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Por que as pessoas estão adotando mais pets durante a pandemia

O gato Quarenteno, do artista gráfico Ravi Novaes - Arquivo pessoal
O gato Quarenteno, do artista gráfico Ravi Novaes Imagem: Arquivo pessoal

André Cabette Fábio

Colaboração para o TAB

14/07/2020 04h01

O artista gráfico Ravi Novaes, 32, vive sozinho no centro de Campinas (SP). Desde o início de abril, começou a trabalhar em esquema de home office, saindo somente para ir ao mercado ou fazer alguma tarefa eventual. "Raramente encontro alguém, tenho falado mais com as pessoas virtualmente", diz.

Sofrendo de um problema comum a maior parte das pessoas em quarentena (a solidão), Novaes procurou uma ONG e adotou dois gatos, cujos nomes fazem alusão ao momento: Cloroquino e Quarenteno.

Ele afirma que se sentiu motivado a adotar quando viu, nas redes sociais, que contatos seus estavam adotando. E acredita que o tempo que passa em casa com os gatos durante a quarentena ajuda a facilitar a adaptação dos animais.
Novaes não está sozinho. ONGs têm identificado uma tendência de aumento da adoção de pets pela internet durante a pandemia.

Novaes adotou Cloroquino e Quarenteno da protetora Vanessa Silveira, que costuma manter na casa de sua família em São Paulo mais de 50 animais para adoção. Ela diz que esperava que a busca pelos pets fosse diminuir na quarentena.

"Normalmente, resgatamos, castramos, vacinamos e levamos para as feirinhas de adoção. Na quarentena, as feirinhas pararam, mas o abandono não. Ficamos muito preocupados, porque a saída pela internet sempre tinha sido pequena", afirma.

Mas, para sua surpresa, o movimento aumentou, conforme conhecidos repassavam o contato de Vanessa para outros interessados em adotar. "Zerei todos os filhotes das ninhadas, sobraram só dois adolescentezinhos", diz.

O biólogo Lito Fernandez, presidente do Centro de Adoção Natureza em Forma, no centro de São Paulo, constatou o mesmo movimento na ONG. "Até o início da pandemia, estávamos adotando 15 animais por mês, agora chegamos a 30, tudo online", diz.

Ele avalia que o aumento da procura se deve ao fato de que "as pessoas estão com tempo. Elas dão mais oportunidades a coisas que não dariam no dia a dia sem pandemia. Uma delas é o animal".

Além disso, "elas buscam companhia. Elas querem resgatar isso de ter outros com elas, desenvolver a compaixão, mesmo se for com um animal. No plano geral, a pandemia despertou a compaixão, as pessoas estão mais sensibilizadas a enxergar e respeitar o outro", avalia.

Um outro serviço que migrou para o online foi o do Centro Municipal de Adoção de Cães e Gatos, no bairro de Santana, em São Paulo, que suspendeu as adoções presenciais.

O papel dos pets para a saúde mental

Vanessa Silveira diz que enxerga um recorte de classes nas adoções, e que, mesmo com pessoas procurando mais adoções pela internet, não dá para concluir que o problema do excesso de animais sem lares esteja se resolvendo.

"Entre meus adotantes, grande parte é da classe média alta, que é o perfil de quem consegue fazer isolamento. Nas classes mais baixas tem tido muito abandono. Teve saída de animais, mas teve muito abandono."

O papel dos animais de estimação para a saúde mental é um antigo tema de estudos, que em geral comprovam o efeito positivo da terapia assistida por animais, ou pet terapia, em desencadear bem-estar e saúde emocional.

Esse tipo de terapia é especialmente empregado em pessoas hospitalizadas, ou que sofrem de problemas de saúde mental ou cognitiva, como pessoas deprimidas ou com demência, por exemplo.

Uma pesquisa publicada em junho na revista acadêmica Journal of Veterinary Behavior analisou o papel dos pets durante a pandemia do coronavírus.

Os pesquisadores pediram que 1.297 pessoas na Espanha respondessem a questionários online sobre sua relação com seus animais durante a quarentena imposta pela pandemia de Covid-19.

No país, que foi um dos mais duramente atingidos na Europa, as regras para o confinamento foram rígidas. A polícia chegou a ser convocada a vigiar as ruas e multar pessoas que quebrassem as regras.

Apenas um dos moradores de cada residência tinha permissão para deixá-la para comprar comida ou outros itens essenciais, como medicamentos. "Donos de cachorros tinham autorização para passear com os animais, mas apenas por curtos períodos", diz a pesquisa.

Os dados foram coletados quando as pessoas já estavam, em média, havia 3,2 semanas confinadas — o lockdown foi decretado no país em meados de março.

A pesquisa ressalta que um confinamento de dez dias já pode ser o suficiente para gerar consequências psicológicas negativas, e que a maioria das pessoas esperava que o lockdown durasse ainda outras oito semanas, pelo menos, o que aumentava o estresse naquele momento. Mas, na verdade, ninguém sabia muito bem o que iria acontecer.

"A atual pandemia de Covid-19 criou níveis de incerteza sem paralelo na nossa história recente, sendo um reflexo da combinação entre medo da doença e ansiedade sobre suas consequências potenciais de curto e longo prazos. O medo do desconhecido é um dos elementos básicos de transtornos associados à ansiedade", escrevem os pesquisadores.

No total, 794 das pessoas que responderam tinham um ou mais cães, e 503 tinham um ou mais gatos. Além disso, 74,7% delas viviam em apartamentos.

No total, 75% das pessoas forneceram dados indicando que seus animais as ajudaram a lidar com o período de confinamento.

Por isso, a pesquisa conclui que "durante o recente surto de Covid-19, a relação que as pessoas têm com seus cães e gatos as está ajudando a compensar a dramática redução em suas interações sociais e físicas com pessoas".

Por outro lado, 37% dos entrevistados afirmaram que seus cães aparentaram ter dificuldade em passar pelo período de confinamento, algo com que os gatos lidaram melhor. A possível explicação foi a redução no tempo de passeio.

Troca de afeto

A psicóloga carioca Carla Pereira de Almeida trabalha como catsitter nas horas vagas. Pela sua experiência, ela avalia que o animal faz uma troca de afetos, que é algo muito importante para o ser humano. Isso faz com que a pessoa se sinta melhor, com mais vontade de viver.

Para ela, "quando uma pessoa adota um animal em um momento desses, ela busca bem estar. Elas perderam muita interação, ficam só nos vídeos, na ida ao mercado".

O artista gráfico Ravi Novaes diz que os gatos Coloroquino e Quarenteno têm ajudado a manter sua vida agitada. "Eles quebram tudo, parece que têm a missão de destruir o apartamento, ficam lutando, escondendo as coisas, tudo o que é estofado eles tentam enfiar a unha o tempo todo. Correm de um lado para o outro o dia inteiro, é basicamente isso. A vida fica menos monótona".

Risco de devolução

Segundo uma reportagem publicada no final de junho pelo jornal Folha de S.Paulo, várias ONGs brasileiras têm constatado esse aumento do abandono de animais. No Distrito Federal, a Associação Protetora dos Animais, ProAnima, registrou alta de 60% das pessoas que querem se desfazer de animais.

"Achamos que é porque todos os familiares estão em casa, em ambiente antes tranquilo, mas que passou a ser difícil de suportar. Eles culpam os bichos, e o que percebemos é que o animal muda de comportamento quando o ritmo da casa muda", afirmou em entrevista ao jornal Mara Moscoso, 50, diretora da ProAnima.

Cachorros resgatados em um abrigo próximo a Pequim, na China, pelo grupo No Dogs Left Behind - Noel Celis/AFP - Noel Celis/AFP
Cachorros resgatados em um abrigo próximo a Pequim, na China, pelo grupo No Dogs Left Behind
Imagem: Noel Celis/AFP

Segundo a Comissão de Defesa dos Animais da Câmara de Vereadores do Rio, entre abril e maio de 2020, houve 1.809 denúncias de abandonos. Isso equivale a seis vezes mais do que o mesmo período do ano anterior.

Em São Paulo, o aumento dos abandonos foi menor. Segundo dados Secretaria de Segurança Pública, entre janeiro e abril de 2020 foram registradas 4.524 denúncias de abandono de animais, algo 10,1% superior do que o mesmo período de 2019.

Na ONG Centro de Adoção Natureza em Forma, de Lito Fernandez, os adotantes devem assinar um termo, em que concordam em devolver o pet em qualquer momento, caso não queiram mantê-lo. Ele acredita que é inevitável que uma parcela das pessoas deixe seus animais eventualmente.

Em nota publicada em seu site oficial, a prefeitura de Porto Alegre faz o mesmo tipo de alerta. A veterinária Juliana Herpich, coordenadora do programa de adoção municipal, ressalta que os animais viverão por 15 anos em média.
"Muitos estão em casa em função do isolamento e, ao se sentirem sozinhos, buscam a companhia de um bicho de estimação, o que é muito positivo, desde que represente uma decisão assumida por todos os moradores", diz.