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Como Collor, figuras da velha política aderem ao humor e à zoeira nas redes

O senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello (Pros-AL), em entrevista ao UOL e à Folha, em Brasília - Kleyton Amorim/UOL (6.12.2019)
O senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello (Pros-AL), em entrevista ao UOL e à Folha, em Brasília Imagem: Kleyton Amorim/UOL (6.12.2019)

Marie Declercq

Do TAB

13/05/2020 04h00

Quem lembra das entrevistas e declarações formais e verborrágicas do ex-presidente Fernando Collor (PROS-AL) na década de 1990 deve estar estranhando o tom irônico e bem-humorado adotado pelo agora senador para responder usuários do Twitter. Collor tem retrucado até às piadas sobre sua passagem pela Esplanada, ganhando destaque no debate político virtual. No último fim de semana, ele fez até piada com a própria foto andando de jet ski em 1992, comparando o registro à fotografia recente de Jair Bolsonaro fazendo o mesmo em plena pandemia. "Se continuar assim, vai afundar", escreveu o político a um usuário, caçoando da sua própria experiência na presidência, que culminou em um processo de impeachment.

A reação do público dividiu-se entre curtir ou criticar a zoação — antes de ser afastado da política no processo de impedimento, Collor fazia um governo polêmico, marcado pelo confisco do dinheiro da poupança para controlar a inflação e outras medidas impopulares.

Collor — que durante a campanha presidencial de 1989 era chamado de "caçador de marajás" — não é o primeiro (e provavelmente não será o último) político brasileiro a gerar certa estranheza nos usuários de internet ao adotar métodos mais "informais" de comunicação nas redes. A modernização da fala política, que costumava seguir um tom institucional mais gélido, em respeito à "liturgia do cargo", deixou de ser um fenômeno de campanha para se tornar expediente comum do ofício, especialmente no Twitter.

TAB entrou em contato com a assessoria do senador perguntando se é ele próprio quem responde aos tuítes — e se isso faria parte de uma repaginação da sua comunicação nas redes. Sucintamente, o político assentiu às duas perguntas. "Sim, com o denodado respeito", afirmou.

Nos últimos anos, a mudança de tom de políticos nas redes sociais deixou de ser um caso isolado para se estender a diversos nomes — da nova e velha guarda. A senadora Kátia Abreu (PP-TO) chamou atenção pelos posts bem-humorados; o ex-prefeito de São Paulo e candidato às eleições presidenciais de 2018, Fernando Haddad (PT-SP), trocou sua prosódia professoral e acadêmica por uma postura mais militante e "lacradora"; o perfil oficial do PSDB faz piada sobre assuntos do momento. Até Paulo Maluf, quando era mais ativo nas redes, gerou uma pequena comoção na internet com seus chistes à moda antiga.

Em um campo mais surreal, tuítes antigos de Eduardo Cunha fizeram dele uma espécie oráculo do Brasil no Twitter: para cada situação de crise atual, há algum post já esquecido de Cunha tratando, indiretamente, dos assuntos de hoje.

Humor é só uma faceta

O uso do humor ou da ironia como ferramentas para engajar o público não é incomum na política mundial, especialmente no Brasil. Nos anais da política institucional brasileira, não são poucos os exemplos de figuras conhecidas que se valeram de uma língua ferina para desmontar seu adversário. Leonel Brizola, além das suas participações acaloradas em debates, emplacou o apelido "Gato Angorá" para caçoar do oportunismo político de Wellington Moreira Franco; Antônio Carlos Magalhães já perdeu calculadamente o decoro em plenário, chamando o então deputado federal Michel Temer de "mordomo de filme de terror"; na nossa história, sobra espaço até para performances mais teatrais, como quando Jânio Quadros desinfetou a cadeira de prefeito após ser eleito para o cargo em São Paulo, em 1986 — semanas antes, Fernando Henrique Cardoso havia tirado uma foto sentado ali, em clima de "já ganhou". "Gostaria que os senhores testemunhassem que estou desinfetando esta poltrona, porque nádegas indevidas a usaram", alertou Quadros na ocasião

Vassoura e caspa de mentira: Jânio Quadros era um político brasileiro conhecido pelas performances políticas teatrais - Reprodução - Reprodução
Vassoura e caspa de mentira: Jânio Quadros era um político brasileiro conhecido pelas performances políticas teatrais
Imagem: Reprodução

"A ironia ou a criação de diferentes versões de um personagem são armas políticas muito fortes e bastante consideráveis", observa Marco Aurelio Ruediger, diretor de Análise de Políticas Públicas da FGV (Fundação Getúlio Vargas). "É algo muito devastador porque, se for bem feito e bem colocado, acaba desconstruindo o adversário, que não conseguirá reagir."

Várias formas de ironia também podem ser aplicadas na comunicação das redes sociais, até para repaginar a imagem de um político, já marcada pelo seu passado público. Isso, na maior parte dos casos, é um esforço calculado de relações públicas — não importando se é ou não o próprio político que está escrevendo seus tuítes. A ideia é, via de regra, gerar comoção e engajamento.

A estratégia parece estar dando certo na maior parte dos casos. "Essas coisas mais sofisticadas, que fogem da personalidade das pessoas, estão sendo bastante terceirizadas no meio político," explica Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas da USP (Universidade de São Paulo). "É diferente de uma comunicação mais sisuda, de falar de um projeto de lei, por exemplo. Isso não gera engajamento, especialmente porque estamos falando de Twitter. Esse jogo não funcionaria muito bem no Facebook ou no YouTube. É no Twitter que impera a crítica mordaz, a ironia, a indignação e o ódio. Essas são as linguagens que geram engajamento, onde cada um está, ao seu modo, fazendo uma modernização de linguagem adequada."

Ortellado cita também o ressurgimento de Roberto Jefferson, presidente do PTB e velha figura política ligada a escândalos de corrupção, como o do mensalão, em 2005, quando foi condenado por participar do esquema da compra de deputados federais pelo PT. A carreira de Jefferson começou justamente na televisão — e ele é, hoje, um apoiador de Jair Bolsonaro que busca reinventar a própria imagem usando a internet. "Jefferson ressurgiu das cinzas como um paladino moral contra o comunismo, se colocando como um denunciante da corrupção. Isso é um reposicionamento de marca", opina o professor.

No caso das redes sociais de Bolsonaro, os especialistas acreditam que há uma sofisticação no discurso, apelando para o humor até chegar ao coração do seu público. "Ele joga um espectro amplo de linguagens; desde humorística à irônica, raivosa, trollagem, até paternalista, cuidadora etc", exemplifica Letícia Cesarino, professora de Antropologia na UFSC (Universidade Federal da Santa Catarina). "Boa parte da sua força vem da impressão de autenticidade transmitida por ele."

A criação de um personagem derivado de nós mesmos é algo que as redes sociais permitem fazer, mas, no caso de políticos, essa estratégia nem sempre dá certo: ela pode gerar um efeito contrário do que se espera. "A democracia está passando por um momento de tensão, especialmente entre os poderes. Você já tem uma corrosão e um desgaste da imagem dos políticos em geral. A questão é quando se confundem com o personagem engraçadinho e debochado — e começaram a fazer isso o tempo todo, esvaziando os significados do discurso. Pouquíssimos políticos sabem manter esse equilíbrio, isso não é uma habilidade natural deles", diz Marco Aurelio Ruediger.

Performance é arte política

Segundo Tiago Soares, doutor em História pela USP, certas ferramentas caras ao entretenimento já eram usadas no século 20, especialmente por meio do rádio, a fim de aproximar a figura política do ouvinte. Isso acabou atingindo um patamar diferente quando Ronald Reagan, ator de Hollywood, foi eleito em 1980 e virou uma espécie de líder político do "mundo livre". "Reagan levou para a política as técnicas que ele tinha como performer e ator de Hollywood. De fato, a performance é algo que faz parte da política, mas essa instrumentalização e adoção de técnicas do entretenimento de massas traz uma certa noção de inovação e adaptação à tradição política", explica Soares.

A eleição de Donald Trump, em 2016, foi marcada pela abordagem agressiva nas redes sociais e seguida pela decisão de escolher o Twitter como seu principal canal de comunicação. Jair Bolsonaro também apostou na figura de "rebelde político", por meio de memes e piadas, pontuando uma drástica apropriação das redes sociais como ferramentas de discurso. Como efeito disso, novos políticos foram eleitos apostando inteiramente na comunicação virtual, obrigando também figuras mais tradicionais a repensarem sua comunicação nesse meio.

Para Soares, as performances políticas também foram sujeitas a mudanças extremas por causa da chegada da internet, descentralizando a teia de comunicação, outrora restrita a veículos mais rígidos e tradicionais como rádio, jornais ou televisão. "Hoje, as informações chegam de todos os lados da rede e na mesma hierarquia — tudo isso em um meio que exige, de certa forma, que todos estejam constantemente conectados."

Da mesma forma que o Twitter, Facebook e YouTube se tornaram plataformas importantes para nós como usuários, não é diferente com os políticos. "A intimidade das pessoas acaba entrando também no debate público. Você perde aquele distanciamento, a fronteira que dividiria intimidade e o espaço do público, tudo vira uma coisa só. Esse tipo de fenômeno é algo já mapeado, mas a questão interessante em tudo isso é entender se a instrumentalização se dá em uma mão única ou em duas vias. Será que o cara entra na rede social pensando em fazer apenas seu trabalho como político ou ele entra pensando que aquilo ali traz uma realização, a construção do 'eu' dele?"

Errata: este conteúdo foi atualizado
O senador Fernando Collor é filiado ao Partido Republicano da Ordem Social (PROS) e não ao Partido Trabalhista Cristão (PTC), conforme informado no primeiro parágrafo. A informação foi corrigida.