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Chegou a hora?

Você já deixou de comprar CDs por causa dos arquivos digitais de música. Também parou de alugar filmes que pode consumir online. E com um novo capítulo que está sendo escrito, o da economia compartilhada, é possível que desista também de comprar um carro

Por Juliana Carpanez e Lilian Ferreira

Imagine a seguinte situação. Você precisa ir ao Rio de Janeiro. Em vez de ficar num hotel, você decide alugar um quarto no apartamento do Paulo. Para se deslocar, você pega o carro da Juliana. Em casa, o Rodrigo toma conta do seu cachorro. Detalhe: você nunca os viu antes. Sim, isso já acontece. Tudo se baseia na reputação e na rede de recomendações que surge na internet e se fortalece fora dela. E essa relação entre desconhecidos, comercial e ao mesmo tempo pessoal, em que consumidor e fornecedor se confundem, é a base da chamada economia compartilhada.

Um carro da Lyft e seu característico bigode de pelúcia: serviços de carona compartilhada irritam taxistas, mas têm se espalhado pelo mundo

Sim, a gentileza entre estranhos pode virar um negócio, e vice-versa. E isso pode ser bom. Mas o grande atrativo, além da vantagem financeira, está em viabilizar o acesso para o tamanho da sua necessidade. Porque a posse do objeto ou do espaço não é mais um fim em si. Há uma materialização de uma vida on demand, como já é na vida digital. A experiência é o foco do consumo. É possível ter uma Ferrari por alguns dias (sem pagar IPVA), passar as férias num barco (sem despesas do píer) e trocar de bicicleta a cada fim de semana (sem ter de guardá-la na sala de casa). Nesse tipo de negociação - que talvez você já use, mesmo sem saber -, o papel do fornecedor também é exercido pelo indivíduo. Gente como você, que pode lucrar com aquele quarto vago via Airbnb, com a câmera de vídeo que usa apenas no Natal ou com o carro que sai da garagem poucos dias no mês.

Nesse cenário no qual a posse é obsoleta, a tendência é que serão vendidos menos carros, bicicletas e apartamentos, por exemplo. "A economia compartilhada está alinhada ao propósito de sustentabilidade", defende Lucas Foster, especialista em economia criativa. Isso porque o modelo transforma os excessos, algo historicamente considerado lixo, na base de um sistema de transação de valores. "No modelo tradicional, nós produzimos, vendemos e eventualmente nos desfazemos de algo. Nesse novo formato, aquela primeira e única transação dá lugar a muitas outras", afirma a empreendedora norte-americana Lisa Gansky, autora do livro "Mesh - Por que o Futuro dos Negócios é Compartilhar".

Como funciona?

Vivendo um dia compartilhado

Pedido de táxi pelo celular

10h

Chama um motorista particular

11h

Almoço na casa da Bia

12h

Na onda do co-working

13h

Compra do terno da Paula

14h

Contrata o motoboy

15h

Hospedagem na casa da Nice

16h

Aprende a andar de bicicleta

17h

O movimento

Ganham as empresas que geram empatia entre seus usuários. A RelayRides, por exemplo, oferece carros para alugar nos Estados Unidos, apesar de não ter automóveis próprios. Seu papel se resume, basicamente, a fornecer uma plataforma para colocar proprietários em contato com locatários. Parte do sucesso "que soma US$ 52,5 milhões em investimentos" veio quando a companhia passou a incentivar o contato pessoal entre os usuários na hora do empréstimo. Isso aumenta o comprometimento das partes envolvidas: continua sendo um aluguel, mas com caráter bem mais amigável. "As pessoas experimentam esses serviços porque são mais baratos que os tradicionais, mas continuam porque gostam da variedade de escolhas e de se conectar com pessoas", explica Lisa Gansky.

Esse "olho no olho" é fundamental para o sistema de avaliações, motor desse modelo de transação. Comentários e estrelas nos sites e aplicativos indicam se aquele fornecedor ou cliente é uma boa pessoa para fazer negócio, criando um novo patamar para a reputação no ambiente virtual - quanto melhor for a sua, maiores as chances de você fechar negócio. Sob constante avaliação, é comum motoristas que oferecem água a passageiros e proprietários que mandam mensagens para saber se os hóspedes aprovaram as acomodações.

O serviço de hospedagem Airbnb oferece 800 mil espaços em 190 países ? dá para ficar até em barcos e casas na árvore. Por sua vez, a maior rede de hotéis do mundo, a Intercontinental, tem 693 mil quartos em 100 países

Comentários e "estrelas" podem criar um novo patamar para a reputação virtual

Modelos similares podem ser encontrados na Idade Média e mesmo na história do Brasil, por exemplo, onde a preocupação em gerar empatia na hora de fazer negócios sempre esteve presente. Mas o processo de urbanização fez com que as pessoas se afastassem e deixassem de confiar em quem não fosse do seu círculo.

"[A economia compartilhada] vem de centenas de anos, quando as cidades eram pequenas e seus moradores compartilhavam suas posses com os vizinhos", afirma Samy Dana, professor de finanças e criatividade da FGV-SP. O que ajudou no gigantesco alcance dessa retomada foram as sucessivas inovações tecnológicas das últimas décadas. "Aquilo que até muito recentemente só podia ser feito de forma localizada ganhou uma escala absolutamente inédita com as mídias digitais", resume Ricardo Abramovay, professor Departamento de Economia da FEA-USP.

Nesse novo formato, aquela primeira e única transação dá lugar a muitas outras

Lisa Gansky, empresária e autora norte-americana, sobre a diferença entre os modelos

3,5 bilhões

de dólares é o valor que, segundo a Forbes, a economia compartilhada movimentou em 2013

Especialistas comentam

Ricardo Abramovay, professor titular do departamento de economia da FEA-USP
3:27

O consumo [...] vai valorizar cada vez mais a sensação, a experiência, a socialização, a relação humana

Ricardo Abramovay, professor titular do departamento de economia da FEA-USP

A principal mudança da economia compartilhada é a redução da importância dos intermediários

Ladislau Dowbor, professor de economia na pós-graduação da PUC-SP

2:55
2:41

Ninguém sabe para onde vai, mas teremos mudanças. É um caminho sem volta, criado pela tecnologia

Samy Dana, professor de finanças e criatividade da FGV-SP

A natureza do ser humano é viver em comunidade [...]. Quem tem prazer ao compartilhar vive melhor

Leila Salomão Tardivo, professora doutora do departamento de psicologia da USP

1:56

A experiência como meta

Turma do contra

Há setores que veem uma série de problemas no compartilhamento. Nos EUA o modelo é chamado por vários especialistas de "oficialização do bico". Isso porque ele não passaria de uma maneira das pessoas complementarem a renda, abalada pelas sucessivas crises mundiais nos últimos anos. Seria uma precarização do capitalismo no mundo desenvolvido.

No mercado, taxistas e indústria hoteleira são os principais críticos, já que suas áreas sofreram muito com a revolução provocada por Uber, Lyft e Airbnb. As acusações contra as novas empresas vão desde falta de segurança para os usuários até concorrência desleal e sonegação de impostos. Em São Paulo, por exemplo, a reivindicação dos taxistas fez eco: a Secretaria Municipal de Transporte determinou a apreensão dos carros do Uber. A multa para o motorista é de R$ 1.800 e, no caso de reincidência, sobe para R$ 3.600.

As acusações contra novas empresas vão desde falta de segurança até sonegação

Mas tais restrições não devem brecar as iniciativas na área no Brasil. Para especialistas, este é um caminho sem volta. A tendência é que corporações tradicionais deixem de combater o modelo e, ainda que leve algum tempo, ofereçam serviços compartilhados.

"Estamos aproveitando no máximo 5% do potencial desse processo, mas ele deve se generalizar. O processo colaborativo vai se inserir, aproveitando as áreas que funcionam melhor na base da colaboração", afirma Ladislau Dowbor, economista e professor de pós-graduação da PUC-SP.

Estamos aproveitando no máximo 5% do potencial desse processo, mas ele deve se generalizar

Ladislau Dowbor, economista e professor PUC-SP, sobre o futuro do modelo

1 milhão

de pessoas compartilharam 15,6 mil carros em 2013 na América do Norte

Compartilhando em San Francisco

A cidade que aprendeu a dividir

Testamos a economia compartilhada onde essa tendência já pegou. Veja como foi a experiência, que teve desde aluguel de barco para hospedagem até um jantar com desconhecidos

Os chefões da nova economia

Executivos do Uber, Airbnb, RelayRides e Monkeyparking falam sobre a importância da experiência de seus clientes, além das transformações causadas por suas empresas

O futuro compartilhado

Algumas grandes corporações começaram a brincar no novo terreno. A montadora alemã Mercedes-Benz já oferece carros em um sistema similar ao usado em sites de compartilhamento. O preço é menor que o de aluguel e a empresa ainda passa uma nova imagem para seus consumidores. "Compartilhar é o novo possuir", diz a marca alemã em seu site.

No Brasil, muitos empreendedores apontam a falta de conhecimento dos consumidores sobre o serviço como empecilho para a expansão do modelo para além das áreas de transporte e hospedagem, já consagradas - o Rio, por exemplo, é a terceira cidade no ranking mundial do Airbnb.

Há projetos para driblar isso, como a iniciativa colabore.org, que deve ser lançada em 2015 como uma rede social colaborativa para reunir as diversas ferramentas no país. Mas será preciso muito mais para o modelo se expandir, afirma João Luiz de Figueiredo, coordenador do Núcleo de Economia Criativa da ESPM-RJ.

"A chamada nova classe média entrou recentemente na sociedade de consumo. O carro, por exemplo, é um símbolo de sucesso. Fica difícil as pessoas mudarem a lógica e começarem a pensar que não precisam de carro", explicou Figueiredo. "A mudança cultural é sempre mais lenta que as tecnologias", concorda o economista Ladislau Dowbor.

Enquanto o Brasil ainda procura o seu caminho, os EUA parecem que estão chegando ao limite. Até para a moderna San Francisco. O aplicativo MonkeyParking vende alertas sobre vagas na rua. Você sai de uma vaga, avisa no app e cobra por isso. A prefeitura tem tentado impedir o funcionamento do serviço por privatizar um serviço público. Seria esse o limite? Na economia compartilhada, é quase certo que a decisão caberá ao usuário.

Juliana Carpanez

Editora de Tecnologia do UOL. Só compartilha sua casa com quem gosta de gato.

Lilian Ferreira

Editora de Ciência e Saúde do UOL. Prefere casa alugada a hotel nas viagens.

Esta reportagem também contou com apoio de:

Flávio Florido, Júnior Lago e Reinaldo Canato, fotografia; Fabrício Venâncio e Denis Armelini, vídeo; Luana Borges, produção; Maurício Ricardo, charge; Gustavo Angimahtz e Vicente Dornelles, personagens.

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