Uma jornada perigosa Hasko era um artista renomado na Síria. Hoje, sente que é um “fardo” para europeus

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Uma jornada perigosa

Eram tantos dias de sofrimento que ele viu a guarda costeira como algo celestial.

Um artista que poderia ter levado a família para a Europa de classe executiva, mas precisou recorrer a contrabandistas. Essa é a história real de Hasko, segundo personagem da trilogia em HQ publicada pelo TAB sobre o drama de refugiados sírios.

Ilustrações Lindsay Pollock

Design Denise Saito

Conheça Hasko

Partindo de casa

Nossos amigos eram outros artistas, escritores e poetas. Todos éramos pensadores livres e assistimos ao início dos protestos com otimismo ingênuo. Nós brindamos a um futuro melhor!

Mas Sabrieh era mais cautelosa e preocupada... Eu já tinha me encrencado com ela antes. Enquanto visitava um amigo, nós saímos para nos juntarmos a uma marcha...

Zarpando

Não é difícil você encontrar um contrabandista no sul da Turquia. Eu saquei $ 6 mil. Você aposta sua vida no mar, mas primeiro aposta seu dinheiro. Essas pessoas com frequência desaparecem com as economias de uma vida das pessoas.

Mas, uma semana depois, meu contato estava no local marcado. Meu coração batia acelerado. Teria pago $ 6 mil pelo privilégio de me afogar no mar? Enviei uma mensagem de texto para Sabrieh para que soubesse – o plano estava em ação...

Mensagem no telefone: diga às crianças que as amo. te amo dema...

Eu disse que a amava. Duas vezes. Caso aquelas fossem minhas últimas palavras.

A mulher ao meu lado agarrava seu filho para impedi-lo de se contorcer. Eu percebi que estava prendendo a respiração. Se apenas me inclinasse, eu poderia virar o barco e afogar a todos nós.

Nós subimos a bordo, com membros rígidos e cansados. Nosso pequeno barco fez a volta e partiu para a costa para buscar mais pessoas.

Uma viagem perigosa

Nós aguardamos por 48 horas pelo barco pequeno retornar duas vezes, trazendo mais e mais pessoas.

Ao final, devia haver uns 200 de nós. Eu senti o medo de novo – pessoas demais...

Nosso capitão era um homem duro. Ele rosnava: "Quem causar problemas será atirado ao mar".

Com o balanço do mar, todos nós adoecemos. Não havia espaço para se mexer e chegar à lateral.

Bons modos era vomitar em si mesmo e não no vizinho.
A embarcação fedia.

O enjoo distraía do medo. E o medo distraía do enjoo.

Então, na quinta noite, as ondas cresceram.
O ar ficou denso e começou a crepitar.

Eu ouvi um homem chorando para sua família: "Me perdoem! Me perdoem por trazer vocês!"

Depois da tempestade, todos ficamos em silêncio. E ao meio-dia, estávamos tostando de novo sob o sol.

Quando os refugiados são resgatados no mar, as autoridades afundam seus barcos. Para reduzir o prejuízo, os contrabandistas com frequência usam embarcações velhas e decrépitas no trecho final.

Na sexta noite, surgiu uma nova embarcação. O capitão nos disse que todos nós seríamos transferidos para aquela segunda embarcação –uma operação perigosa diante de tantas pessoas fracas e desorientadas.

Mesmo no escuro, enquanto parávamos ao seu lado, a nova embarcação parecia um balde enferrujado. As pessoas murmuravam inquietas. Eu ouvi um homem dizer: "Ao menos não está coberto de vômito".

Eu xinguei baixinho. Minha vida estava de novo em perigo em prol do enriquecimento de um contrabandista e porque os europeus querem desencorajar os refugiados, ao não tornar "fácil demais".

Assim que o último de nós cruzou, nosso primeiro barco partiu e desapareceu no horizonte. Agora tínhamos um novo capitão. Diferente do primeiro, mas igualmente inquietante.

Ele era um garoto egípcio, cerca de 18 anos, com uma "tripulação" de quatro –todos chapados. "Não me façam perguntas", disse o capitão. "Estou aqui apenas para conduzir o barco."

Para passar o tempo, eu contava histórias e ensinava canções aos pequeninos. Eles pareciam apáticos e tristes.

Então, no terceiro dia, ficamos sem comida. E então sem combustível.

Nosso menino-capitão tinha dificuldade com um telefone por satélite de sinal ruim. Finalmente, ele conseguiu contatar a guarda costeira italiana e pediu ajuda.

Por horas, ficamos esquadrinhando o horizonte ansiosos, à procura da salvação. Um homem com GPS em seu telefone disse que estávamos a 200 milhas da costa.

Finalmente, houve um grito de "Navio! Navio!" Eu gritei "Não se mexam!" Se as pessoas corressem para ver, poderíamos facilmente virar e nos afogar...

Resgate

Fomos levados a bordo de um navio da Cruz Vermelha e levados para a costa da Itália. Ao nos aproximarmos da costa, vimos praias com veranistas tomando banho de sol, com seus filhos brincando...

No porto, fotógrafos nos aguardavam. Eles tiravam nossos fotos, enquanto desembarcávamos trôpegos com pernas bambas. Estranhei o chão sólido finalmente sob meus pés.

Fomos levados a um prédio imenso, como um hangar, que foi transformado em uma espécie de fábrica para processar refugiados. Todos atordoados. Fazíamos apenas o que nos diziam, íamos aonde éramos levados.

Eu recebi roupas novas –não eram do tamanho certo, mas eram limpas e bem-vindas. Fui entrevistado gentilmente e alimentado em uma longa mesa lotada.

Ao meu redor havia pessoas de toda parte –eritreus, iraquianos, líbios. Ouvi relatos terríveis de fuga de massacres, bombas, tortura, estupro... e afogamento no mar.

E então, telefonei para Sabrieh. Ambos ríamos e chorávamos. Eu falei com as crianças. Me senti muito distante.

Após quatro dias me recuperando, fui autorizado a sair.

Eu não queria chamar atenção, então comprei roupas novas.

Viajei pela Europa por estradas e ferrovias, como qualquer mochileiro. Meu dinheiro encolheu, mas finalmente cheguei aqui...

Após um ano separados, nos foi concedido asilo. Sabrieh e as crianças se juntaram a mim aqui para recomeçarmos nossas vidas.

  • Produção: PositiveNegatives
  • Direção: Benjamin Dix
  • Ilustrações: Lindsay Pollock
  • Financiado por: Norwegian People’s Aid

Esta reportagem também contou com apoio de:

George El Khouri Andolfato, tradução.

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