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Depois de receber implante de penas, periquita Wei Wei vira celebridade

Periquita Wei Wei aguarda implante de penas - Catherine Apuli
Periquita Wei Wei aguarda implante de penas Imagem: Catherine Apuli

Mônica Manir

Colaboração para o TAB

23/11/2020 04h00

O primeiro voo caseiro foi um desastre. Wei Wei, um periquito verde e azul de cauda coral, saltou do sofá e se estatelou no chão. Houve mais duas ou três tentativas frustradas, até o dia em que ele não fechou uma das asas, provavelmente por causa da dor. Samantha Sexton levou a ave a uma clínica que cuida de animais exóticos. Ouviu sobre um tratamento que lhe pareceu ainda mais excêntrico. Wei Wei receberia um implante de 18 penas. E mais: a técnica envolvia palitos de dente e cola.

As imagens do pré e do pós-operatório de Wei Wei deram uma viralizada em fevereiro. No pré, mostravam o periquito anestesiado, de asas abertas e barriga para cima. Nessa posição de crucifixo, dava para ver o corte drástico nas penas feito pelo tutor anterior. Já no pós-operatório, a ave se aconchegava na veterinária Catherine Apuli, mimetizado com a blusa estampada da médica. Parecia envaidecido com o longo saiote de penas azuis recém-adquirido.

Passados nove meses, eis que Wei Wei renasceu de vez. As últimas penas implantadas caíram, as novas despontaram e ela (um teste de DNA mostrou ser uma fêmea) passeia com o vestuário original pela casa em Brisbane, capital de Queensland, na Austrália. Ali vive com Sexton e dois cachorros, o pastor alemão Kovu e o kelpie australiano Trixie.

Além de professora do ensino médio, Sexton é voluntária na organização sem fins lucrativos Bat Conservation and Rescue. Ela ajuda no resgate de morcegos que se metem em apuros em quintais, piscinas, redes de futebol ou fios de eletricidade. Não raro cuida de filhotes órfãos de raposas-voadoras, os maiores da espécie, que chegam a 1,8 metro de envergadura. "É uma vida louca, mas muito gratificante", conta ao TAB.

A periquita Wei Wei - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A periquita Wei Wei
Imagem: Arquivo pessoal

Sexton conheceu Wei Wei numa loja de suprimentos agrícolas, depois de ver um anúncio no Gumtree, site de classificados online com base em Londres, onde se vende e se compra praticamente de tudo. Dois periquitos-de-bochecha-verde estavam em exposição, e o coração de Sexton pulsou pelo de três meses de vida. Na loja, percebeu um tratamento meio rude do criador com a ave ao puxá-la pela cauda, mas ainda não tinha atinado para o corte drástico. As penas de voo, azuis brilhantes, tinham sido podadas até em cima, e algumas da cobertura também. Os acidentes em casa deram o sinal de alerta.

Wei Wei e o brinquedo de sementes - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Wei Wei e o brinquedo de sementes
Imagem: Arquivo pessoal

Pássaros perdem e ganham penas naturalmente ao longo da vida. Esperar pela próxima troca de Wei Wei, no entanto, talvez implicasse sofrimento da ave, explicou Apuli. Wei Wei também era muito jovem quando as penas foram cortadas, mal tinha aprendido a voar. "Isso traz repercussões no desenvolvimento, na força e no bem-estar geral", diz a veterinária. Era urgente que pudesse levantar voo e aterrissar com segurança.

The Unusual Pet Vets, a clínica onde Apuli trabalha, trata não apenas de pássaros, mas também de répteis, roedores, anfíbios, peixes. Tem uma unidade em Brisbane, outra em Victoria e mais duas na Austrália Ocidental. A equipe vacina furões, faz cirurgia dentária em porquinhos-da-índia, microchipa ratos, avalia o nível de chumbo no sangue de galináceos, controla a obesidade de axolotes (uma espécie de salamandra), corta as unhas de acordo com a clientela que as tem. Um de seus lemas: "Unhas longas não são boas para ninguém!".

Doação de penas

Antes de Wei Wei, a veterinária, que é mãe de estimação de três calopsitas e dois papagaios eclectus, havia feito 20 implantes (ou imping, nome clássico da técnica). As penas vêm da plumoteca — acervo alimentado por doações avulsas, que chegam à clínica pelo correio ou são levadas pessoalmente pelo doador. Se a ave não sobrevive a um tratamento ou é eutanasiada, o tutor pode doar as penas ou o corpo inteiro do animal para a clínica, que selecionará as "peças" para o acervo.

As penas prontas para o implante na periquita Wei Wei - Catherine Apuli - Catherine Apuli
As penas prontas para o implante na periquita Wei Wei
Imagem: Catherine Apuli

Dependendo do diâmetro da raque (parte do tubo oco onde se insere a pena), Apuli às vezes usa espetos de bambu em vez de palitos de dente. A supercola fica por dentro, o que impede o acesso do animal à substância. Assim que surge uma nova pena, a substituta cai naturalmente. Outra vantagem do implante é proteger aquela que está vindo com uma "fortaleza" de outras tantas, deixando-a menos vulnerável a traumas. A técnica não funciona com penas arrancadas totalmente, já que necessita de uma base.

Um implante perfeito, explica Apuli, é aquele em que o veterinário usa penas de tamanho adequado, de preferência da mesma espécie da ave em questão, e alinha a fileira no ângulo correto. Se não for assim, o animal pode mastigar e destruir o adereço.
Jeferson Rocha Pires, veterinário do Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS), em Vargem Pequena, no Rio de Janeiro, já soube de muitos psitacídeos (periquitos, araras, maritacas, papagaios) encontrados caídos por terem arrancado o implante a bicadas.

Ele lembra que a técnica é antiquíssima, usada com frequência na milenar falcoaria. Rapinantes como falcão, gavião e águia seriam candidatos tradicionais ao procedimento. Os falcoeiros guardariam as penas do próprio animal a cada muda, pensando justamente num possível implante.

O CRAS recebe apenas animais de vida livre. Muitos são entregues machucados depois de colidir contra carros e vidraças — ou porque foram impiedosamente acertados por pedradas, por exemplo. A proposta é recuperá-los para reintroduzi-los na natureza. São atendidos cerca de 3.400 animais silvestres por ano, vindos de todo o estado. Cerca de 70% deles são aves, e uma média de 10 por ano se mostram aptas ao implante.

Periquita Wei Wei posa com novas penas - Catherine Apuli - Catherine Apuli
Periquita Wei Wei posa com novas penas
Imagem: Catherine Apuli

De cara, Wei Wei se deu bem com o novo visual. "Ela saiu de sua concha", diz Sexton. Ficou mais atrevida, perdeu o medo de cair. Engraçados e afetuosos por natureza, os periquitos-de-bochecha-verde gostam de gente — e de fazer estripulias nessa gente. A maior diversão de Wei Wei é se pendurar de ponta-cabeça, com um pé só, nas costas da regata da professora.

O nome chinês, segundo Sexton, tem a ver com uma aluna sua, que se chamava assim. Não seria uma homenagem ao ativista Ai Weiwei, mais de uma vez detido pelo regime ditatorial da China, mas que nunca aceitou que lhe podassem as ideias. Poderia ser.