ÍMÃ DE GENTE

Crise econômica e 'febre do ouro' fazem garimpo ilegal avançar sobre áreas de preservação no Pará

Lucas Landau (texto e fotos) Colaboração para o TAB, de Itaituba (PA) Lucas Landau/UOL

"Não, mãe, não conta." A filha mais velha do casal interveio, mas a mãe já estava falando. "Eu vou contar. Essa casa, essa família, tudo é sustentado pelo garimpo. Meu marido é chefe de garimpo ilegal."

Ao redor de uma longa mesa de madeira sentaram-se os cinco membros da família e mais alguns amigos garimpeiros. Anoitecera e fizeram um churrasco. Eu, que estava há quatro anos sem comer carne vermelha, aceitei o boi assado por Grande. "A carne do Pará é a melhor do Brasil", ele me disse.

No garimpo ilegal, todos têm apelido. O paranaense Grande é chefe do garimpo e da família que me recebeu muito bem numa noite quente do "faroeste", a região ao redor da rodovia BR-163, que rasga o Brasil de Santarém (PA) a Tenente Portela (RS).

Alguns dias depois da aula teórica sobre garimpo, mineração, Amazônia e Pará, Grande encostou na porta do hotel em que eu estava hospedado. Sua Mitsubishi L200 é completamente desconfigurada. Não tem freio, janela ou lanternas, o farol só pisca, o vidro da frente está todo trincado. Placa, nem pensar. Parecia ter saído direto do filme "Mad Max". O apelido do carro é Cheirosa.

Pedi, e Grande topou que eu passasse quatro dias entocado com ele em seu garimpo manual no meio da floresta amazônica, em uma unidade de conservação ambiental — portanto, terra da União. Grande tem autorização para garimpar: é garimpeiro registrado perante a lei. O que torna seu trabalho clandestino é garimpar onde não deve.

Fotografei o que vi com total liberdade e abertura.

A maior parte dos garimpeiros, explica Grande, trabalha dentro do mato de um a três meses. Junta uma quantidade considerável de dinheiro, volta para a cidade e gasta tudo com hotel (a maioria não tem casa para morar), "cabaré", os prostíbulos do lugar (muitos chegam sozinhos, sem família), álcool (uma dose de uísque em um cabaré custa R$ 60) e drogas (crack, cocaína e maconha).

Quando o dinheiro acaba, é hora de voltar para a solidão da floresta, onde ficarão dissolvendo barro atrás de ouro para repetir o ciclo de gastança na cidade. Círculo vicioso.

"Quem tem um pouco mais de inteligência vira chefe", brinca o sul-mato-grossense com cara de gringo apelidado de Francês, sócio de Grande em um dos garimpos.

Francês conta que geralmente os chefes têm família, contas a pagar e nome regularizado. Grande e Francês já estão na casa dos 50. Trabalham no garimpo homens de 19 a 65 anos,

Francês calcula que, na média, 80g de ouro sejam encontrados em cada barranco. Como eles têm feito 4 barrancos por mês, e cada grama vale em torno de R$ 280 (R$ 308 mas casas de compra e venda, descontadas as taxas), os donos ganham, no bruto, algo em torno de R$ 90 mil por mês. Funcionários recebem 10% do ouro encontrado, cada um, e ainda é preciso pagar cozinheira, comida, gasolina, diesel e a manutenção dos equipamentos.

Ele afirma que garimpa em áreas protegidas porque "parecem concentrar" maior quantidade de ouro. "Onde não tem riqueza mineral, não tem reserva indígena nem floresta nacional."

Para Luiz Jardim Wanderley, especialista em garimpo e professor da UFF (Universidade Federal Fluminense), a afirmação de Francês ilustra a tensão entre garimpeiros e indígenas, pois não há qualquer relação entre reserva indígena e presença de mais metal. Mas o embate está posto: a reserva onde Francês e Grande extraem ouro atualmente foi demarcada em 2006. Os garimpeiros se consideram "donos" do lugar por trabalharem ali desde antes da demarcação.

Francês e Grande têm duas bombas hidráulicas cada um. Trata-se de um motor de sucção de água a diesel, que emprega três funcionários — ou seja, cada garimpeiro tem seis homens trabalhando em seus barrancos abertos na mata, além de uma cozinheira, a única com salário fixo em um garimpo.

Os empregados fazem cinco refeições por dia, independentemente de os homens encontrarem ouro. Comi paca caçada ali mesmo, mas as refeições eram em geral compostas de feijão carioquinha, arroz branco, mandioca ou batata. A cozinheira recebe, lá mesmo, 10 gramas de ouro por mês de pagamento (aproximadamente R$ 2.800).

A famosa "fé do garimpeiro" — a crença de que vão encontrar um barranco com uma quantidade fora de série do metal — os faz trabalhar direto. Alemão que o diga. Nascido no Rio Grande do Sul, o homem de quase 45 anos trabalha como "pesquisador de ouro" para Grande e Francês e já garimpou muito pela Amazônia. Certa vez, em 2017, em Apuí (AM), Alemão saiu com quatro quilos e meio de ouro no braço (na cotação de hoje, descontadas as taxas da casa de compra e venda, renderia R$ 1,35 milhão).

Depois que o garimpeiro descobriu esse filão, Apuí voltou a estourar na rota do garimpo. O que Alemão fez com esse dinheiro todo? Ele mesmo me contou que gastou tudo com besteira.

Hoje Alemão percorre a mata dias e noites sozinho, com uma arma para caçar, uma pá para cavar buraco e uma cuia, instrumento sagrado dos garimpeiros que funciona como bússola, apontando sempre para o ouro.

Como pesquisador, Alemão faz a primeira etapa da busca. Fareja com a cuia nos locais de mata fechada, cavando até encontrar água. Se aparecer farelo dourado no fundo, significa que embaixo tem mais.

Quando encontra grotas promissoras, avisa Grande e Francês, que abrem a floresta com os empregados na base do facão e da motosserra. Eles confiam que a clareira não tem tamanho suficiente para ser detectada pelos satélites de monitoramento da fiscalização.

Com a vegetação retirada, começam a cavar os barrancos. Para trabalhar com mais rapidez, usam o bico-jato, um esguicho de alta pressão que joga água para dissolver as primeiras camadas do solo.

Dos três funcionários que trabalham em uma bomba, um fica na mangueira que joga água, outro fica na mangueira que suga essa água que escorre com ouro, barro, folhas, galhos e pedras. O terceiro cava os caminhos para a água escorrer de uma mangueira à outra.

São mais de 10 horas por dia tentando encontrar o maior número possível de grãos. O metal valioso, a propósito, dobrou de preço no intervalo de um ano. Por ser considerado investimento seguro em tempos instáveis, a cotação do ouro disparou durante a pandemia. Em julho de 2019, custava R$ 171,36. Em outubro de 2020, chegou a valer R$ 341,89. Em 1º de outubro de 2021, valia R$ 308.

A água que desce do barranco é bombeada para uma mesa coberta pelo "carpete", na realidade um tapete emborrachado. O ouro se deposita no fundo por ser mais pesado, enquanto água e impurezas descem rolando e são descartadas.

No final do trabalho de uma semana, o carpete é lavado. Nesse momento usam bateia (bandeja grande usada na mineração) para separar o ouro da terra. É nessa fase que entra o mercúrio, ou azougue, como os garimpeiros chamam. Ele é despejado dentro da bateia para produzir uma amálgama com os farelos, depois despejado em uma cuia forrada. O tecido é torcido para que o excesso de mercúrio seja retirado da mistura.

Nos garimpos de Grande e Francês, no entanto, o mercúrio é reaproveitado para novas amálgamas. Segundo Grande, um pequeno pote do tamanho de um colírio com a substância custa cerca de R$ 1.200. É preciso economizar.

O mercúrio que ainda fica concentrado na bolinha de ouro vai ser queimado. O contato com o fogo faz com que ele evapore (a fumaça é tóxica e temos de tomar cuidado com a direção do vento), deixando apenas o ouro em estado bruto, parecendo uma massa de empada.

A depender do peso, é possível ter ali algumas dezenas de milhares de reais. O resultado do trabalho que acompanhei rendeu a Grande R$ 6.500 naquela semana, em apenas um barranco (já descontados os pagamentos).

Em um barraco de lona no meio da floresta, o ouro "massa de empada" é depois queimado e pesado na presença de todos. Na mesma hora é tirada a porcentagem da equipe: primeiro, a do garimpeiro; depois, a da cozinheira; e o que sobra fica com o proprietário da máquina. "No garimpo, a gente fala que o acordo é 'no bigode'. Não tem contrato, é tudo confiando na palavra um do outro", conta Grande.

O ouro garimpado é embrulhado em folha de papel de uma agenda Tilibra, posta em um saquinho plástico e encaixada no console do carro do Francês. Enquanto seus funcionários continuam no mato, ele e Grande vão semanalmente à cidade para levar o ouro à casa de compra, ao redor da BR-163, e voltar com dinheiro, comida e equipamentos.

Vão sempre no mesmo endereço, onde já conhecem o dono. Saem com o bolso cheio de notas de R$ 100 e R$ 50. Tudo no garimpo é feito em dinheiro vivo. Pouquíssimos garimpeiros têm conta em banco.

Pai de uma estudante de engenharia ambiental, Grande tem consciência do estrago no meio ambiente, mas diz que o garimpo manual com bombas é uma maneira "menos agressiva" de extrair ouro na floresta.

Segundo ele, a vegetação retirada para abrir os barrancos é posta de volta dentro dos buracos deixados. "Se você não tem experiência com a floresta e olha para a mesma região dois anos depois, você não diz que ali havia um garimpo. A mata nasce de novo."

Erika Berenguer, doutora em Ecologia pela Universidade de Lancaster (Reino Unido), estuda a Amazônia e sua degradação ambiental há 12 anos e explica que não é bem assim. "Não é porque é verde que é o mesmo que estava ali antes. Só o fato de crescer um monte de árvore junta não caracteriza uma floresta, porque a floresta tem uma série de processos e funções que não estarão ocorrendo naquele lugar que já foi desmatado", contextualiza.

A vegetação de uma floresta secundária é que brota em qualquer lugar — "como a que cresce em um terreno baldio ao lado da sua casa, por exemplo".

Grande usa o argumento da revegetação espontânea porque não quer ser confundido com os garimpos de PC (pá cavadeira), que, em um dia, fazem buracos na floresta que os funcionários do Grande demorariam um mês para abrir. "Não quero trabalhar com PC porque o custo operacional é alto e o risco é grande, devido à fiscalização", Grande responde rapidamente.

Na manhã antes da partida do garimpo, o rádio tocou avisando que os "botas" tinham entrado. Do local do aviso até onde estávamos, levariam cinco horas para chegar. Havia tempo suficiente para despistá-los.

A sensação de saber que sete carros do ICMBio acompanhados por mais seis da Força Nacional estavam na área deixou o clima tenso. As máquinas foram desligadas, as risadas pararam. Horas depois, chegou pelo rádio o recado de que eles tinham ido embora. Só então poderíamos partir.

Saímos rápido para não pegar a estrada escura, já que o carro roda sem farol. Fomos por caminhos secretos no meio da floresta e chegamos à noite.

Para Grande, aquela estrada é sua casa. Ao menos três vezes ele pegou o isqueiro para enxergar no painel do carro o ponteiro da temperatura do motor. Paramos para checar a água do carro e inventamos de comer o resto do almoço.

Talvez essa parada tenha evitado que encontrássemos os "botas". Na manhã do dia seguinte, Grande foi avisado que o comboio da fiscalização estava voltando para a cidade a apenas 10 km à frente de nós.

Essa é a relação de gato e rato entre garimpeiros e fiscalização ambiental. "Tenho minha luta diária para conseguir manter minha família, certo? O medo da presença deles existe. Mas também não posso me acovardar e deixar minha família passando necessidade, então eu vou lutar até o último minuto."

Lutar pelo quê? Francês desabafa. "Satisfeito eu não tô, não. Ninguém gosta de fazer nada ilícito. Preferia estar trabalhando de forma correta. [O garimpo] Me é favorável por conta da renda. É mais bem remunerado que o trabalho de policial, professor, dentista", diz o chefe de garimpo, formado em letras em Campo Grande (MS), ex-professor de escola pública no Pará.

Além dos problemas ambientais e decorrentes do mercúrio, a corrida pelo ouro tem forte impacto social. A prostituição cresce visível em distritos como Castelo dos Sonhos, Jardim do Ouro, Novo Progresso e Moraes Almeida, todos no sudoeste do Pará — assim como o consumo de drogas, que colocou essas localidades na rota do narcotráfico com a participação de facções do Sudeste.

Todos os PCOs (Postos de Compra de Ouro) desses distritos e municípios são autorizados pelo Banco Central. Há uma lacuna na lei brasileira que permite que o ouro extraído ilegalmente seja comprado pelo mesmo preço de um ouro extraído de forma legal.

Como as autoridades contam somente com a presunção da boa-fé dos envolvidos, os estragos são definitivamente grandes.

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