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Aniversário de clube de swing em SP reúne 500 adeptos da troca de casais

Clube de swing Spicy, em Moema, bairro da zona sul de São Paulo - Duda Gulman/UOL
Clube de swing Spicy, em Moema, bairro da zona sul de São Paulo Imagem: Duda Gulman/UOL

Paulo Sampaio

Do TAB

24/11/2020 04h00

No fumódromo do clube de swing Spicy, em Moema, na zona sul de São Paulo, Anderson e Gisele contam que a quarentena imposta pela pandemia de Covid-19 não alterou em nada sua animada rotina sexual. Pelo menos três vezes por semana — de quinta a sábado, impreterivelmente —, os dois vão a clubes frequentados por entusiastas da troca de casais. Nos outros dias, os encontros se dão na casa de algum participante de um grupo de "mais de 200 suingueiros", ou em motéis e pousadas liberais.

Anderson é empresário, Gisele, esteticista, e apesar de ambos estarem com 41 anos e terem um filho de 14, há um inegável acento adolescente em suas declarações. "Não deixamos de sair nem um dia! Pegamos Covid-19 só agora, no final", diz Gisele.

No final?

Por eles, o isolamento social nunca existiu. O que mudou agora foi que muitos de seus potenciais parceiros entenderam que "tudo passou". "Todas as baladas já estão abrindo em São Paulo", garantem. O suposto aumento de baladeiros na ativa representa um considerável impacto na análise combinatória que reflete o padrão sexual deles e de seus correligionários. A vida dos dois, pelo que eles dizem, gira em função do sexo. "É um vício", reconhece Anderson, sem lamentar.

Gisele (à esq.) interage com o marido, Anderson, e uma das parceiras frequentes dos dois, Andreza - Duda Gulman/UOL  - Duda Gulman/UOL
Gisele (à esq.) interage com o marido, Anderson, e uma das parceiras frequentes dos dois, Andreza
Imagem: Duda Gulman/UOL

Pandemia sexual

Fábio Leandro, 46, dono do Spicy, conta que a inauguração da casa foi em novembro de 2019, mas, por causa da quarentena, seu funcionamento se resumiu a cinco meses de 2020. Ele arredondou o total para 1 ano, a fim de ensejar a festa de aniversário.

Ninguém reclamou. A lotação máxima, segundo Leandro, é de 500 pessoas, mas, pelas contas dele, passaram pelo local entre às 17 h de sábado (21) e a madrugada de domingo, "rotativamente", 850 pessoas.

Nenhum dos frequentadores usava máscara. Pela primeira vez, desde o começo da quarentena, eu me senti inadequado por estar usando uma. Curiosamente, experimentei no clube de swing uma inversão da expectativa: era como se todos estivessem vestidos, e eu, pelado.

A hostess Bruna Fortuna, mulher de Lindolfo Manuel*, na barra de pole dance do balcão - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
A hostess Bruna Fortuna, mulher de Lindolfo Manuel*, na barra de pole dance do balcão
Imagem: Duda Gulman/UOL

"Pensa bem", sugere o mecânico Rodrigo*, 29, "não faz sentido ir a um clube de swing, onde a ideia é fazer sexo, usando máscara. Beijo aqui é o mínimo". No colo de Rodrigo está a analista de sistemas Letícia*, 34, mulher de Alexandre*, 42, que beija ardentemente Amanda*, casada há 10 anos com o mecânico. Ele e Amanda têm dois filhos, de 4 e 6 anos; Alexandre e Letícia, um menino de 8.

Moreno, olhos verdes, estatura mediana, risada fácil, Rodrigo está excitado com a possibilidade de contar a um jornalista suas peripécias sexuais: "Gente, vou dar uma entrevista sobre swing para o UOL!", diz, consigo.

Vídeo pornô

Cabelos longos e loiros, corpo sarado, roupa muito justa, Amanda lembra que a ideia de ir a um clube de swing foi dela. "Eu tive curiosidade, por causa do que a gente assistia nos vídeos pornô", explica. Rodrigo reagiu mal: "Aquilo ficou na minha cabeça, eu fui pesquisar. Um tempo depois, a gente foi". Isso faz seis anos, segundo cálculos do casal.

Naquela primeira vez, eles apenas tiraram a roupa e fizeram sexo em uma das salas abertas, à vista de quem estivesse passando. "Transamos na frente de todo mundo e fomos embora. Não temos nenhum problema com isso", diz Rodrigo.

Artistas circenses vestidas de abelhas e sereias disputavam a atenção dos suingueiros na pista de dança  - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
Artistas circenses vestidas de abelhas e sereias disputavam a atenção dos suingueiros na pista de dança
Imagem: Duda Gulman/UOL

Até ator e deputado

De lá para cá, o mecânico se envolveu de tal maneira com o que chama de "balada liberal" que chegou a trabalhar como promoter em um evento do gênero. "Você pode colocar aí. Tem de TU-DO nesse meio. Conheci ator, atriz, deputado, prefeito!". Cautelosa, Amanda afasta a cabeleira do rosto suavemente maquiado e diz: "Amor, não vai revelar nomes..."

Pergunto aos dois casais suingueiros se o sexo, digamos, doméstico, depois de uma prática tão variada, não se torna entediante. Rodrigo toma a dianteira: "Eu e a Amanda temos um diferencial: a gente morre de tesão um pelo outro. Transamos todos os dias. Se eu não transo, não durmo".

Não se pode nem chamá-lo de mascarado. Rodrigo diz que não precisa usar proteção contra a Covid-19 porque ele e a mulher já foram infectados pelo coronavírus: "Tivemos uma dorzinha de cabeça, só", afirma.

O casal tampouco teme contrair doenças sexualmente transmissíveis. "Você é louco! A gente só faz sexo com proteção!", garante. "Sigilo e segurança é o nosso lema!" Letícia e Alexandre se entreolham, enquanto concordam com a cabeça. "Aham", diz ela.

Praça de alimentação sexual

Antes do começo da comemoração, por volta das 16h30, Fábio Leandro conduziu o TAB em uma visita didática pelo Spicy. Alto, grisalho, tatuado, ele compõe o chamado "tipão". Conta que foi gerente de duas casas de swing por cerca de sete anos, até que abriu o próprio negócio. Com 600 m², o clube tem dois andares e fica em uma região conhecida por abrigar muitos similares — seria uma espécie de "praça de alimentação sexual".

No térreo estão a pista de dança, o palco e o bar — cujo balcão, segundo Leandro, é a parte mais disputada do lugar. "As clientes bebem, sobem, tiram a roupa, aquilo fica lotado", diz ele. Para incrementar a exibição das mulheres, foram instaladas três barras de pole dance naquele pedaço.

Cama de 13 metros

No andar de cima ficam as 25 salas dedicadas ao swing. São perpassadas por um corredor cheio de cotovelos, conhecido como "labirinto". Em toda a sua extensão, há cabines de diversos tamanhos, criadas para a prática "de tudo o que você conseguir imaginar em termos de sexo". "O swing é um pretexto", garante Leandro.

A grande atração do andar é uma cama de 13 metros de diâmetro, que ele apresenta orgulhosamente como "a maior do segmento". "Tem capacidade para 30 pessoas." Está instalada em um ambiente espaçoso e pouco iluminado, que dá acesso a outras salas e cabines. Ele aponta para pequenos furos no courino vermelho e diz: "Isso aqui tudo é do salto da mulherada".

Em Leandro, a combinação da voz grave com o gestual suave remete à figura do macho dominador. "O encosto do sofá, nas cabines, é propositalmente alto, tem 1,20 m, para a mulher não machucar o rosto durante a cavalgada". Sentado, nosso cicerone coloca uma mulher imaginária no colo, de frente para ele, a fim de mostrar como ela estará protegida ao cavalgar. Há algo de heroico na cena.

Cabelo no ventilador

O projeto do clube foi assinado por um decorador, mas Leandro agregou sua expertise em detalhes imprescindíveis. Ele explica, por exemplo, a importância de se climatizarem todos os ambientes, incluindo os seis banheiros. "Em outros lugares, houve caso de mulher que ficou com o cabelo preso no ventilador, foi um Deus nos acuda!"

Na sala dedicada aos sadomasoquistas, o assento de um vaso sanitário foi ajustado em um recorte produzido no sofá. A tábua da privada é equipada com cordas, que servem para amarrar os braços de uma eventual "escrava". A parte inferior do sofá é vazada, de forma que o "mestre" pode rastejar por ali até alcançar a parceira por baixo. (Diante de tamanha demanda física, penso que talvez fosse mais saudável negociar a libertação da escrava).

Leandro explica que a decoração da sala ainda não foi finalizada. Faltam ainda a cadeira da rainha e a guilhotina...

Na sala dedicada aos sadomasoquistas, o "mestre" pode amarrar sua "escrava" na privada, depois alcançá-la por baixo - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
Na sala dedicada aos sadomasoquistas, o "mestre" pode amarrar sua "escrava" na privada, depois alcançá-la por baixo
Imagem: Duda Gulman/UOL

Sexo oral às escuras

Próxima parada, cabines equipadas com glory holes. O pênis é introduzido em um orifício na divisória de alvenaria, e alguém do outro lado se dedica ao sexo oral às escuras. As identidades são preservadas. Tanto o pênis de um quanto a boca do outro estão entregues à própria sorte.

Mais turbinada ainda é a "sala do toque". Guarnecida com três buracos na divisória, ela oferece ao suingueiro a possibilidade de enfiar as mãos nos de cima, e o pênis no de baixo. Fábio opera a simulação, e o tour prossegue.

No vão circundado por uma das escadas, há um espaço conhecido como "aquário". Fechados por paredes de vidro, os casais adeptos do exibicionismo evoluem para uma plateia de voyeuristas. No momento, Anderson, Gisele e sua mais recente parceira, Andreza, 22, se entregam a uma espécie de fagocitose a três.

Fábio faz uma simulação na "sala do toque"; a ideia é bolinar a pessoa que está do outro lado da divisória; um pouco abaixo, há um terceiro orifício idealizado para a introdução do pênis; sim, o risco faz parte do jogo - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
Fábio faz uma simulação na "sala do toque"; a ideia é bolinar a pessoa que está do outro lado da divisória; um pouco abaixo, há um terceiro orifício idealizado para a introdução do pênis; sim, o risco faz parte do jogo
Imagem: Duda Gulman/UOL

Vigilante de single

Na outra extremidade do andar superior fica o ambiente reservado aos "singles" (avulsos). Basicamente, é composto por um hall de 25 m², contornado por cerca de dez cabines. A entrada de homens sozinhos é liberada, mas eles estão proibidos de passar para a ala dos casais. Para evitar as eventuais tentativas, existe um "vigilante de single". "Ele cuida para que ninguém burle a regra".

Imagina-se que muitos homens, para não entrar sozinhos no clube ou ter de pagar cerca de três vezes mais, contratam prostitutas ou levem amigas. Leandro diz que ambas são bem-vindas, mas não é permitido exercer atividade sexual remunerada nas dependências do clube. De qualquer maneira, ele afirma que a maioria ali é "casal real".

Casal real?

Não é difícil identificá-los, diz. "Você conhece pelos trejeitos. Tenho muitos anos nesse segmento. Todo mundo sabe quem é quem no meio do swing. Existe um site chamado CRS (Capital Real Swingers) que reúne centenas de casais (reais). Para entrar, você tem de ser indicado por alguém e se dispor a pagar uma mensalidade." (Penso na quantidade de "casais reais" que, longe do ambiente do swing, se esforçam para não parecer uma fraude).

Embora os frequentadores de clubes como o Spicy se considerem "liberais", as regras apontam para um comportamento inegavelmente machista. A começar pelo valor dos ingressos. Mulheres desacompanhadas pagam R$ 50; casais, R$ 170; homens sozinhos, R$ 500 — se o limite do dia para o cisgênero masculino foi atingido, eles voltam para casa.

"As mulheres podem tudo aqui", explica Leandro. "Ficar sem roupa na pista de dança, circular sozinhas em qualquer ambiente, entrar nas cabines sem bater." Aos homens, na pista, não é permitido nem tirar a camisa — ainda que estejam dançando com mulheres peladas.

Travestis pagam R$ 50, como manda a correção política. Leandro diz que o número de frequentadoras trans é inexpressivo. Calcula três, entre os 850 que passaram pelo clube no sábado. Ele avisa que a casa não se responsabiliza por eventuais equívocos. "Tem cara que se delicia na cabine, depois diz: 'Mentira que era travesti?'"

Questão de gosto

Anderson, Rodrigo e Alexandre nunca quiseram explorar sexualmente outro homem — nem pretendem. Para não perder o epíteto de liberais, eles se desculpam: "Questão de gosto". Por sua vez, Gisele, Amanda e Letícia contam que, graças ao swing, se descobriram atraídas por outras mulheres. Elas não negam que a intenção inicial era satisfazer desejos dos maridos. Nenhuma cobra deles a recíproca. "Eu não teria prazer", acha Gisele, que é ativa e passiva com Andreza.

A transa a três mais praticada envolve duas mulheres e um homem. Quando a combinação se inverte, os dois homens se apressam em garantir que não há sexo entre eles. Trata-se apenas de um fetiche alimentado por muitos homens casados, que sentem prazer em assistir a mulher transando com outro. Mais uma vez, a mulher aquiesce. Entre os correligionários, o marido é chamado de cuckold (corno, em inglês).

"Muitos desses caras praticam o chamado 'dogging'. Eles levam suas 'cachorras' (mulheres) para praças públicas, e as entregam a outros homens. Em São Paulo, isso acontece, por exemplo, na Praça Pôr do Sol (Alto de Pinheiros, zona oeste)", conta Leandro.

Eu amo esse homem

Recém-chegados ao swing, o auditor contábil Marcelo*, 26, e analista financeira Patrícia*, 27, não têm ideia dos nomes que se dão aos bois. Ele sente um prazer não muito assumido em exibir a ex-namorada a outros homens. Por sua vez, ela diz que faria qualquer coisa para reconquistá-lo. Sem meias palavras, declara. "Eu amo esse homem!".

Sendo assim, o auditor contábil se sente encorajado a levar a ex até a chamada "sala interativa". São duas cabines interligadas por uma porta, em cuja parte superior há uma janela. Os ocupantes dos dois lados podem controlar o que querem exibir ou assistir, abrindo e fechando a cortina que equipa a janela e regulando a luz interna.

"Ele gosta de me mostrar, mas não o tempo todo. Tem de ser na hora em que ele quer, e como ele quer", diz Patrícia. Habitante de uma zona extremamente confortável, Marcelo gargalha da devoção de Patrícia. Ela o empurra, meio criançona.

Hétero cis apaziguado

Em meio a tantos casos de "machismo liberal", a reportagem encontra um solitário hétero cis apaziguado. Trata-se do contador Lindolfo Manoel*, 39 anos, felizardo marido da hostess da noite, a monumental Bruna Fortuna, 33, que aparece na terceira foto deste post.

Com 1,83m, corpo escultural, lábios permanentemente umedecidos, Bruna circula pela casa dentro de um exíguo modelo fio-dental branco. Ela sobe no balcão, rebola até o chão, vira de cabeça para baixo no pole dance, pisca os olhinhos cheios de rímel, atiça sem reservas a audiência. Em determinado momento, agacha de pernas abertas em cima do rosto de um homem que está deitado no chão do palco montado à frente da cabine do DJ.

"Ela gosta de se exibir, e nunca me escondeu isso. É muito ética", diz Lindolfo Manoel, que conheceu a mulher há cinco anos, em um barzinho, por intermédio de um amigo. Em 2019, os dois formalizaram uma união estável.

Bruna conta que o marido não só cuida dos dois filhos que ela teve com outros homens, como a prestigia em tudo o que faz. "Quando entro no camarim, minha roupa do show está toda organizada."

Longe do personagem, em um canto do clube, ela pede para não publicar a foto nem o nome do marido. "Você promete? Ele tem um trabalho diferente do meu, é reservado, pode ser ruim."

Câimbra na perna

Cumpro a promessa, mas não posso deixar de mencionar Lindolfo Manoel. Ele é o autor da melhor declaração da noite. Depois de dizer que sabe que a mulher gosta de ter "experiências variadas" e que a libera porque entende que isso dá prazer a ela — e, por tabela, a ele — Lindolfo Manoel explica que não tem as mesmas necessidades. Diz que até já transou com duas mulheres ao mesmo tempo, mas não pretende repetir a façanha:

"Saí com câimbra na perna. Por causa da minha mentalidade machista, achei que deveria me desdobrar para dar o máximo de prazer às duas, e acabei esgotado."

Vamos combinar: não é todo dia que um homem revela, nas dependências de um clube de swing, que sofreu sequelas em sua única experiência sexual com duas mulheres. Salve, Lindolfo Manoel!

* Alguns nomes foram trocados a pedido dos entrevistados