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Abacate une Kardashians, Trump, narcotraficantes e atrito diplomático

Agricultor do estado de Puebla, no México, mostra sua produção de avocados, fruta que virou moda nos EUA - José Castanares/AFP
Agricultor do estado de Puebla, no México, mostra sua produção de avocados, fruta que virou moda nos EUA Imagem: José Castanares/AFP

Andréia Lago

da agência Eder Content, colaboração para o TAB, no Rio

22/04/2019 04h03

Não é novidade que a questão migratória na fronteira do México com os Estados Unidos é um dos temas centrais da política externa do governo de Donald Trump. Desde o início de seu mandato, ele tenta viabilizar a construção de um muro entre os dois países. No dia 29 de março, quando o presidente americano tuitou que fecharia a fronteira com o país vizinho na semana seguinte se as autoridades mexicanas não impedissem a entrada ilegal de imigrantes, alertas soaram nos EUA. A ameaça deixaria os americanos sem avocado.

Sim, a possibilidade de faltar avocado nas torradas do café da manhã ganhou manchetes na imprensa local com alertas de que 90% da fruta consumida no país vêm do México. Os preços dispararam 34% em um único dia e os mais pessimistas avisaram que podiam dobrar ou triplicar se Trump mantivesse a promessa. Memes já antecipavam o fim do mundo.

Avocado é um primo próximo do nosso abacate, com nome, sabor e aparência semelhantes. Parece um abacate baby, colhido prematuramente. Parecido não é igual: o avocado virou febre mundo afora por ser altamente nutritivo e ter menos calorias do que o abacate. Promete benefícios para a saúde do coração e ajuda na queima de gordura abdominal se consumido antes da prática de exercícios. Foi assim que entrou no rol dos alimentos funcionais adorados por atletas, influencers e celebs. O consumo disparou.

Entre cientistas, essa promessa fitness ainda está em estudo. Pesquisadores de cinco universidades americanas convocaram consumidores da fruta para participarem de um estudo durante seis meses. Segundo Joan Sabaté, que dirige o Center for Nutrition, Lifestyle and Disease Prevention na Loma Linda University, na Califórnia, a hipótese que vai ser testada é se a fruta ajuda as pessoas a perderem peso e se reduz gordura abdominal, especificamente. Com o pagamento de US$ 300 e oferta livre de avocados aos voluntários, choveram "cobaias" para os cientistas das universidades Loma Linda, Penn State, Tufts, UCLA e Wake Forest. As inscrições já foram encerradas.

Ninguém sabe dizer com certeza quem contribuiu mais para tornar o avocado hype, mas uma das irmãs Kardashian deu um empurrãozinho ao mostrar que não abre mão de uma vitamina feita com a fruta todas as manhãs, antes de malhar. Kourtney Kardashian apareceu num episódio do reality familiar com um copo de um creme verde em meados de 2016. Procure pela receita na internet e você vai encontrar diversas experiências do tipo "consumi a vitamina de avocado da Kourtney Kardashian por uma semana e veja o que aconteceu".

Agora experimente buscar a hashtag #avocadotoast e você vai entender a dimensão da preocupação dos americanos com o eventual fechamento da fronteira dos EUA com o México. Há perfis dedicados a apresentar as mais diferentes combinações da fruta com outros ingredientes para transformar uma simples fatia de pão tostado em uma refeição completa. Até o famoso pão com ovo pode tornar-se instagramável se incluir uma torrada de pão de forma com avocado em fatias finas ou amassado com um garfo com um ovo cozido por cima. Existe, inclusive, quem se dedique a ensinar a fatiar um avocado de mil maneiras diferentes.

Avo good day Tag an #avocado lover @theavocadoshow #amsterdamfancyfood

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Cartel do avocado

Se os EUA são, de longe, o maior consumidor global de avocado, o México é o maior produtor absoluto da fruta. Com o aumento da demanda internacional, o país arrecadou US$ 2,8 bilhões em 2018, acima dos US$ 2,5 bilhões exportados no ano anterior. Com tanto dinheiro em jogo, a fruta ganhou apelido de "ouro verde" e chamou atenção até de narcotraficantes mexicanos. No Estado de Michoacán, maior concentração de fazendas de avocado, o crime organizado passou a extorquir fazendeiros que lucram com a produção da fruta.

Um relatório da Procuradoria Geral do México divulgado em outubro de 2017 apontou que os grupos criminosos - entre eles, o Cartel de Jalisco Nova Geração - tinham acesso a dados do Ministério da Agricultura para selecionar os mais bem-sucedidos. Quem não pagava, era sequestrado ou morto. Entre 2015 e 2018, o estado registrou 3,37 mil homicídios. Foi assim que o lucro do avocado passou a financiar os negócios do crime organizado mexicano.

Na pequena Tancítaro, cidade com cerca de 30 mil habitantes que gira em torno da fruta e exporta cerca de US$ 1 milhão por dia em avocados, a população expulsou o tráfico do negócio. Ao invés de financiar o crime organizado, os fazendeiros investiram numa força policial formada para protegê-los das extorsões. O prefeito Arturo Olivera Gutierrez afirmou à NPR que a cidade é hoje um lugar tranquilo, mas já foi muito perigosa.

O preço do avocado nos EUA quase dobrou com a ameaça de fechamento da fronteira com o México - Justin Sullivan/AFP - Justin Sullivan/AFP
O preço do avocado nos EUA quase dobrou com a ameaça de fechamento da fronteira com o México
Imagem: Justin Sullivan/AFP

Em muitas cidades de Michoacán, no entanto, essa ainda é a realidade. Isso levou o Departamento de Estado americano a incluir o estado na lista de locais com maior risco e alertar turistas a não visitarem o lugar. No "The New York Times", o correspondente Max Fisher conclui que Tancítaro é de fato segura e tranquila graças às milícias armadas financiadas pelos fazendeiros de avocado.

O poder público, diz Fisher, foi substituído pelo poder armado das milícias privadas - "um mini Estado feito de avocados e armas". Milícias, aliás, formadas por produtores de maconha que se intitulam Cavaleiros Templários, afirmam que não são delinquentes e sim uma "irmandade a serviço do povo".

Diamantes de sangue do México

O histórico de extorsões, sequestros e assassinatos de produtores de avocado imprimiu um selo de alerta nas exportações mexicanas que chegam à Europa. O envolvimento dos cartéis de traficantes no negócio levou restaurantes do Reino Unido a retirarem receitas com a fruta de seus cardápios e recomendarem que os britânicos deixem de consumir avocados.

O chef irlandês JP MacMahon, proprietário de dois restaurantes estrelados no Guia Michelin, chamou-os de "diamantes de sangue do México" e pediu que não sejam mais servidos nos restaurantes. O apelo não é à toa: o Reino Unido foi o país europeu com maior aumento nas importações de avocado entre 2012 e 2016, segundo o ITC (International Trade Centre), com alta de 35%.

Além a moda de torrada com avocado no café da manhã, a fruta ainda é essencial para o guacamole - Luis Cortes/Reuters - Luis Cortes/Reuters
Além da moda de torrada com avocado no café da manhã, a fruta ainda é essencial para o guacamole
Imagem: Luis Cortes/Reuters

E não há expectativa de que a febre do avocado diminua: a demanda continua crescendo nos EUA e o mercado asiático acaba de aderir às torradas e outras receitas com o "ouro verde". As importações da China, por exemplo, explodiram entre 2012 e 2016, com alta de quase 300%. Com novos compradores, Peru e Chile seguem o caminho do México, com crescimento de 23% e 30% nas exportações, respectivamente.

Na Europa, o sul da Espanha está apostando nos lucros do avocado hype, com o clima da Andaluzia contribuindo para o aumento da produção. O país já desponta como o quarto maior exportador global. Nos arredores de Málaga, na costa mediterrânea andaluz, a fruta já se tornou uma das culturas mais importantes dos agricultores locais. As plantações ocupam uma área de seis mil hectares na região e produzem cerca de 60 mil toneladas por ano.

Caso de polícia

Em meados de 2018, a fruta pop foi parar nas páginas policiais da Nova Zelândia. Com a demanda em alta e as safras menores no país, consumidores desesperados pelo avocado nosso de cada dia viram o produto desaparecer do varejo local. Não demorou para que fazendeiros que cultivam a fruta denunciassem roubos em suas propriedades e surgisse um mercado negro com preços bem salgados. Alguns produtores chegaram a cercar os pés de avocado com arame farpado para conter os furtos.

Na Califórnia, a escalada nos preços do "ouro verde" também envolveu a polícia local quando três funcionários de uma empresa de Oxnard roubaram o equivalente a US$ 300 mil em avocados. Ao "Los Angeles Times", o sargento John Franchi, do condado de Ventura, disse que esse tipo de ação é levada muito a sério na região. "É um produto muito importante aqui na Califórnia. Eles estão em alta, todos amam avocados." Os larápios da fruta foram presos.

Diante da perspectiva de toneladas de avocado serem barrados na fronteira do México com os EUA acabou ressuscitando uma antiga polêmica de 2015. Dá pra substituir avocado por ervilhas na sagrada guacamole da torrada matinal dos americanos? Essa história rendeu um debate nacional no passado e foi apelidada de "Peagate", como explica a "Slate". Até Barack Obama, que ainda ocupava a Casa Branca, se manifestou.

A receita que o "The New York Times" publicou há alguns anos foi resgatada no começo de abril, logo após a ameaça de Donald Trump. E ressuscitou o debate, agora com o tempero da escassez potencial de avocados. O presidente americano recuou e deu um prazo mais longo ao México antes de fechar a fronteira, mas tem muita gente adicionando ervilhas à lista de compras nos EUA.