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O que é design inteligente, ideia defendida pelo novo presidente da Capes

Jon Butterworth/Unshplash
Imagem: Jon Butterworth/Unshplash

Luiza Pollo

Do TAB

01/02/2020 04h00

A nomeação de Benedito Gui­ma­rães Agui­ar Ne­to à presidência da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), agência de fomento à pesquisa ligada ao MEC (Ministério da Educação), fez o brasileiro começar a ouvir um termo pouco conhecido: design inteligente, ou DI. Se a primeira imagem que vem à cabeça é um jovem descolado, usando óculos de armação grossa, na frente de um iMac, errou. Não é desse design que estamos falando.

O DI é uma manifestação intelectual que se opõe à Teoria da Evolução e, portanto, é bastante criticada pela academia como um todo. Em poucas palavras, seus defensores dizem que métodos científicos apontam que a vida e o Universo são obra de um Ser Inteligente — um "projetista" que pensou intencionalmente nos detalhes, em vez de um processo não-guiado, como ocorre na seleção natural, que sustenta a evolução como foi proposta pelo naturalista Charles Darwin.

Isso tá com cara de Criacionismo. É o que os críticos dizem. Os defensores afirmam que, ao evitar dar nome de deus à força motriz e preferir o termo "criatura inteligente", há espaço para abarcar diversas crenças — ou nenhuma delas. No entanto, é difícil encontrar seguidores que não citem religião, normalmente de tradição judaico-cristã. Aguiar Neto, que foi reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, admite ter uma visão teológica do conceito. Em um congresso sobre design inteligente realizado na instituição, em 2019, disse: "Queremos colocar um contraponto à Teoria da Evolução e disseminar que a ideia da existência de um design inteligente pode estar presente a partir da educação básica, de uma maneira que podemos, com argumentos científicos, discutir o Criacionismo." Essa frase foi resgatada e virou o centro da polêmica, após a nomeação à Capes.

Mas qual é a disputa? Design inteligente é um nome high-tech para a investigação da existência de um criador do Universo e da vida. Todo o conceito parte da crença de que houve "intenção criadora" desde o momento zero. "Depois de anos em que a Evolução reinou absoluta, percebemos que os dados atuais não corroboram mais a ideia de que processos naturais não guiados seriam a causa do Universo e da vida. Há sinais respeitáveis na ciência de que foi um design inteligente, um arranjo proposital de partes que orquestrou, fez o Universo e a vida", disse ao TAB Marcos Eberlin, presidente da Sociedade Brasileira de Design Inteligente e coordenador do Núcleo de Pesquisa Mackenzie em Ciência, Fé e Sociedade (Discovery Mackenzie). Eberlin, que é químico e professor na Unicamp, destaca que assim como ele, milhares de cientistas apoiam a ideia, apesar de ela ser vista pelos acadêmicos em geral como pseudociência. Atualmente, um dos maiores nomes da área é Michael Behe, bioquímico e membro do Discovery Institute, think tank norte-americano que tem parceria com o Mackenzie. Ele é autor, entre outros livros, de "A Caixa-Preta de Darwin", republicado pela editora da universidade presbiteriana no ano passado.

É ciência ou não é? Quem segue o conceito defende que a investigação de um "projetista" não precisa ser filosófica, já que seria possível, segundo eles, provar cientificamente que uma entidade inteligente está por trás de tudo que conhecemos hoje. Mas, atualmente, o consenso é de que não dá para justificar tais afirmações pelo método científico — aquele que aprendemos na escola e vai da observação à experimentação, e ao lançamento de uma hipótese. A principal crítica ao design inteligente, então, é a roupagem científica para uma discussão religiosa, aponta José Alexandre Diniz Filho, coordenador do programa de pós-graduação em Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Goiás (UFG). "Há grandes geneticistas e biólogos que são religiosos e abordam a teologia por um ponto de vista filosófico, e não há nenhum problema nisso", afirma ao TAB. A propósito, a própria Igreja Católica aceita há décadas a Teoria da Evolução. "O problema é quando sua visão religiosa começa a afetar o jeito de fazer ciência", diz.

Dá um exemplo? A estrutura do olho humano é uma das mais citadas por quem é do DI. A questão começa com as dúvidas do próprio Charles Darwin sobre como uma estrutura tão complexa poderia ter sido fruto da evolução. O DI usa essa dúvida para afirmar que há lacunas que a seleção natural não consegue responder, como o fato de algumas criaturas muito antigas já terem olhos complexos. Diniz Filho explica que o DI ignora a existência de criaturas ainda mais antigas — anteriores ao período Cambriano — com estruturas oculares muito simples, sendo as primeiras apenas receptoras de luz. Hoje, podemos observar que diferentes animais têm diferentes níveis de complexidade de sistemas oculares, ou seja, há vários estágios evolutivos que foram se aperfeiçoando independentemente uns dos outros, de acordo com as necessidades de cada animal. As pesquisas foram evoluindo e explica-se a complexidade do olho humano pela exaptação: quando um traço, feição ou estrutura de um organismo ganha uma função diferente daquela derivada da seleção natural.

De volta às aulas de biologia. A Teoria da Evolução é a mais aceita no mundo para explicar como chegamos onde estamos — vida, universo, inteligência, tudo. Para refrescar o conteúdo das aulas de ciências na cabeça: os seres vivos com que convivemos descendem de um ancestral comum. Nem tudo surgiu ao mesmo tempo. Lá atrás, bem no passado, espécies de seres diferentes conviviam e disputavam espaço e alimento. Algumas apresentavam características mais vantajosas para viver em determinado ambiente, se comparadas a outras (um animal vivendo no Ártico que possui mais pelos no corpo tem uma vantagem, por exemplo), e assim, cresciam mais bem alimentadas e produziam descendência. Aqueles que não possuíam essas vantagens acabavam produzindo menos prole, ou nem chegando à idade reprodutiva. Esse é o mecanismo de seleção natural, base da Teoria da Evolução. Para entender esse processo, Charles Darwin, autor do livro "A Origem das Espécies", comparava animais vivos, mortos e fósseis, que são o registro mais revelador de como era a vida no planeta. "Literalmente todas as evidências disponíveis corroboram a explicação da diversidade e estrutura da vida na Terra por meio de processos de descendência com modificação, e que todos os seres vivos são conectados por relações de ancestralidade comum", reforça o Núcleo de Pesquisa em Educação, Divulgação e Epistemologia da Evolução Charles Darwin da USP. A afirmação é parte de uma nota oficial do grupo em reação à nomeação de Aguiar Neto à Capes.

Excluídos? Aos olhos dos defensores do design inteligente, pensar apenas em seleção natural seria ignorar a hipótese de que possa haver um criador e, como consequência, exclui uma voz do debate. "Tem universidades que fecham suas portas, são dominadas pelo ateísmo, pelo marxismo e pelo darwinismo e não querem debate. Querem que uma teoria continue dominando", opina Eberlin. Os pesquisadores do DI tomaram para si, portanto, essa investigação. Diniz Filho, da UFG, pondera que as visões que consideram um "criador" não são excluídas do debate, mas sim consideradas sob um ponto de vista filosófico e teológico, não científico, como prega o DI.

DI vai ser ensinado nas escolas? Apesar da declaração de 2019 de Aguiar Neto, a promessa é de que, por enquanto, não. Eberlin disse ao TAB que o grupo não quer forçar o ensino desse conceito — até porque não é atribuição da Capes definir base curricular. O objetivo seria "abrir espaço" para o design inteligente na academia, num primeiro momento. "Estamos em estágio de discussão, de debate. A gente quer ganhar a maioria e espera que a teoria seja aceita pela academia. Mas não vai ser à força. Que vença naturalmente no debate científico", afirma.

Então qual a preocupação da academia? Enquanto os defensores do DI afirmam que querem ter espaço dentro do debate e ressaltam que o currículo de Aguiar Neto é compatível com o cargo, a academia teme o descrédito na ciência. A Capes é uma das mais importantes agências de fomento à pesquisa no país, e Diniz afirma que a nomeação de Aguiar Neto é mais uma ação do governo federal que pode prejudicar a pesquisa. "A gente está num momento bem delicado. E não é só em termos de recursos. Claro, tem gente perdendo bolsa de estudos, projetos não vão para frente, mas tem também esse problema de negacionismo científico e desvalorização da educação. Tem muita coisa envolvida", diz. A Capes publicou um texto afirmando que Aguiar Neto defende a pluralidade de pensamento na universidade.