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Troquei gurus por aplicativos e comecei a meditar pelo celular

Arte/TAB e Gabriela Burdmann/UOL
Imagem: Arte/TAB e Gabriela Burdmann/UOL

Letícia Naísa

Do TAB, em São Paulo

10/05/2019 04h04

Entre caixas espalhadas pelo quarto, sentei com as pernas cruzadas e ouvi uma voz masculina me pedir para fechar os olhos de forma gentil e prestar atenção na respiração e no corpo da cabeça aos pés. Por três minutos que pareceram 30, permaneci em silêncio ouvindo o som do meu celular me guiando pela primeira vez na prática de meditação.

Há algumas semanas vinha adiando a decisão. Na correria do dia a dia, frequentar um templo ou escola estava fora de cogitação. Então, minha primeira ideia foi seguir vídeos no YouTube para encontrar minha paz interior, já que ele já me ensinou a fazer salada no pote, investir e montar móveis. Mas uma busca rápida me mostrou vídeos de meditação de meia hora com mantras e sons de natureza. Tempo demais. Quis buscar uma solução mais rápida, como todo jovem adulto do século 21.

Meu erro, no entanto, foi presumir que era só esvaziar a mente e ficar em silêncio. "Isso é uma crença, os pensamentos vão vir. Dizer à mente para não pensar é o mesmo que falar para o Sol não esquentar ou para a água não molhar. A natureza da mente é pensar", afirma Pedro Paschuetto, psicoterapeuta e instrutor de meditação e tai chi chuan.

O aplicativo Headspace ajuda na meditação com durações três, cinco e dez minutos (em inglês) - Gabriela Burdmann/UOL - Gabriela Burdmann/UOL
O aplicativo Headspace ajuda na meditação com durações três, cinco e dez minutos (em inglês)
Imagem: Gabriela Burdmann/UOL

O que é meditar, então? Segundo Paschuetto, é tomar consciência de quem nós somos, se perceber. E como fazer isso? "Primeiro é preciso ter um corpo", me disse a Monja Coen. "A base da meditação é a respiração consciente. Quando você senta e começa a prestar atenção na respiração, você está meditando."

Mesmo com essas respostas, tive receio de ficar sozinha com a minha mente e posterguei o momento até o fechamento desta edição bater à porta. O medo, diz Paschuetto, é normal. "A mente vai sempre arrumar alguma desculpa para não meditar. Ela não quer ser vista. O processo é doloroso, mas a meditação mostra quem realmente somos."

Eu, que só queria dormir melhor, teria que enfrentar meu ego e me enxergar nesse processo. Com os vídeos do YouTube me intimidando, fiz uma busca por aplicativos. Encontrei poucas opções de meditação guiada em português e gratuitas. Há muitas opções em inglês e até em espanhol, tanto pagas quanto gratuitas, e tantas outras com músicas e mantras. Optei pelo app Headspace, que oferece um módulo básico de 10 sessões gratuitas em inglês (cada uma com opções de meditação por três, cinco ou dez minutos), e também o Zen, que é totalmente em português e tem alguns programas guiados gratuitos.

O Zen foi indicação de uma amiga. Usei pouco porque a maioria dos recursos é preciso pagar para obter. Mas ser guiado em uma língua que não é a minha realmente exige um pouco mais de esforço. "Eu já estou querendo descansar a cabeça, então ser em português facilita. Ter que pensar em outra língua dificulta a prática", diz a mestranda Verônica D'Ângelo, 26, usuária de apps de meditação há três anos.

Apesar da barreira, encarei a meditação guiada em inglês por três minutos antes de dormir. Empurrei as caixas da mudança para o canto, sentei e respirei. Nos dois primeiros dias, três minutos pareceram muito mais. Depois, aumentei para cinco minutos e, nos últimos dois dias, para dez. Resolvi aumentar a dose porque senti que podia avançar. Aos poucos, parei de espiar a tela para ver se faltava muito. Três minutos não pareciam mais trinta. Assim como andar de patins, meditação requer treino.

Na minha pequena varanda, me elevo espiritualmente com o cheiro do desinfetante substituindo o incenso - Gabriela Burdmann/UOL - Gabriela Burdmann/UOL
Na minha pequena varanda, me elevo espiritualmente com o cheiro do desinfetante substituindo o incenso
Imagem: Gabriela Burdmann/UOL

No zen no gain

Existem muitas técnicas de meditação além da guiada que eu escolhi no aplicativo. Seja com música, sons da natureza, silêncio completo, parada ou em movimento, todas requerem prática. Com o tempo, fica cada vez mais fácil se concentrar no momento presente e no próprio corpo.

"É um hábito, um exercício mesmo. Quando mais a gente medita, mais a gente fortalece o cérebro e o faz estar presente. Assim como uma caminhada ou musculação, é preciso repetição para sentir as mudanças e os benefícios", diz Felipe Rech, professor de mindfulness e co-fundador do Instituto Pacífico, em Porto Alegre (RS). Rech estará no Festival Path, apresentado pelo TAB, para falar sobre como usar a inteligência emocional a seu favor.

Em pouco mais de uma semana meditando diariamente antes de dormir, me senti mais leve durante o dia e menos apavorada com problemas que estavam me tirando o sono. Também passei a sentir menos medo da minha própria companhia no apartamento praticamente vazio. Diminuição do estresse e da ansiedade é um dos efeitos apontados por artigos científicos que tentam entender os benefícios da tradição milenar.

Apesar do interesse da academia pela meditação ter surgido no século 21, a prática data de milênios. Muito antes dos Beatles, Jesus já meditava. E Buda também. Por isso, a meditação ficou com sua imagem atrelada à da religião por muito tempo. Mas, me disseram, a prática não precisa ter um viés religioso. "Todas as religiões têm meditação e, para os religiosos, a prática meditativa é a busca pela verdade, pelo caminho correto, pela compaixão. Já para quem não é religioso, tem outro sentido", diz a Monja Coen.

Tentando meditar, mas pensando se desliguei o gás e fechei a porta - Gabriela Burdmann/UOL - Gabriela Burdmann/UOL
Tentando meditar, mas pensando se desliguei o gás e fechei a porta
Imagem: Gabriela Burdmann/UOL

A prática mindfulness, que é a nova moda do mundo zen, é uma tentativa de afastar a prática meditativa do mundo religioso. "De uma forma simples, o conceito é estar presente. O mindfulness é colocado em prática a partir do exercício da meditação", diz Rech. Por isso, diz o instrutor, que tantos canais de vídeos, redes e aplicativos oferecem cursos de mindfulness. É um formato que conversa com jovens, com o jogo rápido da internet e os tempos individualistas que vivemos.

Antes só?

Num mundo cheio de gente vivendo só e buscando companhia online, meditar por meio de áudio compartilhado no WhatsApp ou transmissão ao vivo no Skype também é uma realidade. Há também aplicativos, como o Insight Timer, que te colocam para meditar "junto" com outras pessoas ao redor do mundo ao mesmo tempo.

"Acho sensacional esse movimento de grupos de meditação no WhatsApp, porque a gente olha as mensagens o tempo todo", diz a atriz e dramaturga Pamella Martelli, 30, que media e guia grupos no aplicativo de mensagens. "Quanto mais cotidiana a prática se torna, menos distante e mais próximo fica de se tornar um hábito."

O problema é que quanto mais mensagens não lidas, quanto mais rolamos o feed, maior a tendência de bater uma bad. Mas, para os especialistas, tudo depende do uso que fazemos das ferramentas. "Tudo pode gerar ansiedade, você pode ficar ansioso com milhões de mensagens de meditações que você ainda não fez. Mas depois que você fizer, você vai se sentir melhor", diz Pamella.

Para Rech, a tecnologia oferece um paradoxo: "Os recursos tecnológicos trouxeram muito sofrimento e excessos para as nossas vidas, geram um grande estresse e sobrecarga, mas estão, de alguma forma, nos ajudando a retomar hábitos essenciais, como a meditação."

A Monja Coen acredita que o celular deve ser usado de forma pedagógica quando se trata de meditação. "Deve ser usado como um apoio", recomenda. Para ela, é muito importante procurar orientação cara a cara. "Quando comecei a meditar, eu lia livros e achava que estava fazendo tudo certo. Até que fui meditar em grupo, com orientação, e quando me corrigiram, fiquei até brava", me contou ao telefone, rindo. "Você pode achar que está meditando, mas não estar."

A meditação em grupo, além de gerar uma energia que potencializa os benefícios, dizem, cria uma espécie de rede de apoio. Se meu colega não levantou nem abriu o olho, eu também devo aguentar até o final. A força das pessoas à nossa volta pode ser um estímulo em muitos aspectos, me disse a Monja Coen.

Por isso, ela me disse que praticar sozinha não é muito recomendado para iniciantes no geral. Nem para quem tem qualquer tipo de problema psicológico ou psiquiátrico. Pode parecer uma boa ideia baixar um aplicativo para te ajudar a controlar uma crise de ansiedade, um ataque de pânico ou uma depressão, mas a cura não está na prática meditativa. "A maioria das pessoas saudáveis consegue meditar, e a prática pode ser usada de forma terapêutica, mas ela não cura, ela te faz perceber que tem um problema e precisa buscar ajuda", diz a Monja.

Por isso, fica o alerta. E depois de uma semana meditando sozinha e conversando sobre meditação, quero sair da rede e partir para o mundo real, incluindo meditação em grupo. Alguém tem recomendação de guru?