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Meritocracia vai ao espaço com nova corrida espacial dos bilionários

Foguete Falcon 9, da SpaceX, decolando - Reprodução/Flickr/SpaceX Photos
Foguete Falcon 9, da SpaceX, decolando Imagem: Reprodução/Flickr/SpaceX Photos

Kaluan Bernardo

Do TAB, em São Paulo

30/11/2018 04h00

Quase cinco décadas depois do astronauta americano Neil Armstrong dar um pequeno passo para um homem e um salto gigante para a humanidade, há uma nova corrida espacial em curso. No lugar da disputa geopolítica entre Estados Unidos e União Soviética, entram em cena empresas privadas que buscam não apenas poder, mas o lucro que pode vir do espaço.

Diferentes companhias, de todos os portes, entraram na corrida para explorar comercialmente o cosmos - segundo previsão do banco de investimentos Morgan Stanley, esse mercado poderá movimentar US$ 1,1 trilhão até 2040 - contra os US$ 350 bilhões de hoje.

Muitos fundos de investimento também estão de olho na oportunidade sideral. De acordo com a Space Angels, uma associação de investidores em empresas de exploração espacial, só em 2017 foram investidos mais de US$ 3,9 bilhões em companhias do setor - para efeito de comparação, no mesmo ano os investimentos em startups brasileiras foram de US$ 860 milhões, menos de um quarto do valor.

Algumas regras da brincadeira, claro, são inspiradas em relações financeiras típicas da atmosfera. Leon Vanstone, cientista aeroespacial da Universidade do Texas, lembra que o combustível financeiro dessa nova corrida vem, adivinhem, dos cofres públicos. "A nova corrida espacial só é privada no sentido que é o setor privado que aceita o risco de mortes e fracasso - mas ainda são os governos pagando pelos programas", afirma. Por exemplo: duas das principais empresas norte-americanas de lançamentos de foguetes, a SpaceX, de Elon Musk, e a Blue Origin, de Jeff Bezos, dono da Amazon, possuem diversos contratos com a Nasa, a agência espacial dos EUA).

Salvador Nogueira, jornalista especializado em ciência e autor do blog Mensageiro Sideral, da "Folha de S. Paulo", concorda com Vanstone. "A iniciativa privada é boa para gerir os recursos, mas por outro lado não tem como agir em situações que não compensam de imediato. E aí entra a importância do governo", comenta.

Jeff Bezos, Richard Branson e Elon Musk fizeram fortuna em outros ramos, como a indústria da música e a internet, e querem ser os primeiros a mandar turistas ao espaço - Getty Images - Getty Images
Jeff Bezos, Richard Branson e Elon Musk fizeram fortuna em outros ramos, como a indústria da música e a internet, e querem ser os primeiros a mandar turistas ao espaço
Imagem: Getty Images

Startups de outro mundo

Mas, nem só de corporações bilionárias, grandes fundos de investimentos e verbas públicas vive a exploração espacial. Há uma constelação de startups interessadas nesse universo.

"Quando pensamos em exploração o espaço, não precisa ser sobre foguetes", afirma Lucas Fonseca, único brasileiro a participar da missão Rosetta, da ESA (a agência espacial europeia). Fonseca também é fundador de duas startups - a Celestial Data, que coleta dados de pesquisa na Estação Internacional Espacial, e a Airvantis, que faz pesquisas usando microgravidade no espaço.

As duas empresas de Fonseca fazem parte de um movimento chamado NewSpace. O termo é um guarda-chuva usado para descrever uma série de empreendimentos privados relacionados à exploração espacial. "É mais sobre um modelo de negócios para o espaço no qual as empresas dependam menos do governo. É usar o conceito de startup, do Vale do Silício, para a exploração fora da Terra", afirma.

Um exemplo desse cenário é a queda do preço para colocar uma carga no espaço. Segundo Fonseca, o custo da operação caiu dez vezes. "Hoje é possível lançar satélites por R$60 mil", comenta. Ele se refere aos Cubesats, pequenos satélites em forma de cubos que pesam pouco mais de um quilo e são usados para diversos fins de pesquisa espacial. O empreendedor é entusiasta do NewSpace e tenta trazer o empreendedorismo espacial para o Brasil. Por isso, criou a Garatea, uma missão para promover iniciativas espaciais no país. Nesse embalo, Fonseca lista os oito principais motivos - ou oportunidades - para explorar o espaço:

1) Satélites: Podem obter imagens da terra, coletar grandes volumes de dados, ampliar conexões para internet das coisas etc. Com satélites cada vez menores e mais baratos, mais empresas poderão vender serviços espaciais personalizados para diversos nichos;

2) Lançamentos aeroespaciais: Para colocar satélites em órbita, são necessários foguetes de lançamentos. Empresas como SpaceX e Blue Origin estão trabalhando para baratear lançamentos ao reaproveitarem as naves para diversas viagens. O Brasil, inclusive, se aventurou no mercado de lançamento de satélite em 1985, com o desenvolvimento do VLS (Veículo Lançador de Satélites). Em 2010, o produto se transformou no VLM (Veículo Lançador de Microssatélites), que ainda não foi lançado;

3) Turismo espacial: Milionários fazendo um passeio pelo espaço já está perto de se tornar realidade. Há filas de turistas espaciais, pagando até US$ 250 mil pela viagem. Há até mesmo alguns executivos apostando em hotéis no espaço. A Virgin Galactic, do bilionário Richard Branson, é um dos principais players do setor;

4) Pesquisas com microgravidade: O espaço permite realizar experimentos científicos únicos, que podem nos ajudar a entender desde o comportamento dos fluídos até saber mais sobre a osteoporose. Isso, porque, com microgravidade, é possível simular melhor vasos sanguíneos e particularidades orgânicas. Em última instância, a microgravidade pode até substituir alguns testes em animais;

5) Bases de lançamento: são uma espécie de "aeroporto" para foguetes, localizadas em pontos específicos para conseguir lançar os veículos com maior sucesso. O Brasil tem duas: a Barreira do Inferno (no Rio Grande do Norte) e Alcântara (no Maranhão) - esta, muito próxima à linha do Equador, é considerada a mais bem posicionada do mundo;

6) Serviços espaciais: é possível desde levar sondas com combustível a aeronaves a dar carona para objetos feitos para experiências científicas;

7) Exploração de recursos minerais: Há diversos asteroides ricos em materiais raros. Um deles, o 16 Psique, é formado por uma série de metais raros e avaliado em US$ 10 mil quadrilhões. Para efeito de comparação, hoje a economia global movimenta aproximadamente US$ 80 trilhões. A Nasa, claro, já está de olho. É possível que, em algum momento, a extração de minerais em asteroides crie uma nova "corrida pelo ouro";

8) Geração de energia no espaço: Fonseca vê um promissor mercado de geração de energia na Lua ou em estações espaciais. Em um futuro próximo pode se tornar viável colocar torres de painéis fotovoltaicos no espaço e transmitir até a Terra.

Tesla Roadster - SpaceX - Divulgação - Divulgação
Carro da Tesla lançado ao espaço pela SpaceX, ambas de Elon Musk
Imagem: Divulgação

Espaço é terra sem lei?

Nessa corrida espacial privada, há preocupações sobre quais os limites dessas disputas - inclusive no que se refere a marcos regulatórios. "O que você faria se amanhã uma empresa pousasse no polo norte da Lua e dissesse que todo gelo lá é dela? Atualmente, se a companhia não está em seu país, você não pode fazer muito. Há poucos precedentes para lidar com isso. No momento, os desafios regulatórios para as empresas explorando o espaço são mais difíceis que os desafios técnicos", comenta Vanstone.

Segundo Nogueira, há uma série de questões que preocupam muito desde já e que, se não forem discutidas agora, as consequências poderão ser catastróficas. Em Marte, por exemplo, é possível que existam formas de vida que não conhecemos. Mas explorar o planeta de forma inadequada pode levar essa existência à extinção.

"Ou, ainda, podemos chegar lá e descobrir que a vida que existe é uma que veio de alguma sonda mal esterilizada da Terra. Esse tipo de assunto é discutido no Escritório de Proteção Planetária da Nasa", conta. "Temos que minimizar esses riscos. Quando a iniciativa privada viajar em peso para o espaço, será necessário continuar garantindo regras para que os planos mirabolantes respeitem vidas", completa.

Se a exploração espacial promete um mercado trilionário para os próximos anos, convém perguntar como o Brasil está na fita. Na opinião de Fonseca e de Salvador, estamos atrasados.

Ambos destacam a base de Alcântara. "É a melhor base do mundo. Por estar tão próxima da linha do Equador, usa melhor o aproveitamento da rotação terrestre para impulsionar o lançamento", explica Fonseca. Ele destaca ainda que, diferentemente da base de Guiana Francesa, é possível lançar foguetes no Maranhão diretamente em direção ao Polo Norte, economizando manobras e, consequentemente, combustível.

O problema, avalia Nogueira, é que o Brasil perdeu o bonde. "Tentamos entrar na década de 1980 com o VLS, que não fez nenhum voo bem-sucedido. Mas o país ainda está bem posicionado com a base de lançamentos", comenta. "O Brasil tem o quarto grupo mais antigo do mundo de exploração espacial. Tudo começou com o Exército. O programa espacial foi bastante militarizado por aqui", afirma Fonseca.

Ele avalia que não há startups no país explorando o espaço. "Temos sete cursos universitários com estudantes interessados na área, mas sem mercado para isso. O que falta é criar ecossistemas de investidores e empreendedores no entorno", comenta.

O próximo homem a pisar na Lua ou em Marte poderá não ser mais um mero astronauta, mas um empreendedor. No NewSpace, a próxima fronteira é apenas um novo modelo de negócios.