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Você come inseto sem saber, vai comer mais, e isso é bom para o mundo

Mulher morde uma lagarta em Burkina Faso - Wikimedia Commons
Mulher morde uma lagarta em Burkina Faso Imagem: Wikimedia Commons

Luiza Pollo

Da agência Eder Content, colaboração para o TAB

11/01/2020 04h00

"Cupins são bem gostosos de comer puros. Grilos e gafanhotos também. Larvas-de-farinha eu já gosto um pouco menos." O cardápio descrito por Arnold van Huis, professor da Universidade Wageningen, na Holanda, pode parecer nada apetitoso. Mas acredite, esses ingredientes já aparecem na culinária de chefs renomados, como o dinamarquês René Redzepi e o brasileiro Alex Atala.

Se formos olhar bem os ingredientes do que comemos, os insetos estão mais presentes do que imaginamos. "Hoje a maioria das pessoas do planeta consome insetos todos os dias, sem saber", afirma Casé Oliveira — ou Bug's Cook, como prefere ser chamado —, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Insetos (Asbraci).

Um exemplo bastante comum é o corante carmim, que tinge desde iogurtes de morango a bolachas e outros alimentos na cor vermelha. Oliveira explica que esse corante - produzido a partir de um inseto, a cochonilha - é, além de seguro, ainda melhor que os corantes químicos, que podem fazer mal à saúde.

Diferente das carnes, condimentos e outros "fakes" que vemos surgir por aí, eles são ingredientes naturais. Além disso, os insetos têm outras vantagens: pelo grande valor nutricional, podem ajudar no combate à fome, além de serem aliados na diminuição do ritmo do aquecimento global. Não raro, os bichinhos são chamados de "alimento do futuro".

Larvas de insetos à venda na feira de Isaan, na Tailândia - Wikimedia Commons - Wikimedia Commons
Larvas de insetos à venda na feira de Isaan, na Tailândia
Imagem: Wikimedia Commons

Professor de entomologia tropical (estudo dos insetos), o holandês Van Huis afirma que uma dieta que inclua insetos para substituir carnes em geral é saudável. Além disso, faz bem para o planeta, principalmente por demandar um uso bem menor de terra quando comparado à pecuária.

Em agosto de 2019, o Greenpeace calculou, com base em dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que 90% das queimadas em áreas de agronegócio na Amazônia são para criar gado. Enquanto isso, é possível criar grilos em caixas e larvas-de-farinha em estruturas similares a gavetas. "Há produção em massa em fazenda de insetos, com sistemas bem sofisticados, higiênicos e automatizados", afirma o professor holandês.


Dieta especial

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) apresentou, também em agosto de 2019, um relatório especial que aponta que, para conter o aquecimento global, serão necessárias mudanças drásticas na dieta da população, na agricultura e no uso da terra. Mais de 100 especialistas trabalharam no documento e recomendam a diminuição no consumo de carne.

"Os insetos produzem muito menos gases do efeito estufa, muito menos amônia, precisam de bem menos espaço e água, e algumas espécies ajudam no consumo de resíduos orgânicos, criando uma economia circular", explica Van Huis. Isso significa que geramos lixo orgânico, insetos consomem esses rejeitos e, depois, nós consumimos os insetos.

Ficou com nojinho? Alex Atala tem uma reflexão para você. Em uma palestra de 2013, em evento da organização Science and Food na Universidade da Califórnia em Los Angeles, ele provocou a plateia: "Comer insetos é nojento. Imagine comer merda, algo que um animal jogou fora. Então por favor, você pode me explicar o mel? Por favor, você pode explicar o mel? Mais uma vez: por favor, você pode me explicar o mel? Você comeu isso. A nossa cultura nos cega, às vezes", disse. A comparação do chef é simples: para quem não sabe, o mel é produto de descarte das abelhas. Para ser mais direta, é como se elas "vomitassem" o mel (pode fazer careta porque é isso mesmo).



Para Oliveira, introduzir os bichinhos "in natura" (ao natural, como são encontrados na natureza) na dieta seria um desafio nos grandes centros urbanos ocidentais, apesar de eles já figurarem em diversas regiões do país e mesmo fora -- mexicanos, por exemplo, consomem muitos insetos. "No Vale do Paraíba, por exemplo, se consome muito a tanajura (formiga-saúva) ou içá. No Ceará tem até o festival da tanajura, parecido com o do peão de Barretos (SP), com música sertaneja e artistas. São coisas de que a gente não ouve falar muito", afirma o pesquisador. Ele ainda cita o consumo, no Norte e no Nordeste, do besouro da família gorgulho encontrado em cocos, além dos gafanhotos, larvas, grilos e formigas consumidos na região amazônica.

Nas regiões urbanas, Oliveira aposta na introdução dos insetos processados, e mesmo assim há resistência a algumas espécies. "Estamos tendo uma discussão sobre baratas, por exemplo, e não achamos interessante introduzi-las", diz o pesquisador. "É super nutritiva, é um alimento maravilhoso, mas assusta. Não adianta querer impor uma cultura." OK, tudo tem limites.

Questão cultural

A aposta dos três entrevistados é na mudança gradual dos costumes e adaptação. O professor holandês, por exemplo, afirma que não gosta da palavra entomofagia (basicamente, comer insetos) porque traz uma conotação negativa. Até mesmo falar em "comer insetos" o incomoda um pouco. "Nós não dizemos que comemos bois", compara. "É como a carne: você precisa temperar, preparar direito. E acho que dar outros nomes, diferentes de palavras consideradas nojentas como 'minhoca', é uma boa ideia."

Mulher limpa zompopos de mayo, as saúvas-cabeça-de-vidro, no México - Wikimedia Commons - Wikimedia Commons
Mulher limpa zompopos de mayo, as saúvas-cabeça-de-vidro, no México
Imagem: Wikimedia Commons

O especialista holandês introduziu esses novos ingredientes em sua dieta — e em suas pesquisas — ainda na década de 1990. Em 1995, ele foi para o Níger, país da África Ocidental, e percebeu que os insetos faziam parte da cultura do país. Comida, medicamentos e até música e provérbios citavam as criaturas.

Ele foi informado, então, de que as agricultoras ganhavam mais dinheiro com os gafanhotos das produções de painço (um tipo de cereal bastante comum na dieta do país) do que com o próprio cereal. "Eu fiquei muito surpreso, mas também com vergonha de não ter percebido isso antes, já que eu estava no país fazia três anos." Foi então que Van Huis percebeu que a população não conversava sobre isso com os "ocidentais", como ele disse. "Eles sabem que, no Ocidente, isso é considerado algo bárbaro, um hábito primitivo."

Atala refletiu sobre esse mesmo ponto na apresentação na UCLA. "Comer insetos é tão primitivo. Tão primitivo quanto chegar na sua casa, abrir a geladeira, pegar um iogurte de morango e comê-lo. A cor vermelha do iogurte de morango vem de um inseto chamado cochonilha", disse.

Iogurte de morango - Heather Barnes/Unsplash - Heather Barnes/Unsplash
Imagem: Heather Barnes/Unsplash

A aposta do pesquisador holandês é focar nos benefícios nutritivos e conscientizar a população sobre a redução do impacto da nossa alimentação no aquecimento global. Ele diz ter percebido um aumento na discussão sobre os insetos como alimento diante da maior atenção ao efeito estufa. "Na Holanda, há 20 anos, ninguém sabia que dava para comer insetos. Hoje, se eu dou uma palestra sobre o assunto e pergunto quem já comeu, pelo menos metade da plateia levanta a mão", afirma.

Entre os benefícios, os insetos em geral são boas fontes de proteína, cálcio, ferro e de peptídeos antimicrobianos (melhoram a imunidade). Algumas espécies, segundo o professor, também servem como antioxidantes e até como probióticos, melhorando a flora intestinal. Até Angelina Jolie já preparou aranhas, escorpiões e outros insetos para os filhos comerem numa ida ao Camboja, e ninguém parece ter ficado traumatizado.

Em boca fechada não entra mosca

Se você se empolgou com a ideia de introduzir insetos na alimentação, saiba que não adianta sair na rua caçando qualquer espécie. Segundo o professor holandês, hoje conhecemos por nome mais de um milhão de insetos, mas apenas duas mil, aproximadamente, são comestíveis. Há alguns venenosos, e outros que podem causar alergias, pois são muito similares a crustáceos, diz Van Huis.

"No Brasil, ainda há um consumo informal muito grande, queremos que todos os criadores se formalizem junto à Anvisa", diz Oliveira. "Precisamos ter tudo registrado para dimensionar o mercado e garantir segurança alimentar", afirma o presidente da Asbraci.

Entre as duas mil espécies seguras para consumo estão principalmente algumas formigas, grilos, gafanhotos e larvas. Outras já fazem parte de ração animal, principalmente para gado e frango, o que também pode contribuir com a redução na emissão de gases do efeito estufa.

A Amazônia, além de ganhar com a redução de queimadas para pastos, é também central nesse tema por ser o lar de uma grande riqueza de espécies, observa Van Huis. Foi lá que Alex Atala tirou a inspiração para incluir formigas em seu cardápio. Ele conta que, na primeira vez que foi à floresta, uma senhora preparou molho com o inseto e deu para que ele provasse. Atala relata ter sentido gosto de ervas. "Quando voltei, levei meu capim-limão, meu gengibre, e dei para ela provar. Ela disse: tem gosto de formiga", conta ele. "Interpretação cultural, essa é a chave."