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A noite de PsicoDriver, motorista de app que transmite corres e corridas

PsicoDriver, o motorista de aplicativo que faz "livestream" de suas corridas no Rio - Matias Maxx/UOL
PsicoDriver, o motorista de aplicativo que faz 'livestream' de suas corridas no Rio
Imagem: Matias Maxx/UOL

Matias Maxx

Colaboração para o TAB, do Rio

16/01/2021 04h01

"Tô indo dar uma entrevista, 'cês' acreditam? Eu, dando uma entrevista! Nunca dei nem entrevista de emprego. Toda vez que fui trabalhar foi 'toma aí a enxada e começa'."

O papo é dado por Francisco Carlos, pilotando um Golzinho, vindo ao encontro deste repórter. Motorista de aplicativo no Rio de Janeiro há cinco anos, Carlos, conhecido nas redes como PsicoDriver, transmite toda noite há um par de meses sua jornada madrugada adentro para 8.000 seguidores — até hoje foram 400 mil visualizações. Um piloto educado, carismático e sagaz vai nos apresentando, em tempo real, situações unicamente cariocas.

Os streams são diários, mais ou menos das 20h às 5h. Além da meta de fazer vinte corridas por dia, Psico conta com doações via YouTube ou PIX, todas comemoradas ao vivo. Na madrugada de sexta-feira (15), Psico recebeu doações entre R$ 2 e R$ 200, além de outros 20 euros, 15 coroas suiças e 8 dólares australianos — essas últimas de brasileiros que moram no exterior.

"O que acontece é que tem muita gente que já morou no Rio e acaba revivendo situações ou momentos da vida comigo, só que da telinha dele. Várias vezes as pessoas falam 'já passei nessa rua aí', 'morava ai'. Isso é bacana. Tem uma galera que reúne os familiares em casa vendo minha live." Enquanto embicamos para a Urca, para fazer as fotos que ilustram esta reportagem, alguém no chat soltou um "que saudades da minha avó que morou na Urca!"

No país campeão de streamers de videogame, nada mais natural que um canal desses fizesse sucesso. "O pessoal do chat fica comentando que é GTA ao vivo, GTA real, porque é a vida ao vivo, é acidente, neguinho que cruza na frente do carro, tiroteio..." Não à toa, o celular montado embaixo do retrovisor captura personagens e situações notórias do Rio de Janeiro, como o Caveirão que dobra a esquina, um motoboy sem capacete sendo parado na blitz, os boêmios da Zona Sul e Zona Norte, as prostitutas de Copacabana, Lapa e Praça da Bandeira. Numa noite, uma Ferrari foi capturada queimando o asfalto da Lagoa. "Vou chegar mais perto", narrou Psico, acelerando, "você vai acompanhar a Ferrari?!", respondeu um passageiro assustado.

PsicoDriver, o motorista de aplicativo que faz 'livestream' de suas corridas no Rio - Matias Maxx/UOL - Matias Maxx/UOL
PsicoDriver, à espera da reportagem
Imagem: Matias Maxx/UOL

Os passageiros são parte importante do show. Muito educado, Psico sempre tenta puxar um papo, e ouvimos a conversa entre os dois. Quando o transportado não quer papo, Psico respeita a privacidade e a corrida segue em silêncio, para a completa irritação do pessoal do chat, que gosta de bafafá e fofoca, principalmente quando entram embriagados.

Tal qual uma série ou reality show, tramas e personagens vão sendo apresentados a cada capítulo (transmissão); na última semana, Psico parou para comer numa famosa pizzaria 24h de Copacabana e resolveu levar o celular para a mesa, em vez de deixá-lo no carro. Enquanto interagia com os seguidores, duas mulheres na mesa ao lado perguntaram o que ele estava fazendo. Ele contou que era youtuber e largou o celular na mesa delas, enquanto terminava a pizza. Pronto. O show agora era das turistas do interior de São Paulo. A galera do chat vibrou, e a dupla acabou ganhando uma carona de volta ao hotel. Elas compartilharam a conta de Instagram com o povo e, no decorrer da semana, firmou-se a promessa de o trio se reencontrar para uma live juntos. Talvez numa praia.

Homem comprometido

Francisco Carlos faz questão de dizer que tem namorada. Mas o povo não perdoa quando, por exemplo, aparece um casal pedindo uma corrida para um motel. Variações de pilhas do tipo "eles querem ménage, vai nessa, Psico!" pipocam no chat. Profissional, sempre educado e respeitoso, deixa passar.

"Acontecem umas loucuras. Casal se pegando dentro do carro... Procuro respeitar ao máximo e proteger a identidade dos passageiros, mas rolam umas doidices. De certa forma eu mostro isso pra quem não tem noção do que é o dia a dia de um motorista de aplicativo. Nem sempre o que a gente passa é bom. Às vezes pega passageiro ignorante, boçal, que te trata mal. É todo tipo de público, carioca e turista, carente e milionário, simpático e grosseiro."

PsicoDriver na 'pobreta' da Urca, o motorista de aplicativo que faz 'livestream' de suas corridas no Rio - Matias Maxx/UOL - Matias Maxx/UOL
PsicoDriver na 'pobreta' da Urca
Imagem: Matias Maxx/UOL

Natural do Piauí, Francisco morou quinze anos em São Paulo. Quando a empresa de telecom em que ele trabalhava abriu uma filial do Rio, foi transferido, um pouco antes da Copa de 2014. "A cidade vivia bem policiada, tinha tanque de guerra pra tudo que era lado. Tava no início daquele negócio de pacificação, e a cidade tava top. Vim, gostei e me apaixonei, né?"

Psico afirma fazer jus à fama de trabalhador do nordestino. "Sempre que a gente encontra um serviço que dá um dinheiro legal, a gente pega firme. Eu tinha um salário bom, mas não supria." Sempre buscando evolução, Psico procurava coisas para fazer, pintar uma casa, capinar um terreno ou ajudar numa mudança. Até que, em 2016, começou a fazer corridas de aplicativos. Com a pandemia, a empresa começou a definhar. Francisco, então, negociou um acordo para sair, dez anos depois.

Segundo ele, a quebradeira do Rio não impactou muito nos ganhos; já a pandemia, sim. "Tem menos trânsito, a cidade ainda tá muito vazia, mas tem muita corrida porque o pessoal continua se locomovendo, a cidade não para." Francisco diz que um motorista dedicado pode ganhar de R$ 35 a R$ 40 por hora, mas para isso é preciso dedicação e trabalhar ao menos dez horas por dia.

A moda da pandemia

Como todo mundo em 2020, começou um canal de YouTube, postando vídeos e dando dicas para quem quer ser motorista de aplicativo. Após observar colegas paulistanos fazendo streaming de suas corridas, resolveu tentar também — primeiro com uma câmera simples, depois com o celular.

As primeiras transmissões tinham até 10 espectadores, até que um dia, o colega paulistano Henrique, do canal Da Lata Driver, tirou uma folga de seu stream diário e descobriu PsicoDriver. Um post no Instagram divulgando o canal fez o negócio bombar. No mesmo dia, Psico conseguiu os 1.000 seguidores necessários para iniciar a monetização do seu canal. Hoje Psico já bateu recordes de 49 mil visualizações e picos de mil viewers simultâneos.

Ele conta que, por incrível que pareça, a noite é mais tranquila do que o dia em relação a roubo. "Tem os horários de pico: das 17h às 20h rolam mais furtos, e na parte de manhã, das 5h às 8h, também.

"Tive um assalto uma vez. O suporte do aplicativo quanto a isso é péssimo. O seguro me pediu o histórico da última corrida, mas ela sumiu do relatório. Mais um pra estatística."

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Imagem: Matias Maxx/UOL

Alguns dias depois, Psico sofreu uma tentativa de assalto na Dutra. Eram 4h da manhã, mas ele conseguiu se desvencilhar. Mais alguns dias depois, perto de Vigário Geral, foi abordado por um soldado do tráfico. "Ele me parou na pista, perguntou de onde eu era, onde eu morava, e em seguida me liberou. Eu tava ao vivo, e a galera ficou bolada. Infelizmente a galera gosta disso, coisa nova, coisa que chama atenção."

E na comunidade?

Quem conhece a realidade do Rio de Janeiro sabe que entrar numa comunidade filmando é sentença de morte. "Tomo o maior cuidado quanto a isso. O pessoal fica pedindo e eu falo que não tem condição. Estamos no Rio e não em São Paulo."

Mas e as viagens? E quando tem um passageiro saindo ou indo pra uma comunidade? PsicoDriver conta que tira o telefone da visão para não filmar. Quando deixava uma passageira, que saía da FioCruz e ia para o Morro do Dendê, um homem lhe apontou uma arma. "Muita gente que mora no Rio e roda a cidade dirigindo já foi abordado de fuzil. Para quem é motorista de aplicativo, é uma rotina meio que normal."

Terminando o encontro com o repórter, Psico se dirigiu para a Zona Norte da, para encontrar quatro seguidores que há dias vinham lhe prometendo um lanche no McDonald's. Na hora, a live virou uma entrevista com os caras.

O youtuber não para. Por volta das 3h da manhã, transmitindo para 500 pessoas, Psico voltou à pizzaria 24h e reencontrou as meninas paulistas. Enquanto elas bebiam uma caipirinha rosa, acompanhada de amigos com seus chopinhos, trocaram uma ideia com o pessoal do chat e ficaram de marcar uma praia. "Hoje estou maquiada, diferente daquele dia que estava um arregaço", disse uma. "São amigos, gente, tô solteira não tenho porque enganar!", falou a outra. Combinaram uma próxima live "de biquíni".