Na última vez que Luiz Miranda foi visto com vida, a expressão no seu rosto era de pavor. Com as mãos ao alto, o motorista de 21 anos foi revistado por um homem armado que vestia colete preto, como os usados pela Polícia Civil, em um viaduto movimentado de São Paulo. Em seguida, Luiz desapareceu. Por duas décadas, seus restos mortais ficaram guardados em um saco azul no IML (Instituto Médico Legal) Central de São Paulo, à espera de confirmação da identidade e sepultamento.
Era início da tarde de 14 de dezembro de 1989, quando o Fiat Fiorino que Luiz dirigia foi abordado por dois homens armados no bairro da Mooca. O motorista e seu patrão, o estilista Arnaldo de Abreu, 38, foram obrigados a desembarcar. Algemados, foram colocados na caçamba do veículo e levados para local desconhecido.
Um congestionamento se formou no viaduto. O homem de colete policial que revistou Luiz fazia sinal com as mãos para pedir que os demais carros continuassem passando. Parecia uma abordagem policial. Mas não havia nenhuma viatura no entorno.
Naquela altura, o cenário da violência no Brasil era outro. Ainda não haviam sido criadas as milícias nem muitas das facções que dominam o conflito armado hoje no país. A ditadura militar havia recém acabado e, em três dias, os brasileiros votariam em segundo turno na primeira eleição presidencial direta da redemocratização.
A forma de violência que mais assustava São Paulo eram os sequestros. Dias antes, em 11 de dezembro, o empresário Abilio Diniz havia sido levado por criminosos e seu cativeiro era procurado intensamente pela polícia. Por isso, em um primeiro momento, as famílias de Luiz e Arnaldo acharam que eles também haviam sido sequestrados.
"Preciso das autoridades para encontrar meu filho. Ele é tão importante quanto Abilio Diniz", dizia uma cartolina segurada pelo pai de Luiz em frente ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Entre o Natal e o Ano-Novo de 1989, o pai protestou no local para cobrar por investigações sobre — o que acreditava ser — o sequestro do filho. Em greve de fome, dormia no gramado diante da entrada do prédio.
"Só saio daqui quando a polícia começar a investigar, com interesse igual ao caso do empresário Abilio Diniz, o sequestro do meu filho", disse, na época, para jornalistas.
O pai também mostrou para os repórteres o registro de uma ligação feita para o Copom (Centro de Operações Policiais Militares) às 14h55 do dia 14 de dezembro. Uma testemunha viu as vítimas serem colocadas na caçamba da Fiorino, achou a cena suspeita e pediu para a polícia averiguar. Mas, apenas dois minutos depois, às 14h57, a busca policial foi "cancelada por ordem superior".
Outras duas testemunhas se apresentaram na polícia depois de verem o protesto do pai de Luiz nos jornais. Eram trabalhadores que passavam pelo local enquanto as vítimas eram algemadas. Na ocasião, eles criticaram o local "impróprio" do que julgaram ser uma operação policial, gerando trânsito. Um deles fixou o rosto de Luiz: "Tinha uma expressão de medo, estando apavorado e tenso".
O protesto do familiar de Luiz também ganhou a atenção do então governador Orestes Quércia, que o recebeu no palácio. Depois disso, o DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa) entrou no caso.