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Agentes de influencers garimpam likes, gerenciam cancelamentos e dão colo

A assessora de influencers Fabiana Carrazedo: ela se divide entre a Vila Mariana e a cidade de Santos, no litoral sul de São Paulo - Mariana Pekin/UOL
A assessora de influencers Fabiana Carrazedo: ela se divide entre a Vila Mariana e a cidade de Santos, no litoral sul de São Paulo Imagem: Mariana Pekin/UOL

Sibele Oliveira

Colaboração para o TAB

12/04/2021 04h00

Fora da internet, onde fazem sucesso, criadores de conteúdo contam com a ajuda de agentes que prospectam contratos comerciais e oferecem apoio emocional

As notificações não param de apitar no celular de Fabiana Carrazedo, 33. São mensagens que chegam ao WhatsApp dos criadores de conteúdo que ela agencia, de empresas interessadas em contratá-los para campanhas comerciais e de outros parceiros com quem trabalha. É no meio dessa chuva de gente querendo falar que ela recebe a reportagem do TAB, numa manhã de quinta-feira, em um de seus dois escritórios — na Vila Mariana, em São Paulo. O outro fica em Santos.

Fabiana fala sempre sorrindo, mas garante que convencer as marcas a contratar influenciadores digitais requer habilidade e conhecimento do mercado, pois a concorrência é grande — principalmente depois da pandemia, quando muitos brasileiros viram as redes sociais como uma saída para a crise financeira.

Jogo de cintura

Cabe a um agente de influenciadores provar que seus clientes trarão a visibilidade que as marcas buscam na mídia, uma habilidade que Fabiana, que é publicitária, começou a construir quando trabalhou num veículo de comunicação. Lá, ela enxergava oportunidades comerciais para blogueiros que não negociavam com as marcas. Ao mesmo tempo, via os criadores de conteúdo ganharem destaque na internet. "Aí eu vi o universo se formando", recorda. Pediu demissão em 2016 e criou a agência Noá.

Um dos influenciadores do seu casting exclusivo é Fernando Escarião, 28, que considera indispensável ter um agente. "A profissionalização do criador de conteúdo vem muito de ter alguém ali fechando os negócios, tocando a parte financeira. Sozinho, eu não ganharia o que ganho, não teria projeção", acredita ele, que tem mais de 450 mil seguidores no YouTube e mais de 400 mil no Instagram. Só assim, acrescenta, sem se preocupar com a burocracia, é possível ter a cabeça fresca para produzir conteúdo.

A assessora de influencers Ana Paula Passarelli, em seu escritório na Vila Madalena, em São Paulo - Mariana Pekin/UOL - Mariana Pekin/UOL
A assessora de influencers Ana Paula Passarelli, em seu escritório na Vila Madalena, em São Paulo
Imagem: Mariana Pekin/UOL

Mais do que cifras

Fabiana aprendeu na prática que não basta negociar contratos e fechar novas campanhas para seus agenciados. Os influenciadores passam por crises de criatividade, têm uma preocupação constante com o engajamento e ficam estressados quando o cliente muda tudo em cima da hora ou exige que o trabalho seja refeito várias vezes. Sem contar os haters que surgem do nada, os cancelamentos e os problemas emocionais que interferem no processo de criação.

Eles querem ouvir opiniões sobre o conteúdo e também conversar sobre o que os aflige, mas nem sempre agentes e influenciadores concordam. Escarião, que já trabalhou com outros profissionais antes, conta que essa relação também é feita de discordâncias. "Às vezes a gente produz um conteúdo, quer comunicar com outra vertente e dá um choque com o agente porque ele sabe que se deixarmos de fazer aquilo, várias oportunidades de negócio serão fechadas. Já tive alguns choques de ideias."

Emoções equilibradas

Para Fabiana, além de competências técnicas, os agentes precisam desenvolver as emocionais, para não ver os criadores de conteúdo apenas produtos, mas também como seres humanos. No fim das contas, são elas que ajudam o profissional a enfrentar crises que podem acontecer com uma palavra mal colocada pelo influenciador ou uma atitude reprovada pela comunidade. Nessas horas, é papel do agente apontar erros, sugerir que o agenciado peça desculpas publicamente e mude de comportamento.

Habilidades emocionais são vitais também em outras crises, como a pandemia. No início, Fabiana se viu obrigada a cortar despesas, pois algumas campanhas que tinha fechado foram canceladas ou adiadas. Abalados e inseguros, os influenciadores não conseguiam criar conteúdos como antes. Muitos foram para suas cidades ficar junto com as famílias e a agente dividiu com eles angústias e incertezas à distância. Mas o mercado não demorou a reagir e, hoje, está aquecido.

Fabiana Carrazedo e o perfil de Instagram da agência Noá - Mariana Pekin/UOL - Mariana Pekin/UOL
Fabiana Carrazedo e o perfil de Instagram da agência Noá
Imagem: Mariana Pekin/UOL

Diversidade e responsabilidade

A parede do escritório de Ana Paula Passarelli, 36, é estampada com fotos dos quase 50 criadores de conteúdo que fazem parte do casting exclusivo da agência Brunch, da qual ela é COO. Segundo Passa, como é conhecida, são influenciadores digitais que formam um retrato do Brasil.

Formada em moda, Passa foi gerente de marketing de grandes empresas e sempre trabalhou com influenciadores digitais. Os 14 anos de estrada na internet deram a ela a certeza de que o número de seguidores não é tudo. Uma de suas agenciadas, a Blogueira de Baixa Renda, foi convidada a integrar o casting da Brunch quando tinha menos de 10 mil seguidores. Hoje, tem 200 mil seguidores no Instagram e quase 300 mil no YouTube.

Nathaly Dias, 28, começou a produzir conteúdo para a internet porque estava cansada de ver corpos sarados, viagens perfeitas e vidas de conto de fadas nas redes sociais. "Cadê eu na internet, o pessoal pegando ônibus lotado, sofrendo para pagar as contas? Fiquei meio indignada. Por isso, comecei a mostrar a minha realidade", lembra.

Segundo a agente, o que conta mesmo é ter um discurso responsável e ser desprovido de preconceitos. Uma preocupação que faz sentido, pois, de acordo com uma pesquisa recente do Ibope, 52% dos internautas brasileiros seguem pelo menos um influenciador digital. Algo que muitos jovens e iniciantes não conseguem entender, ela diz. Por isso, ficam ansiosos para criar vídeos virais e ver o número de seguidores decolar. Acreditam que essa é a receita para ganhar dinheiro de um jeito rápido e fácil.

Passa diz que fica com o coração apertado vendo as centenas de influenciadores que batem à sua porta em busca de um lugar ao sol na internet. Não com os que chegam exalando vaidade por terem muitos seguidores, em busca de fama e presentes das marcas. Mas com os que realmente têm potencial. "É muito difícil dizer não para eles. Mas só tenho dois braços e uma cabeça. Meu time tem 15 pessoas pra atender quase 50". Para que esses sonhos não morram, ela e algumas de suas criadoras de conteúdo fazem mentorias, a fim de que as pessoas saiam de lá pelo menos com um norte de como sobreviver das redes sociais.

Desvalorização do trabalho

No meio da entrevista, Passa se levanta pega um livro na prateleira. Volta com um exemplar de "No enxame: perspectivas do digital'', do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han. "Esse livro é uma porradaria na cabeça. Ele fala que estamos cansados porque viramos a sociedade do desempenho, que está sempre protagonizando, aparecendo, buscando palco para os nossos ideais", resume. Ela vê com preocupação o fato de o poder de comunicação estar, eventualmente, nas mãos de pessoas despreparadas.

Menciona também uma consequência inevitável de tudo isso: a precarização do trabalho, já que cada um cobra o que quer e muita gente trabalha para ganhar qualquer coisa, como uma peça de roupa ou uma cesta de café da manhã. Uma autoexploração que ficou ainda mais evidente na pandemia. Passa opina que o problema não é só a categoria não ter um piso salarial. Para a especialista, ainda falta ética e uma postura mais colaborativa na internet.