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Eleitoral, tosco, fantástico: Uma análise do logo do governo Bolsonaro

Tiago Dias

Do TAB, em São Paulo

17/01/2019 04h00

Em 17 dias na presidência, Jair Bolsonaro anunciou suas primeiras medidas - e recuou de algumas na sequência -, deu e viu sua equipe dar declarações polêmicas e desdenhou de análises políticas que tentam, com variados graus de sucesso, interpretar os sinais sobre o caminho escolhido. No meio de tudo isso, o logo da nova administração trazia uma mensagem clara: estamos em uma "nova era".

A identidade visual foi divulgada pelo próprio presidente por meio de um vídeo publicado nas redes sociais. Uma bandeira tremulando ao vento aparece ao fundo, enquanto o texto na tela afirma que os brasileiros não foram às urnas apenas para escolher um novo presidente, mas principalmente para "resgatar" um país "sem corrupção, sem impunidade, sem doutrinação nas escolas e sem a erotização de nossas crianças". No fim, o logo surge na tela com a voz de uma criança cantarolando o verso que encerra o Hino Nacional - e que agora é o slogan do governo: "Pátria Amada Brasil".

Mas, para o professor de comunicação e semiótica Wilson Roberto Vieira Ferreira, doutorando em meios e procedimentos audiovisuais na USP (Universidade de São Paulo), a primeira mensagem a ser captada, seja na estética do logo ou no discurso que aponta um "inimigo" a ser superado, é uma só: "O Bolsonaro ainda não saiu do palanque. A estratégia continua sendo eleitoral", afirma.

O verde e amarelo que tomaram as ruas no impeachment de Dilma Rousseff e que deram a cor da campanha vitoriosa de Bolsonaro seguem no governo em muitos tons, em um processo que Wilson chama de "ressignificação" dos símbolos nacionais. Após utilizar a bandeira e a camisa da seleção brasileira durante o período eleitoral, chegou o momento de o capitão usar o próprio Hino Nacional.

"Isso não é só do Bolsonaro. Desde 2013, todas as manifestações da direita alternativa, a chamada 'alt-right', trazem uma iconificação forte dos símbolos, algo que a esquerda, ainda apegada ao vermelho, à coisa ideológica, não conseguiu acompanhar", afirma Ferreira. Em uma análise semiótica, ele dá seu veredicto para a estratégia: "É fantástico".

Os designers ouvidos pelo TAB afirmam que a simplicidade do logo dialoga facilmente nas redes sociais, principal palco do embate eleitoral de 2018 e agora canal de comunicação oficial do presidente. Mas há quem considere que, se esse conceito cabia para a campanha, agora a comunicação deveria ser diferente. "Agora eles são governo, deveria mais institucional. Se for uma escolha deliberada por uma estética mais tosca, é um erro. Pode ser uma limitação. Não deve ser uma equipe de experts", afirma o designer Rafael Bessa, especializado em identidade visual e design digital.

"O excesso de sombras e degradês não ajuda, dando um ar de "banco de imagens" ao logo", concorda Leo Porto, designer da consultoria americana Collins.

O alvorecer da era Bolsonaro

O logo nasceu na Secom (Secretaria Especial de Comunicação), mas pouco se sabe das referências e direção para a criação. O TAB entrou em contato com a pasta, chefiada pelo publicitário Floriano Barbosa, ex-assessor do gabinete do filho do presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), mas não conseguiu falar com o responsável pela criação. Segundo a porta-voz da pasta nesses primeiros dias de governo, a identidade foi criada em conjunto pela equipe a "custo zero". E isso é tudo o que o governo Bolsonaro tem a dizer sobre o assunto.

Os designers apontam uma referência clara. A ideia do sol pega carona na mensagem de esperança que transformou em ícone a campanha de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos em 2008. A ideia de um "alvorecer" foi um divisor de águas no uso do design em campanhas políticas e, posteriormente, serviu de "inspiração" para a campanha do presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Ambos prometiam mudanças drásticas para um "novo tempo". Cada um ao seu modo.

No caso do Brasil, a mensagem carrega a ideia de um período a ser superado. "E que o novo governo trará as soluções que o país anseia e supostamente necessita", afirma Bessa.

Um novo tempo: A ideia do sol nascendo se tornou um ícone da campanha de Barack Obama, foi replicado na campanha do presidente turco Recep Tayyip Erdogan e é a mensagem principal na identidade do governo Bolsonaro  - Divulgação - Divulgação
Um novo tempo: A ideia do sol nascendo se tornou um ícone da campanha de Barack Obama, foi replicado na campanha do presidente turco Recep Tayyip Erdogan e é a mensagem principal na identidade do governo Bolsonaro
Imagem: Divulgação

O logo do país é uma das primeiras ações de um governo e tem a intenção de refletir os brasileiros e gerar identificação. É talvez o gesto mais institucional que um governo faz ao próprio povo e às outras nações.

Diante tantas pautas importantes que irão afetar diretamente a vida de muitos brasileiros, você pode se perguntar qual a relevância de um logo, certo? Mas as cores e os traços escolhidos podem falar por si.

A identidade visual do governo de Dilma Rousseff trazia formato retangular, com traços mais sóbrios, focados no verde e amarelo na palavra Brasil. O slogan sintetizava o que deveria ser a prioridade de cada gestão, como a desigualdade social ("País rico é País sem pobreza", em 2010) e a educação ("Brasil, Pátria Educadora", 2015).

A marca do governo de Michel Temer soterrou a era de logos chapados ao privilegiar contornos tridimensionais, uma versão futurista popularizada nos anos 1980 e 1990 por Hans Donner, criador da identidade visual da TV Globo.

As duas últimas marcas do governo federal: retangular com foco verde e amarelo na gestão de Dilma Rousseff e a estética futurista de Michel Temer - Divulgação - Divulgação
As duas últimas marcas do governo federal: retangular com foco verde e amarelo na gestão de Dilma Rousseff e a estética futurista de Michel Temer
Imagem: Divulgação

A era Bolsonaro chega com uma identidade mais quadrada e cheia de degradês. Para Wilson Ferreira, a marca carrega o mesmo gosto retrô que a da gestão Temer. A estética escolhida privilegia a perspectiva "contra plongée" (de baixo para cima), "uma estética visual de propaganda política clássica", aponta o professor, citando as propagandas veiculadas durante o governo militar brasileiro.

"Você observa, debaixo para cima, que a bandeira está acima de tudo, com essa coisa de idealismo e força. Embaixo há uma sugestão de que é, digamos, um horizonte, a terra, e a bandeira está nascendo sobre o Brasil. Tem uma coisa meio messiânica, para não dizer até religioso", comenta. "Assim como na ditadura militar você tinha essa coisa do 'ninguém segura esse Brasil'", completa.

Segundo os designers Levi Girardi e Thiago Thomé, CEO e head de Visual Design da agência Questtonó, respectivamente, o uso da bandeira é redundante e falha em sua função institucional. "Elementos mais únicos e peculiares da cultura brasileira poderiam fazer sentido, pois exaltariam características que são mais interessantes e estratégicas para comunicação da nação", afirma a dupla em nota.

Propagandas do governo militar usavam a bandeira nacional como símbolo máximo da ideia de um país forte - Reprodução - Reprodução
Propagandas do governo militar usavam a bandeira nacional como símbolo máximo da ideia de um país forte
Imagem: Reprodução
Uma nova antiga era

Para Elizabeth Harkot de La Taille, doutora em Semiótica e Linguística Geral e coordenadora do grupo de estudos semióticos da USP (Universidade de São Paulo), a bandeira do Brasil no logo bolsonarista pode tanto estar nascendo como sendo encoberto pelo campo verde. "Dá mais impressão que o que vem debaixo vai cobrir e que esse verde, na verdade, vem empurrando a bandeira para fora do espaço", diz.

Na bandeira, o verde representa as florestas, mas Elizabeth sugere outra possível associação. "Se a gente pensar nas Forças Armadas, a Aeronáutica é simbolizada pelo azul, a Marinha pelo branco e o Exército é pelo verde", analisa. As leituras são infindáveis e não trazem uma verdade absoluta, mas fato é que no Ministério do novo governo essas cores estão devidamente representadas.

Para Elizabeth, tanto a bandeira quanto o espaço em verde estão em movimento da direita para a esquerda, indo na contramão. Seja na passagem do tempo ou na representação de progresso e crescimento em um gráfico, a evolução é sempre representada da esquerda para a direita. "É uma era diferente, sem dúvida nenhuma. Vista como uma novidade, mas que sugere regressão e não progressão", comenta a especialista.

A (não) estética da direita

Embora a bandeira tenha bastante destaque no logo, os especialistas consultados pelo TAB veem a expressão "Pátria Amada" como um dos pontos de maior atenção. O uso de letras maiúsculas (que nas redes sociais está associado a gritar) e a fonte com linhas retas e ângulos agudos (apenas as letras B, R e S do "Brasil" são arredondados) reforçam a ideia de uma voz forte.

"Parece que é uma verdade que se impõe", diz Elizabeth. A ausência da vírgula, presente na letra original, salienta essa força. "É o ponto final, é a última linha. O hino acaba ali. Só dá para ir dali para trás", completa.

Na tipografia, o designer Leo Porto aponta problemas de alinhamento e espaçamento de letras e linhas com o uso da fonte Signika, disponível gratuitamente na internet. "Acredito que a generalidade do símbolo e a execução desleixada da marca representam um pouco a visão deste governo em relação à cultura de design", observa.

Identidade da Ministério do Turismo - Divulgação - Divulgação
Identidade da Ministério do Turismo
Imagem: Divulgação

Essa falta de padrão segue na identidade dos ministérios. Para Rafael Bessa, o maior problema está na marca da pasta do Turismo: "O mais assustador: ilustração, cores e tipografia infantil. Uma tentativa de representar lazer, mas que só mostra a falta de conhecimento sobre a profundidade das atribuições da pasta, que lida com problemas sérios como turismo sexual, entrada e saída de estrangeiros, defesa das áreas naturais protegidas", afirma.

Bessa participa do Design Crítico, iniciativa que propõe um debate crítico sobre o trabalho do designer. Ele enxerga na direita política um culto à "não-estética", como forma de negar o status-quo e mudar "tudo isso aí". "Essa é a reação contra a centro-esquerda. É uma posição, não é que ela não desenvolveu [uma estética], ela escolheu ser sem estética. Há um certo desdém, eles não veem tanto valor na imagem", analisa.