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A Fazenda, BBB, MasterChef: por que brasileiro gosta tanto de reality show?

Jojo Todynho aconselhou Luiza Ambiel a focar no seu jogo em "A Fazenda 12" - Reprodução/PlayPlus
Jojo Todynho aconselhou Luiza Ambiel a focar no seu jogo em "A Fazenda 12" Imagem: Reprodução/PlayPlus

Letícia Naísa

Do TAB

26/09/2020 04h00

No auge da quarentena provocada pela pandemia do novo coronavírus no Brasil, o BBB ("Big Brother Brasil") bateu um recorde de votação histórico. No paredão do dia 31 de março, Manu Gavassi, Felipe Prior e Mari Gonzalez disputavam a permanência na casa mais vigiada do país. Foram 1,5 bilhão de votos que resultaram na eliminação de Prior. O número e a mobilização impressionaram, mas o caminho até esse recorde foi longo.

Com brigas, revelações, dramas e desafios "da vida real", tapas e beijos, barracos e sexo, quem não gosta de dar uma espiadinha? Com 20 anos de história só no Brasil, o formato de reality show se desenhou na televisão muito antes, ainda nos anos 1970, nos Estados Unidos. Nos anos 1990, a MTV também apostou no formato, e nos anos 2000 surgiram as versões nacionais e mais consolidadas do modelo de programa moderno. Em 70 anos, a televisão brasileira viu os reality shows ganharem cada vez mais espaço nas principais emissoras do país.

Bom, primeiro, o que é um reality show? "É quando a gente acompanha a vida de uma pessoa de maneira abrangente", define Chico Barney, colunista de Splash, que acompanha o gênero desde 2002. "É quando a gente tem um pouco de bastidor, tem um fator fofoca ali", completa. Nem tudo o que a gente chama de reality é necessariamente um reality, como acontece com os programas de culinária, como "MasterChef", ou de talentos musicais, no caso do "The Voice". Mas tudo faz mais ou menos parte da mesma família. Quase como quem vê um documentário, o espectador acompanha parte da vida do participante e pode ser responsável pelo seu destino, por meio do voto. "São programas que trabalham com o cotidiano. Mesmo os que misturam celebridades mostram 'pessoas comuns' no seu dia a dia, resolvendo coisas, reformando casas, vivendo aventuras, vencendo desafios", define Cristina Mungioli, professora da ECA-USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo).

E como começou essa história? Em 1973, estreou na emissora americana PBS o programa "An American Family", que acompanhava o cotidiano de uma família de classe média da Califórnia, os Loud. Entre os dramas retratados, estavam um pedido de divórcio e a revelação de que o filho mais velho da família era homossexual. Ele chegou a usar batom e roupas femininas. Foi um escândalo. Na época, a antropóloga Margaret Mead escreveu em um guia de televisão que os personagens do programa não eram nem atores e nem figuras públicas, mas uma "família real". O gênero, para ela, era inovador, "uma nova forma de arte, uma invenção tão significativa quanto a criação do drama ou do romance", definiu. Na Inglaterra, "An American Family" inspirou a criação do programa "The Family", em 1974. Nos anos 1990, a MTV americana criou o "The Real World", que foi exibido na MTV Brasil com o nome de "Na Real". O programa confinava jovens em uma casa, — o que gerava brigas e polêmicas. Na temporada de 1994, um dos participantes era soropositivo, e o debate sobre a aids estava em alta, o que gerou grande repercussão da edição nos EUA. A última temporada do "Na Real" aconteceu em 2019 e foi transmitida pelo Facebook.

E no Brasil? Por aqui, o primeiríssimo reality de que se tem notícia foi o "No Limite", da Globo, que foi inspirado em outro programa americano, o "Survivor". O princípio era jogar uma dúzia de pessoas no meio do mato para lutarem pela sobrevivência (e ganhar uma bolada de dinheiro no final). A primeira temporada é do ano 2000. Na mesma época, a emissora se preparava para lançar o BBB, mas Silvio Santos se adiantou e colocou no ar, um ano antes da estreia do "Big Brother Brasil" na concorrente, a "Casa dos Artistas" no SBT — que confinava celebridades para disputar um prêmio. A repercussão na época foi um estouro. Assim se desenhava, no início do novo milênio, o formato de reality shows que conhecemos hoje.

Por que deu tão certo? Em 2004, os reality shows fizeram tanto barulho no Brasil que uma campanha foi lançada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados: "Quem financia a baixaria é contra a cidadania". Um ranking de baixarias na televisão era divulgado com base em reclamações dos telespectadores. Frequentemente, o BBB estava no topo. "A gente gosta muito de ver fofoca, de falar mal da vida dos outros. Quem não gosta de um barraco? O sucesso está muito ligado ao que a gente tem de pior", opina Chico Barney. E isso não é exclusividade do Brasil. O Big Brother, que nasceu na Holanda em 1999, já ganhou versões em mais de 50 países. O canal Discovery Home and Health tem quase toda sua programação dedicada a diversos tipos de reality shows. Para Hélio Deliberador, professor de psicologia social da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), existe uma curiosidade muito grande por saber da vida alheia. "É uma tendência humana essa curiosidade. As pessoas projetam seus conflitos, sentimentos e problemas cotidianos em outras pessoas, o que pode trazer um alívio momentâneo para o espectador", afirma. "Tem um voyeurismo e a espetacularização da vida privada, toda uma manipulação para refletir coisas que são de interesse geral, não é a vida como ela é."

Mas então é tudo mentira? É, mas não é. "Um dos trabalhos mais importantes é a definição do elenco", diz Chico Barney. A escolha dos personagens de um reality determina boa parte do sucesso da edição, como foi no BBB e está sendo em "A Fazenda". No caso dos shows de talento, como "MasterChef", a escalação dos jurados foi crucial. "Como são programas que estão há muito tempo no ar, tem temporada em que acertam mais e outras que acertam menos, alguns formatos funcionam mais que outros", completa o colunista. Para ele, o apelo folhetinesco torna os reality shows fadados ao sucesso na sociedade contemporânea. Para Mungioli, as pessoas escolhidas e a forma de editar a história respondem a uma vontade do público de se ver na televisão. "São coisas que a gente assiste e se coloca no lugar do outro, se imagina parecida com aquela pessoa", diz. A identificação e a empatia são chaves para o sucesso dos programas e são dois aspectos que passam pela manipulação. "Selecionam pessoas para participar levando em conta o gênero, tipo físico, classe social, sempre existe esse trabalho para alavancar audiência. E a televisão abusa da dramaturgia, usa elementos de criação ficcional, uma forma de leitura que permite que as pessoas enxerguem algumas coisas e outras não." De certa forma, os reality shows, como as ficções, são reflexos de conflitos presentes na sociedade, diz Deliberador.

Qual foi o papel das redes sociais? Desde 2010, as redes passaram a ter um papel mais relevante no destino dos participantes de reality. Naquela edição do BBB, comunidades dedicadas a Marcelo Dourado, vencedor do programa, pipocavam. "A internet virou protagonista de qualquer rumo de reality show. Tinha a turma da internet e a turma do sofá, que era quem votava por telefone. As comunidades do Orkut mobilizavam gente para votar, aí começou essa história de fã-clube virando a noite para votar", lembra Barney. Para ele, em 2020, formou-se uma ala mais radical de votantes. "Hoje, votar em reality não é mais coisa de cidadão comum, é de torcidas organizadas", opina. E a internet também possibilita que os assuntos viralizem. Mesmo quem não assistiu ao BBB 20 viu o vídeo da Rafa Kalliman detonando a Flay. E quem não está vendo "A Fazenda" já topou com algum meme da Jojo Toddynho no confinamento. Muita gente que não assiste TV fica sabendo o que está acontecendo, então o programa vira assunto. No Twitter, a repercussão do vigésimo BBB foi 30 vezes maior do que da última edição do SuperBowl, segundo a emissora.

A pandemia influenciou o sucesso? "Tem uma sobrevalorização da importância da pandemia no sucesso do BBB", afirma Barney. Com todo o mundo em casa, sobraram poucas opções de entretenimento, mas os conflitos do programa já estavam definidos bem antes do confinamento imposto ao público fora da casa. A grande revelação que a pandemia trouxe em assunto de reality foi que descobrimos que não é preciso ter vergonha. "Foi um grande relançamento do reality show para um público novo. Uma galera viu que não precisa ter vergonha de gostar, surgiram figuras e debates interessantes no BBB 20 que deram um astral de legal, moderno e relevante", diz o colunista. Segundo a Rede Globo, houve crescimento do público jovem: entre adolescentes de 12 a 17 anos, aumentou 36%, e entre adultos de 18 a 24 anos, 38%. No total, o programa alcançou 168,5 milhões de espectadores por meio do canal aberto e do Multishow (fechado). "Não sei se dá para dizer que ficou legal de novo ver reality, porque é baixaria, baixo nível, mas essa nova geração de espectadores deu uma qualificada na audiência", diz Barney. E é justamente essa nova audiência que está impulsionando a nova edição de "A Fazenda". Segundo a Record, a estreia desta temporada é a melhor desde 2013, chegando a marcar 13,6 pontos de audiência. "O sucesso dessa temporada é ainda uma ressaca do BBB, que conseguiu conquistar esse público", afirma o colunista.