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Na era dos aplicativos, o preço da pele perfeita é pago com seus dados

Letícia Naísa

Do TAB, em São Paulo

19/03/2019 04h02

Para além dos algoritmos das redes sociais, algumas marcas e startups criaram nos últimos anos aplicativos que ajudam a escolher produtos de cuidados com a pele por meio de uma selfie e permitem que a usuária registre o histórico de procedimentos para acompanhar a evolução do tratamento ou até mesmo para lembrar o passo a passo da rotina estabelecida.

Além da preocupação básica de que o aplicativo não substitui uma consulta ao dermatologista, principalmente em casos de acne severa e outros problemas graves de pele, há um outro detalhe que quem usa costuma deixar passar: segurança de dados. Para onde vão os dados de milhares de usuárias que são registrados nos aplicativos? O que acontece com as suas fotografias?

"Os riscos são distintos de acordo com o que o aplicativo faz", afirma Joana Varon, diretora da organização Coding Rights. "Aqueles que coletam informação sobre o nosso rosto e fazem algum tipo de reconhecimento facial representam e trazem outro nível de questionamento sobre privacidade. O que acontece varia de um app para outro de acordo com as políticas de privacidade, mas geralmente a maioria não fala muito bem o que vai fazer com essas imagens que guarda, se usa para outros fins", diz.

Varon compara os aplicativos para skincare com aqueles usados para controlar o ciclo menstrual: os dois tipos pedem muito mais informações do que precisam para rodar. Em um estudo da Coding Rights, Varon e uma equipe observaram que os menstruapps coletam todo tipo de informação sobre o corpo da usuária: hábitos sexuais, emoções, data da última menstruação, quantos dias ela durou, estado de saúde diário, idade etc. "Então fica a pergunta: por que estão perguntando tudo isso?", questiona Varon.

O mesmo tende a acontecer com os aplicativos de cuidados para a pele. O TroveSkin, um dos mais populares, permite que as usuárias registrem suas emoções, informações sobre o ciclo menstrual, alimentação e sono para avaliar a qualidade da pele da usuária dia a dia. "A indústria de cosméticos, a indústria de produtos para mulheres já visualizaram fazer apps como um modelo de negócio lucrativo e que provavelmente vai além do lucro do produto que está vendendo. Ela também lucra com os nossos dados", afirma Varon.

Ao levantar dados sobre os aplicativos de menstruação, há mais uma crítica a ser pensada, segundo Varon, sobre qual é a narrativa por trás dos aplicativos. "Muitos dos apps que nós analisamos são voltados para reforçar alguns papéis de gênero. Os de pele também vão reforçar questões de beleza, padrões de beleza, essas coisas que os movimentos feministas questionam há décadas", afirma. "E já se sabe que, por enquanto, o reconhecimento facial tende a funcionar mais em peles brancas, porque quem desenvolve esses algoritmos são homens brancos. Então tem uma interseccionalidade aí para se pensar o funcionamento dos aplicativos, que tipo de beleza estão vendendo e que tipo de beleza quem usa está comprando", completa.

Para além das telas

A tecnologia no skincare, no entanto, não fica apenas limitada ao espaço virtual. Gadgets de vários tipos surgiram nos últimos anos com a promessa de fazer as usuárias economizarem tempo e terem resultados ainda melhores. Grandes marcas lançaram produtos que prometem limpeza de pele em apenas três minutos e máscaras com luzes de LED e vibrações.

Uma das marcas queridinhas das blogueiras é a Foreo, que tem três tipos de produtos mais tecnológicos: a escova eletrônica Luna, que custa de R$ 799 a R$ 999 no Brasil, e utiliza vibrações para uma limpeza mais profunda do rosto; o aparelho Iris, que promete diminuir as olheiras bolsas e sinais de idade na região dos olhos (R$ 799), também utilizando pulsações, e a máscara inteligente UFO (R$ 1.599), que combina luzes de LED, pulsações e fórmulas das máscaras coreanas.

Tanto a jornalista Maryon Machado, 30, quanto Rafaella Dahlem, 28, são fãs da marca e afirmam que a tecnologia tornou mais fácil suas rotinas de skincare. "Todo mundo acha que eu sou patrocinada pela Foreo, de tanto que faço propaganda, mas nunca ganhei um mimo. Só virei fã mesmo. Quando não tenho ela ao alcance e tenho que lavar o rosto com as mãos, me sinto uma mulher das cavernas agora", brinca Rafaella.

Segundo a dermatologista Sylvia Ypiranga, há evidência científica de que aparelhos com LED e com vibrações podem ter suas vantagens, mas é preciso tomar cuidado. "Existe sim uma tendência do uso de 'home devices'. A regulamentação destes visa principalmente a segurança, não necessariamente a eficácia no alcance de resultados. Os aparelhos com LED são realmente seguros e apresentam evidências reais de ação anti-inflamatória, auxiliar no manejo de algumas doenças como acne e úlceras de pele, além de acne. Existem alguns aparelhos ainda que auxiliam na limpeza da pele. Destes, há que se tomar cuidados sobre procedência e indicações. Sua eficácia deve ser pesquisada", diz.

Para a cosmetóloga Sonia Corazza, a tecnologia é fundamental, tanto em se tratando de gadgets quanto de fórmula. "Basta lembrar que pele é órgão de defesa, portanto sua maior função é evitar a penetração de agentes estranhos, então não basta colocar o produto sobre a pele, há que se permitir a sua penetração", afirma.

Beleza coreana ganha o mundo

Mãe de uma adolescente de 13 anos, a consultora de mídias sociais Liliane Ferrari percebeu que sua filha estava adquirindo um novo hábito: criar uma rotina de cuidados com a pele. "Ela está numa idade em que a pele está mudando, tem espinhas. Vejo que, por isso, ela fica ligada nesses canais que ensinam a fazer máscara, quer aprender a limpar a pele", conta Ferrari. Para especialistas no assunto, foi graças às coreanas e às redes sociais que o interesse pelo skincare enquanto fenômeno cresceu.

Foi em 2011 que os produtos coreanos começaram a ficar conhecidos nos EUA, principalmente por conta dos preços mais acessíveis do que dos produtos norte-americanos. Em 2014, durante uma entrevista à edição americana da revista "Elle", a empresária Charlotte Cho, fundadora do e-commerce Soko Glam, cunhou o termo "Dez passos da rotina coreana" e ensinou às americanas o segredo da beleza oriental: limpeza com óleo, limpeza com água, esfoliação, uso de tônico, uso de essência, tratamento, uso de máscaras, creme para os olhos, hidratação e protetor solar.

Hidratantes, séruns, tônicos e principalmente as máscaras coloridas coreanas começaram a fazer parte da rotina de beleza das norte-americanas e viraram sucesso nas redes sociais. A venda de produtos coreanos nos Estados Unidos cresceu 300% em dois anos, segundo a consultoria americana Slice Intelligence. Até a socialite Kim Kardashian adotou uma rotina de cuidados com a pele. Alexandria Ocasio-Cortez, a deputada mais jovem dos Estados Unidos, também falou sobre sua rotina de skincare no Instagram no início de 2019.

Tanto na gringa quanto no Brasil, os feeds do Instagram de milhares de mulheres foram inundados nos últimos anos com fotos de outras mulheres (mais recentemente, inclusive homens) usando máscaras coloridas: para esfoliar a pele, tirar cravos e espinhas, fechar os poros, absorver a oleosidade. As opções e cores de máscaras para o rosto no mercado são as mais diversas. O que antes era feito entre quatro paredes, foi parar na frente das câmeras com ar divertido e atraente. Por isso, as redes sociais, em especial o Instagram, foram as grandes responsáveis para disseminar a palavra do skincare.

"O mundo da beleza foi transformado: deixou de ser algo escondido, deixou de ser o 'maybe she's born with it, maybe it's Maybelline' [Talvez ela tenha nascido assim, talvez seja Maybelline], daquela propaganda famosa dos anos 1990. Hoje, é algo social", afirma Clarissa Wolff, escritora e diretora de conteúdo da marca LimeLife no Brasil. "O Instagram virou a nova revista e a beleza é muito visual, tem tudo a ver com experimentar, e desde sempre foi sobre compartilhar (nem que seja com as amigas). Foi o momento perfeito", completa.

A consultora de mídias sociais Liliane Ferrari concorda. "Macaco vê, macaco faz", brinca. "O Instagram é muito simples, muito focado. Qualquer pessoa pode compartilhar sua foto de máscara, e tem vários nichos, agrada a todos: quem tem pele negra, pele com acne, com rugas. É muito plural porque cada um pode fazer seu conteúdo e interagir. E todo mundo tem uma dica para dar", diz. Para a especialista, a indústria da beleza também sacou esse movimento nas redes e surfou na onda. "Não é um movimento espontâneo, a indústria da beleza é muito voraz, ela quer fazer você usar o produto", afirma.

No Brasil, blogueiras com milhares de seguidores passaram a mostrar suas rotinas de cuidado com a pele e fazer vídeos no YouTube e no Instagram usando máscaras coloridas e mostrando produtos recebidos por diversas marcas. "Um dos pilares mais fortes da nossa estratégia de marketing é o relacionamento e parceria com influenciadores", afirma Bianca Tavares, gerente geral da Foreo. Segundo Tavares, o skincare ocupou um espaço que antes era apenas da maquiagem na rotina das blogueiras.

Com sete mil seguidores no Instagram, Dahlem costumava fazer apenas postagens sobre maquiagem quando abriu sua conta em 2017. Por um pedido dos seguidores, ela começou a compartilhar sua rotina de cuidados com a pele, que inclui lavagem e diferentes cremes, definida com sua dermatologista. "O Instagram é uma rede de exposição da imagem, ela é levada bastante em conta e isso fez as pessoas terem uma preocupação maior, inclusive com a pele", diz.

A teoria de Ferrari é que a produção de conteúdo sobre maquiagem vinha numa constante há anos: "Passamos muito tempo preocupadas tentando esconder manchas, afinar o nariz, tudo sendo muito fake, muito montado. O movimento foi tanto para este lado que chegou uma hora que as pessoas passaram a buscar o oposto". Para Wolff, houve também uma mudança na forma como as pessoas passaram a entender a beleza. "Hoje vivemos um momento em que a beleza 'natural' é o que todo mundo busca. Até a Kim Kardashian abandonou técnicas de mil contornos. E para poder abrir mão de tantos produtos de maquiagem, você precisa de uma pele naturalmente bonita", explica. "O skincare também se aproveita muito desse movimento, é a indústria do bem-estar, do autocuidado", completa.

Machado começou a seguir blogueiras no Instagram primeiro pelo interesse pela maquiagem, pois queria ficar mais "apresentável". Nos últimos dois anos, passou a cuidar da pele com mais afinco por causa das dicas das influencers e definiu uma rotina de skincare. "Minha relação com a maquiagem mudou depois de começar a cuidar da pele, antes eu achava que não dava para sair de casa sem maquiagem, mas hoje eu fico mais segura para não ter que depender dela e só usar quando tenho vontade", conta.