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Deize Tigrona: "Baile é resistência da favela. Quem criminaliza é o Estado"

40 anos e 20 de funk: Deize Tigrona volta à cena que ajudou a construir - Lucas Hirai/Batekoo
40 anos e 20 de funk: Deize Tigrona volta à cena que ajudou a construir Imagem: Lucas Hirai/Batekoo

Tiago Dias

Do TAB

20/12/2019 04h00

Muito antes do funk moldar o pop, invadir caixinhas de som na praia, figurar na playlist de Drake e viralizar até na Indonésia, Deize Tigrona estava lá. Uma das pioneiras do movimento, ela abriu espaço para as mulheres numa cena até então dominada por homens. E ajudou a dar uma nova cara para os bailes funks que aconteciam nas favelas do Rio de Janeiro no final dos anos 1990.

Se antes o que dominava na região da Cidade de Deus, famosa comunidade da zona oeste do Rio, era o baile de corredor, palco de uma disputa entre grupos distintos da periferia que não raro acabava em briga, a cultura dos bondes femininos usou outra arma no "confronto": versos irônicos e sem pudor.

"É que putaria também é uma coisa de mulher. Quando eu faço e outra faz, é porque a gente sente a liberdade de fazer", ela diz. "Gritar 'a porra da b* é minha!'. Isso é que é liberdade!"

Com músicas gravadas com vocal gritado, ali mesmo, atrás da caixa de som, Deize foi quem levou o funk para outro continente e chegou a gravar com artistas internacionais. Mas era ela quem continuava trabalhando como gari quando o funk ostentação atraía MCs desfilando com correntes de ouro e carrões.

Agora, aos 40 anos, ela lança "Vagabundo", música que segue sonoridade mais frenética, inspirada nos 150 bpm que Rennan da Penha injetou no gênero, e no eletrônico da DJ Badsista (produtora da faixa), qua trabalha outras frequências e pistas.

Pela primeira vez, Tigrona assinou com uma produtora, a Batekoo Records, braço musical da plataforma de entretenimento negro, gay e periférico. Se o mercado mudou, o preconceito e a perseguição se intensificaram: 2019 é o ano em que um dos maiores astros do funk, DJ Renan da Penha, foi preso, e ano também em que uma ação policial no baile da DZ7, em Paraisópolis, em São Paulo, resultou em nove mortes. "Uma covardia", revolta-se Deize Tigrona.

"Eu não vejo vindo da população essa coisa de criminalizar o funk, e sim do Estado", ela diz. "O povo tem que saber que o funk é luta de oportunidades para todos. É uma caldeira de oportunidades. O baile de favela é resistência, é uma cultura favelada e é a resistência do favelado."

O caminho poderia ter sido mais fácil se ela fosse homem? "Não vejo assim, não. Eu sou que nem Pagu, mais macho que muito homem por aí."

Deize Tigrona em show na festa Batekoo, em São Paulo - Lucas Hirai/Batekoo - Lucas Hirai/Batekoo
Deize Tigrona em show na festa Batekoo, em São Paulo
Imagem: Lucas Hirai/Batekoo

TAB - Você tem uma nova música, "Vagabundo", e acabou de voltar da quarta turnê na Europa, após um longo período longe do funk. O que encontrou nesse retorno?

Deize Tigrona - Vi que hoje é um conjunto de coisas que faz o funk acontecer. É patrocínio, maquiagem, roupas, estilistas. É uma mudança essencial, porque movimenta um mercado imenso, não é mais só aquela fala do baile de favela, do cara que carrega a caixa de som, o DJ, as barracas. Hoje tem cara de mercado. Eu tenho 40 anos, então algumas coisas são bem difíceis de entender. Nunca tinha assinado com produtora nenhuma. Na época, era a figura do empresário que fechava show, entrevista. Produtora agora vê estúdio; antes a gente gravava atrás da caixa de som. Para divulgar a música, a gente ia nas favelas pedir o DJ tocar ou então cantava de graça. Hoje é internet, distribuidora (para plataformas de streaming).

Mas o baile de favela ainda é o termômetro das novidades?

Eu ainda sinto uma forcinha do baile de favela, às vezes algum olheiro vai lá. A gente tira pela Ludmilla, que cantava "não olha para o lado" ["Fala Mal de Mim"]. De repente apareceu um produtor, que deu um boom na divulgação. A maioria dos bailes toca mais a produção da favela. Por exemplo, lá não toca MC Rebecca, que já virou comercial. A favela é montagem: pegam a parada, picotam e botam para tocar. É do jeito deles. A diferença é o beat.

Que está cada vez mais acelerado.

Já estão tocando 160, 170 bpm. É como se fosse uma rave.

Recentemente, Anitta disse, em uma entrevista internacional, que ela foi a primeira a abrir espaço para as mulheres do funk, mas você faz parte da primeira geração de mulheres no movimento, junto com Tati Quebra-Barraco, MC Kátia.

A Anitta sabe disso. Não sei o que deu na cabeça dela. Creio eu que ela foi infeliz naquele momento. Não sei se foi jogo de marketing.

Como o funk putaria chegou em sua vida?

Antes de cantar funk eu era empregada doméstica. Ouvia muito Rita Lee, Lulu Santos e Caetano Veloso. Sentia uma intensidade do duplo sentido quando a Rita Lee cantava "de frente, de trás" [em "Pega Rapaz"] e eu pensei em ir além com isso. Eu já escrevia, fazia uns poemas, porque na época eu estava apaixonada e tinha terminado um relacionamento. Os poemas no meu diário viraram rimas e eu queria cantar. Falava para os porteiros: "Ainda vou gravar um CD". A putaria intensa mesmo foi devido a série "Hilda Furacão". Estou até assistindo de novo (risos). Fiz uma música com esse nome, foi o início de tudo. A letra dizia:

"Não somos Hilda Furacão, mas seu macho vamos comer/ Esse é o Bonde do Fervo, lá da praca do apê / e se tu tem disposição, demorou de encarar / tem que saber que é o fervo, a chapa vai esquentar / vem quente que eu tô fervendo / quero ver tu conseguir / quem gostou bate palma, quem não gostou tem que engolir"

Quando eu falo "praça do apê", as meninas que moravam nas casinhas cismaram que existia de fato o bonde do fervo e que a gente estava afrontando. Aí elas criaram o Bonde das Bad Girls, e nós acabamos fazendo de fato o Bonde do Fervo. O fervo era só uma conversa, a gente sentava e falava: "tenho um fervo para contar", era uma fofoca, um babado.

Você é da Cidade de Deus, polo importante para o funk e a cultura dos bondes. Como era na época em que começou?

Essas letras mais pesadas era o que rolava já no baile de briga, que era o corredor do lado A/lado B. Acontecia fora da favela, em Campo Grande, Taquara (na zona oeste do Rio de Janeiro).

Aí fomos para o Coroado [quadra da escola de samba na Cidade de Deus] e surgiu o corredor das garotas. Elas cantavam: "A E I O U, o Bonde das Bad Girls só curte hotel da zona sul". E eu fui intensificando as letras. A gente provocava umas às outras, até que os meninos cismaram para virem ao Coroado fazer o bonde deles. Aí fizeram Bonde do Bin, Bonde do Faz Gosto, Jack & Chocolate, Bonde do Botão, que ficou conhecido como Bonde do Tigrão.

Conforme as matinês bombavam, o baile de briga acabou e todos passaram a ir à Cidade de Deus. Os brigões passaram a ser rebolões e a quadra já não tinha mais espaço. Ficava gente na ladeira, na praça.

Como acontecia a disputa entre os bondes femininos?

A coisa cresceu tanto que o DJ Duda pensou em fazer etapas de galera. Eram categorias. O bonde que trouxesse a melhor pipa, o bonde que representasse melhor cada time, e aí todo mundo ia uniformizado. O bonde que interpretasse melhor ganhava.

Teve uma etapa de casal de namorados. A gente tinha que representar. O Bonde das Bad Girls levara uma mesa com cadeiras, botaram uma luz de velas e o caramba, botou o menino de terno e gravata, a menina com vestidão e tudo. Subiram, empurraram a mesa, tiraram roupa e começaram a cantar, com o grito provocando o Bonde do Fervo. Fiz uma resposta para elas:

"Diz curtir hotel com hidromassagem, tirar onda pra elas é viver de sacanagem / os gatinhos até gostam, mas tu sabe como é / se eles pagam motel, elas fazem o que eles 'quer' / então de quatro, de lado, na tcheca e na boquinha / depois vem pra favela, toda aberta e assadinha"

O baile ficou parado, de boca aberta (risos). O Duda me puxou: "Não vai embora não, você vai gravar isso aqui". Aí fui atrás da caixa de som. Uma semana depois tocaram a música.

Como foi a reação quando você se ouviu no baile?

Meu prédio era do lado da quadra e eu ficava ouvindo tocar a música, pensando: "Caraca". Teve as críticas do meu padrasto na época, porque a galera na rua falava pra mim: "tu esculacha". E meu padrasto veio falar: "Estão falando que você está cantando um bando de putaria no Coroado". Eu falei: "Estou cantando as músicas que você está ouvindo". E ele: "Eu ouço, mas não é para você ficar cantando essas coisas, não". As favelas todas passaram a tocar as músicas que rolavam no Coroado.

Antes de cantar você ia aos bailes?

Domingo o pessoal se arrumava para os bailes de briga, mas eu não ia, tinha medo. Tinha briga de verdade. Na segunda-feira sempre tinha uma reportagem dizendo que alguém tinha morrido na linha do trem, que alguém foi assaltado. Alguns falavam que aquilo era brincadeira, mas do lado de fora, tinha quem levava a sério.

E não tinha mulher?

Não tinha. Tinha uma menina que brigava no corredor, que era a Índia, dizem que ela entrava no corredor e brigava com os caras. Mas nenhuma cantando putaria. Depois vim eu, a Vanessinha Pikachu, Tati Quebra-Barraco, MC Kátia.

Deize Tigrona e MC Kátia: pioneiras do funk putaria - Lucas Hirai/Batekoo - Lucas Hirai/Batekoo
Deize Tigrona e MC Kátia: pioneiras do funk putaria
Imagem: Lucas Hirai/Batekoo

Hoje se fala em empoderamento, mas imagino não havia nada mais empoderador na época do que uma mulher cantar putaria numa cena que só tinha homens.

Não tinha esse pensamento lá atrás, era só para seguir a empolgação do público, ir ao baile funk e gritar: "a porra da buceta é minha!". Isso é uma liberdade! Existia no lance do fervo, das conversas que a gente tinha, da menina que saía com o cara, e a gente contava umas para as outras. Favela é foda, porque a gente bate na porta do vizinho para pedir um copo de leite, a gente participa da vida do outro. Não é que nem bairro da elite que ninguém se conhece.

Como era ser uma das primeiras mulheres naquela cena?

Acho que tinha uma admiração. Para eles, era algo surpreendente. As pessoas me pediam para fazer versos. "Faz essa música pra esse vacilão aqui". Era muito homem que admirava. E mulheres também.

Na época de "Injeção", teve um que chegou a perguntar pra mim se doía dar a bunda. Você acredita? Não gostei, achei estranho. O fato de a gente começar a cantar é que putaria também é uma coisa de mulher. Quando eu faço e outra faz, é porque a gente sente liberdade em fazer. A fala da putaria é forte, mas ela não é diferente dos filmes que eu assistia na TV Manchete, "Hilda Furacão", "Engraçadinha" [minisséries da Rede Globo]. Eu me pego, em algumas letras, fazendo um roteiro do que eu já vi na TV.

Com 20 anos de carreira, você passou muitos anos longe do funk. O que houve?

Eu parei em 2008 porque não estava bem. Entre aquele ano e hoje eu fiz duas músicas, "Prostituto" e "Madame", mas que eu nem cheguei a ouvir quando saiu. Eu tinha bloqueado a internet, nem vi quando o Orkut acabou (risos). Essa coisa de voltar para Europa agora era uma coisa que eu não acreditava que poderia acontecer de novo. Achei que o funk tinha acabado pra mim.

Nessa época você vivia o pico da sua popularidade, com sample de "Injeção" na música de M.I.A., produção de Diplo, shows em casas noturnas de elite.

Estava num pique corrido. Conheci o Buraka Som Sistema, o Dizzee Rascal, fiquei uns dois meses na Europa, Berlim, Hamburgo, fiz Rock in Rio Lisboa, era uma coisa de louco. Mas voltei estranha. Falei para o meu marido que não estava bem. Essa época foi punk, minha irmã tinha tido um neném e eu, ao invés de fazer a porra do show no festival de Verão no Recife, fui atrás dela, que estava em situação de rua. Indo para o aeroporto, os menores de rua me viram na moto, sabiam que eu a procurava, me falaram em que hospital ela estava. Foi a fala dela que me fez parar. Ela disse que se eu não ficasse lá, ela ia vender a criança. Tomei uma porrada. Aquilo foi o agravante de tudo. Não fui para Recife, não fui pra Europa. Fui tratando dele, procurando processo judicial para ter a guarda definitiva, até eu entender o que eu tinha, e aceitar quando falaram que era depressão. O tempo passou, trabalhei de copeira e fiz o concurso da Conlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro). Comecei a trabalhar no meio do Carnaval. A vassoura é quatro vezes mais pesada que a vassoura de casa. Estou de licença não remunerada agora.

Como foi isso para você?

Antes eu ouvia minha mãe falar: "Se não estudar, vai ser lixeiro", mas a quantidade de gente com faculdade sendo gari... E eu tinha só o primeiro ano.

Muita gente falava: "você não é aquela menina?" Sempre respondia: "Sou, sim". É você entender que tem que pagar suas contas. Eu não vou pirar porque eu preciso trabalhar pra ter grana. Óbvio que hoje em dia eu vejo que dá pra sobreviver com o funk, eu sobrevivi durante um tempo e hoje está melhor ainda. Vou trabalhar para não ter que voltar para lá. Não sei o que pode acontecer, mas você não vai me ver pirada por aí sem grana porque eu tenho força pra trabalhar. E antigamente falam que o funk era patrocinado pelo tráfico... Imagina.

Esse preconceito não mudou nada em 20 anos?

Em vista da comunidade e do mundo, vejo uma união, professoras defendendo o trabalho. Eu não vejo vindo da população essa coisa de criminalizar o funk, e sim do Estado, do governo.

Tanto em "Vagabundo" quanto em "Madame", você faz referência a "homens de terno e gravata" e das "madames" que deliram com o funk putaria. E a elite?

A elite é foda. Ela tenta camuflar uma coisa que ela gosta e curte. É que o Estado é a elite, não é? A cultura funk hoje em dia é a mais ouvida, a mais premiada, é a mais usada em performances. Tanta gente vem de fora para poder conhecer, poxa, você vê o Drake aí gravando. Se o Estado não aceita isso, essa cultura não existe.

Muita gente tem ganhado dinheiro com o funk, mas são as festas na periferia que estão sendo perseguidas.

Na própria origem! A censura tem que vir dos pais, eles decidem se deixam o filho ir ou não. Eu vejo meninas que fazem roupa, estudam, trabalham e estão indo ao baile. Óbvio que tem gente que se perde, mas isso em qualquer lugar.

Você participou da primeira edição do Festival Funk Da Hora, na Cidade Tiradentes, organizado pela prefeitura de São Paulo, semanas depois do que rolou no baile DZ7 em Paraisópolis. O que achou da iniciativa?

Esse evento foi um pontapé. Poderia seguir com esse modelo, mas dentro da favela a cultura é outra. A maioria do pessoal que curte baile funk na rua está acostumado a estar de madrugada. Parece que é uma coisa proibida, mas é um caldeirão de cultura que vaza para fora. Por que esse baile não foi em Paraisópolis? Teria sido melhor, porque encararia isso de frente pra ver o que poderia de fato acontecer.

A comunidade é tratada como pessoas sem direito de fala. Na comunidade, a maioria vota, mas é tratado como se não tivesse título de eleitor. A gente consegue sobreviver porque a mídia divulga, tem as redes sociais.

Existe essa repressão nos bailes da Cidade de Deus?

Se não tem baile, é porque aconteceu alguma coisa. Se está tendo, é porque está tudo certo. Minha filha vai, todo domingo ela está lá. Uma vez, no baile da favela de Nova Brasília, estava subindo a ladeira quando uma caixa de som desceu rolando. Aquilo foi impressionante para mim. A polícia chegou e quebrou tudo. Não foi nem de madrugada, eram 10h da noite. Hoje em dia os bailes de rua estão sendo mais visado por eles. Eles não querem que aconteça, chegam derrubando caixa de som, quebrando tudo. É rotineiro.

2019 termina como o ano em que o funk foi alvo de repressão, com a prisão de Rennan da Penha. Na decisão judicial ele era apontado como "olheiro" ou "atividade", a pessoa que relatava a movimentação dos policiais na área...

Eu tenho um monte de grupos no meu telefone, de família, amigos. A gente avisa uma para outra: "olha, caveirão no 15!" É a rotina da favela. Meu filho está na praça e eu estou em casa, graças à internet a vizinha fala: "botei meu filho pra casa, mandei o João ir, porque os caras estão para cima e pra baixo". Isso é a comunidade. Paraisópolis foi uma coisa pesada. Porra, morreram nove, muita gente ferida.

Isso te deixou apreensiva?

Sim, óbvio. O que aconteceu em Paraisópolis foi total covardia. A polícia sabia onde eram os becos e as vielas, onde sai, onde não sai e a maioria que morreu não era de lá. Eu já fui em muito baile de favela fora da Cidade de Deus e, sinceramente, fico com medo porque eu não sei que horas a polícia vai entrar.

Deize Tigrona na festa Batekoo - Lucas Hirai/Batekoo - Lucas Hirai/Batekoo
Imagem: Lucas Hirai/Batekoo
Sua filha também está no funk?

Ela faz algumas letras também, mas o negócio dela é moda. A garota é moradora de favela, tem 17 anos, estuda, aprendeu inglês pela internet, fala francês. Semana passada me pediu para levá-la ao consulado francês, ela quer estudar em Paris. Olha a cabeça da menina! Assim como muitas meninas na comunidade, ela tem essa visão, mas algumas não têm a oportunidade, ainda existe aquele receio de chegar num restaurante, de aceitarem seu cabelo, de esbarrar em alguém que vai falar da sua cor. A quantidade de meninas grávidas não é tanto quanto na minha época. Elas têm mais consciência. Para mim, foi muito difícil terminar meus estudos, tinha muitos irmãos, tinha que trabalhar fora, ajudar minha mãe.

Uma das críticas ao funk trata da erotização. O que você acha disso?

Falavam muito lá atrás da menina sem calcinha, mas muitas vezes elas só não querem que a calcinha marque a calça. Eu mesma também não uso e não engravidei (risos). Isso é um ato artístico, não tem nada a ver com permissão.

Olha, é tão chato esse lance. Os homens são o tempo todo invasivos. Uma vez no ônibus, um cara sentado do lado da minha filha, ficava o tempo todo olhando pra ela. Comecei a filmar e ele parou. Eu fico pensando não no baile funk, mas quando ela vai e volta da escola, quando ela tem que pegar ônibus sozinha. Hoje em dia você ouve tantas histórias do homem que fica de pé com a porra do pau para fora.

O que o funk faz de bom que as pessoas deveriam saber?

O estímulo às crianças da comunidade. Eles vislumbram uma oportunidade. Tem tantas meninas fazendo roupa, se oferecendo para me vestir. Antigamente era febre os garotos quererem ser jogador de futebol, hoje eles querem ser um DJ famoso, um Rennan da Penha. O povo tem que saber que o funk é uma luta de oportunidades para todos. É um caldeirão de oportunidades. O baile de favela é resistência, é uma cultura favelada e é a resistência do favelado.

E o que o funk replica que você não gostaria de ver replicado?

O negativo do funk é o governo não abraçar a cultura. Eu tenho certeza que a maioria vai ao baile para buscar algo positivo, para dançar, para conhecer alguém, para dizer que estava na favela tal que o governo tanto discrimina.

Revendo sua trajetória, sua vida foi mais difícil por ser mulher no funk?

Não vejo assim, não. Eu sou que nem Pagu, mais macho que muito homem por aí.