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Pandemia mostrou importância das interações sociais, diz porta-voz do CVV

Martin Adams/Unsplash
Imagem: Martin Adams/Unsplash

Matheus Pichonelli

Colaboração para o TAB

30/04/2020 04h00

A pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 5 mil pessoas no Brasil, causou um impacto na oferta de serviços de apoio emocional e prevenção ao suicídio do CVV (Centro de Valorização da Vida). Por causa das recomendações de autoridades sanitárias, a entidade precisou reduzir o número de voluntários nos postos de atendimento e suspendeu temporariamente os atendimentos pessoais, as ações nas comunidades e cursos presenciais para formação de voluntários.

Fundado em São Paulo em 1962, o CVV conta atualmente com 3,4 mil voluntários. O contato, sob sigilo e anonimato, pode ser feito através na linha 188, que é gratuita e está disponível 24h por dia em todo o Brasil, por chat ou por e-mail. Só no ano passado, o centro realizou mais de 3 milhões de atendimentos.

Em um comunicado, o grupo informou que o isolamento social pode acarretar uma maior procura pelo serviço — algo que ainda não foi dimensionado, segundo a porta-voz nacional do CVV Elaine Macedo, de 45 anos. Em entrevista ao TAB, Macedo conta como a suspensão da normalidade tem impactado a instituição e, claro, as pessoas atendidas pelo serviço.

TAB: Como as notícias sobre a pandemia afetam as pessoas?

EM: As pessoas começam a falar do isolamento social, de confinamento, do que elas sentem estando tolhidas. É uma situação que reflete aspectos de segurança, de saúde, de sobrevivência, de planejamento. A situação afeta todas as necessidades básicas do ser humano, nas suas reflexões, nas instabilidades e no seu estado emocional, mental, espiritual.

TAB: Há uma estatística sobre quantas pessoas procuraram o CVV para falar sobre a pandemia?

EM: Não temos um dado de quantas pessoas ligam para falar sobre a pandemia. É muito mais um feeling. Atendo pessoas e posso dizer que, nesses atendimentos, a maior parte das ligações gira em torno do que está acontecendo na sociedade. De cada dez, oito pessoas estão falando de alguma coisa relacionada à pandemia. Tem de tudo. Estamos confinados. Neste momento, muitos de nós começamos a descobrir o quão importante são as conexões e interações. Rapidamente, a própria sociedade começou a se reinventar e comemorar aniversários, cantar parabéns virtualmente com todo mundo ali, online. Descobrimos outras maneiras de nos manter conectados.

Temos falado muito sobre isso nas redes sociais: é uma rica oportunidade para gente cuidar do fortalecimento de vínculos. De cuidar da gente e cuidar uns dos outros. Não posso ver presencialmente um ente meu, meu pai. Então, como posso nutrir e cuidar desta relação, mesmo não estando fisicamente com essa pessoa?

TAB: Algum outro momento da história foi tão impactante como esse para os serviços de atendimento?

EM: Nunca vi nada neste sentido dentro do CVV e na sociedade, que me lembre, e que tenha impactado de uma forma tão intensa. Diversas situações e catástrofes que aconteceram em um país, em outros países, entre países, ou no próprio Brasil -- como desemprego, desastres aéreos etc -- afetam diretamente os atendimentos. Esse momento afeta vários aspectos das pessoas e traz questionamentos sobre o sentido da vida, sobre o que estamos fazendo aqui agora, como vai ser daqui pra frente. Mexe demais com incertezas e com inseguranças. Há pessoas muito acostumadas a terem um plano perfeito, um planejamento, tudo organizado. Neste momento, elas têm um grande desafio pela frente.

TAB: Como se cuidar em tempos de isolamento social?

EM: Uma coisa é você não querer sair, estar a fim de ficar em sua casa. Outra é não poder sair. As pessoas brincam que a balada hoje é o supermercado ou a farmácia. Se você quiser ir ao shopping, ao cinema, ao teatro, ao parque, não pode, está tudo fechado. Como posso me divertir? O entretenimento, o lazer, a diversão, o estudo, meu desenvolvimento, o meu trabalho: como consigo fazer tudo isso de um jeito diferente do que estou acostumado? Como é criar minha própria agenda, em vez de ter uma agenda pronta, externa, de fora para dentro, ter uma de dentro pra fora? Como cuido dessas coisas?

São oportunidades de se relacionar, se desenvolver, se perceber e de funcionar também. Tudo isso é nutrir a vida, é cuidar e valorizar a vida de alguma forma. Quando a gente consegue ter tempo de qualidade com a gente e com o outro. Por que não fazer uma conferência com minha família, meus amigos? Que tal passar a mão no telefone, se sei que tenho um amigo que não está muito legal, para dizer "oi estou aqui"? São formas de se cuidar.

TAB: A pandemia alterou também os horários de atendimento, os momentos em que mais pessoas ligam pedindo ajuda?

EM: Isso é sazonal. Por exemplo, existem pessoas que ligam às cinco, seis, sete da manhã, e tem quem liga às 22h. O que muda são as temáticas. Numa situação de isolamento e confinamento social, isso se mistura. Agora, é cada vez mais complicado o desafio da autodisciplina, a hora de acordar, a hora de dormir, a hora de se alimentar.

Percebo que os dias da semana e os horários mexem com as pessoas de maneira diferente. O que as pessoas querem conversar numa segunda-feira de manhã não é a mesma pauta de uma sexta-feira de manhã. Num domingo à noite, as pessoas pensam no trabalho. Se estão desempregadas, pensam em procurar um emprego; se estão solteiras, sozinhas ou com alguma frustração na questão dos relacionamentos, começam a pensar nisso quando chega o final de semana. Não é uma estatística, mas um feeling. Quando você está no último capítulo da novela, ou num programa popular que está todo mundo assistindo, as ligações cessam. O cenário político reflete nas pessoas também.

TAB: Pessoas que moram sozinhas têm sido mais afetadas?

EM: Não traçamos um perfil. O que digo está baseado na experiência e nas trocas como voluntários. Há pessoas em dificuldade de estarem confinadas -- morando sozinhas ou com a família. Há quem esteja sufocada por estar muitas horas juntos, com dificuldade de convivência, com desafios nas relações. Outras pessoas estão descobrindo e conhecendo mais uns aos outros, voltando a brincar e a se divertir, buscando formas de se entreter e se emocionando com isso. Tem quem esteja sentindo angústia, solidão e sofrendo com isso.

Todos nós, independente de idade e estágio de vida, temos intrínseca a necessidade de utilidade, de aceitação e de se sentir importante, de se sentir acolhido. Neste aspecto, a forma com que a gente se relaciona e trata uns aos outros pode ser um grande diferencial.

TAB: Além das situações extremas, há quem queira compartilhar pequenas angústias nas chamadas ao CVV?

EM: Qualquer pessoa pode ligar para o CVV. Temos pessoas que ligam para falar coisas corriqueiras e pessoas que estão no auge do sofrimento. O suicídio é um processo, não acontece da noite para o dia. Primeiro, vamos ter pensamentos. Quem de nós nunca pensou "socorro, quero sumir"? Daqui a pouco você diz: "que bobagem que eu pensei". E continua trabalhando, vai tocando a vida. O problema é quando esses pensamentos começam a ser sistemáticos, contínuos e não te assustam mais. Até que você pensa: "por que não?". Então, acontece a ideação, que é o problema maior, quando as pessoas efetivamente passam a planejar e buscar os meios de tirar a própria vida. Assim surgem tentativas e o fato consumado.

O suicídio é uma questão multifatorial. Existem diversos aspectos envolvidos nessa temática. Falamos muito, no CVV, da condição interior de cada um de nós e como aprender a redimensionar os problemas, entrando em contato com nossos sentimentos, nossas emoções e pensamentos para ir se descobrindo.

TAB: Como essa conversa pode acontecer também em nosso ciclo de relacionamentos?

EM: É importante saber ouvir e saber falar o que se passa dentro de nós, além de saber expressar para o outro nossa a nossa preocupação e cuidado. Às vezes, você é meu amigo e percebo que algo vai mal. Como posso me aproximar? Você pode se esquivar, e eu posso dizer: "Tudo bem se você não quiser falar agora, mas quero dizer que eu estou aqui".

Eventualmente, um pai ou uma mãe querem conversar com o filho e não sabem como. Quanto maior a insistência, mais o filho se afasta. Sentar do lado, assistir um filme, jogar um videogame ou ouvir uma música com ele podem ser atitudes mais efetivas. É buscar naquele entretenimento uma forma de aproximação e criação de vínculos.

Nutrir espaços de confiança e relações de confiança é um grande diferencial. Quando a gente fala em prevenção, a gente fala em cuidar antes. Não deixar o copo transbordar para depois pedir ajuda.