas, que também acreditam em conteúdo de qualidade. We them big time.