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CPIs não dão resultado? Relembre o que ocorreu depois de algumas comissões

Emanuela Medrades, diretora técnica da Precisa Medicamentos, durante depoimento à CPI da Covid em 13 de julho - Marcos Oliveira/Agência Senado
Emanuela Medrades, diretora técnica da Precisa Medicamentos, durante depoimento à CPI da Covid em 13 de julho Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado

Plínio Lopes

Colaboração para o TAB, de São Paulo

16/07/2021 04h01

A CPI da Covid não sai dos jornais, da televisão e, principalmente, das redes sociais. Dados do Google Trends mostram que o termo "CPI" está batendo recordes de buscas na plataforma: maio, junho e julho de 2021 têm o maior número de pesquisas pela sigla desde 2006.

A audiência da TV Senado, que transmite as reuniões da CPI ao vivo, triplicou em junho. Já o canal no YouTube do Senado acumula 42,6 milhões de visualizações nos dois primeiros meses da CPI. A média é de 591 mil visualizações por dia, 13 vezes maior do que a média anterior.

Pesquisa do Datafolha mostrou que 82% dos brasileiros acreditam que o Senado agiu bem ao abrir uma CPI. Porém, a imensa maioria (57%) acreditava que a CPI iria "fazer apenas uma encenação sem chegar a nenhum resultado". Mas o que leva as pessoas a desacreditarem do resultado?

Bom, uma CPI conseguiu derrubar um presidente. No final de maio de 1992, o empresário Pedro Collor deu uma entrevista que mudaria a história. À revista Veja, ele afirmou que o tesoureiro de campanha Paulo Cesar Farias, o PC Farias, servia como "testa de ferro" do presidente Fernando Collor de Mello, irmão de Pedro, e que o presidente iria sair mais rico do governo do que quando entrou.

O ex-tesoureiro de Collor, PC Farias, depõe no início da CPI, em 9 de junho de 1992 - Lula Marques/Folhapress - Lula Marques/Folhapress
O ex-tesoureiro de Collor, PC Farias, depõe no início da CPI, em 9 de junho de 1992
Imagem: Lula Marques/Folhapress

O que houve depois da entrevista? A entrevista representou a denúncia que faltava para movimentar os bastidores para a criação de uma CPI. Na época, a reprovação de Collor (48%) já era maior que sua aprovação (15%), de acordo com o Datafolha. Dias depois da denúncia, a PGR (Procuradoria-Geral da República) determinou que a Polícia Federal instaurasse um inquérito para apurar supostos crimes. No embalo, líderes de diversos partidos construíram um acordo para criar uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito).

Aonde chegou a comissão? A princípio, a CPI do PC Farias, como ficou conhecida, não investigava Collor diretamente, apenas seu entorno, mas o desenrolar das descobertas implicaram Collor. Em seus depoimentos, pessoas próximas ao presidente, como a secretária pessoal Ana Maria Acioli e o motorista Eriberto França, contaram que buscavam dinheiro em empresas de PC Farias e pagavam contas pessoais de Collor. Um dos episódios mais famosos da CPI foi a descoberta de um cheque fantasma que teria pago um carro Fiat Elba.

Deu impeachment? Quase lá. Em agosto de 1992, o relator da comissão, senador Amir Lando (PMDB-RO), entregou o relatório final das investigações. Ele concluiu a peça dizendo que os fatos descobertos "contrariam os princípios gravados na Constituição, sendo incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro do cargo de Chefe de Estado".

Isso não está contemplado na descrição dos crimes de responsabilidade? Exatamente. Não por acaso, "dignidade, honra e decoro" são os mesmos substantivos usados na Lei do Impeachment que podem levar à destituição do presidente. "Ao qualificar a conduta do presidente como violação a um dispositivo específico da Lei do Impeachment, o relatório entregou à OAB o fundamento que ela procurava para a denúncia", explica Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), em seu livro recém-publicado. "Como remover um presidente".

Em Brasília, Eriberto Freire França, motorista da secretária pessoal de Fernando Collor, Ana Acioli, que revelou à revista IstoÉ que empresas de PC Farias faziam depósitos em conta bancária usada pela secretária para pagar as despesas do presidente - Eugenio Novaes/Folhapress - Eugenio Novaes/Folhapress
Em Brasília, Eriberto Freire França, motorista da secretária pessoal de Fernando Collor, Ana Acioli, que revelou à revista IstoÉ que empresas de PC Farias faziam depósitos em conta bancária usada pela secretária para pagar as despesas do presidente
Imagem: Eugenio Novaes/Folhapress

Apoiador até a última hora: Roberto Jefferson (à esq.) cumprimenta o então presidente Fernando Collor de Mello, alvo de processo de impeachment depois de uma CPI - Ricardo Stuckert Filho/O Globo - Ricardo Stuckert Filho/O Globo
Apoiador até a última hora: Roberto Jefferson (à esq.) cumprimenta o então presidente Fernando Collor de Mello, alvo de processo de impeachment depois de uma CPI
Imagem: Ricardo Stuckert Filho/O Globo

Quais foram as consequências? Dias depois, o pedido de impeachment foi protocolado na Câmara e citava o recebimento de vantagens indevidas, o tráfico de influência de PC Farias, as mentiras contadas por Collor em pronunciamentos e o dispositivo da Lei de Impeachment — justamente o que fora levantado na CPI. "Teve um item destacado no relatório chamado 'Fernando Collor de Mello'. A CPI foi muito determinante para o impeachment. Não só para o impeachment, mas também para a denúncia criminal contra Collor", avalia Mafei. Collor renunciou no dia em que o Senado votaria sua cassação, mas mesmo assim o processo o impediu de ocupar cargos públicos por oito anos.

Então as CPIs dão em algo. Pois é. Mas algumas nem chegam a ser finalizadas, como foi o caso da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) do Banestado, aberta em 2003 para apurar a responsabilidade sobre o envio de dinheiro sem declaração — conhecido como evasão de divisas — para paraísos fiscais. Depois de 18 meses de investigações, o relator deputado José Mentor (PT-SP) apresentou o parecer final pedindo 91 indiciamentos, incluindo o do ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, do ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, e do dono das Casas Bahia, Samuel Klein. Mesmo finalizado, o relatório nunca foi votado pelos membros da CPMI por falta de quórum e pelo fim do prazo. À época, o então presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Roberto Busato, afirmou que a investigação terminou "em clima de pizza, de festa, em clima de Natal". O Ministério Público Federal também investigou o caso, mas os políticos citados no relatório da CPI não chegaram a ser presos.

Qual foi a de mais impacto, depois da CPI do Banestado? A CPMI dos Correios foi instaurada em junho de 2005 com o objetivo de apurar denúncias de corrupção na empresa. O estopim do caso veio com a publicação de um vídeo mostrando um funcionário dos Correios recebendo R$ 3 mil de uma pessoa que se passava por interessada em uma licitação e mencionando o então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ). Para se defender das acusações, Jefferson deu uma entrevista à Folha de S.Paulo denunciando o pagamento de uma mesada — o "mensalão" — para deputados que votassem a favor das propostas do governo Lula. Ele acusou vários ministros e lideranças do PT, como o ex-tesoureiro Delúbio Soares, o ministro da Casa Civil José Dirceu e Antônio Palocci, ministro da Fazenda, de terem conhecimento do esquema.

O relator da CPI dos Correios, Osmar Serraglio (ex-PMDB-PR) e o presidente da Comissão, Delcídio Amaral (PT-MS), em 2005 - Jorge Araújo/Folhapress - Jorge Araújo/Folhapress
O relator da CPI dos Correios, Osmar Serraglio (ex-PMDB-PR) e o presidente da Comissão, Delcídio Amaral (PT-MS), em 2005
Imagem: Jorge Araújo/Folhapress

O que aconteceu depois? Com a entrevista de Jefferson, a CPMI que deveria investigar apenas as denúncias dos Correios foi deslocada para o suposto mensalão. Parlamentares tentaram manter o foco das investigações e criaram a CPMI do Mensalão, que deveria investigar apenas a compra de votos. Porém, como a CPMI do Mensalão não foi pra frente, a dos Correios se sentiu obrigada a aumentar seu escopo. O relatório final da CPMI foi aprovado em abril de 2006 e pediu o indiciamento de 118 pessoas. Entre eles José Dirceu, Marcos Valério e Delúbio Soares. "A CPMI dos Correios desgastou o PT, botou lideranças do partido dentro do mensalão e derrubou ministros", avalia Paulo Gracino Junior, professor de Sociologia Política da Universidade Candido Mendes.

Alguém foi preso? A Procuradoria-Geral da República denunciou 40 pessoas ao STF (Supremo Tribunal Federal). Apenas em 2012, 25 dos 40 denunciados foram condenados. Mesmo com os recursos, o tribunal manteve a condenação de 24 pessoas. A demora na condenação dos indiciados também passa a impressão de ineficiência. "Depois que sai do holofote da mídia, um indiciamento ou uma prisão por conta das CPIs pode demorar anos e anos. E as pessoas comuns vão tocar a vida delas, não vão acompanhar o desdobramento das investigações", explica Gracino Junior.

E o que houve com a do Mensalão? Ela durou de julho a novembro de 2005, sem aprovar um relatório final. Os deputados e senadores afirmaram que precisavam de mais tempo para concluir as investigações, mas não conseguiram reunir as assinaturas suficientes para dar mais tempo de vida à comissão.

Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária de Marcos Valério, durante depoimento na CPI do Mensalão, em 2005 - Lula Marques/Folhapress - Lula Marques/Folhapress
Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária de Marcos Valério, durante depoimento na CPI do Mensalão, em 2005
Imagem: Lula Marques/Folhapress

Além de indiciamentos, o que mais uma CPI pode fazer? Algumas têm resultados não tão diretos. A CPI da Pedofilia, que funcionou entre 2008 e 2010, gerou projetos de lei que endureceram a pena para quem produzir, vender ou armazenar pornografia envolvendo crianças e adolescentes e tornou o abuso sexual de menores crime hediondo. Além disso, possibilitou a criação da lei 12.650 de 2012, apelidada de "Lei Joanna Maranhão", que estabelece que o prazo de prescrição do crime de abuso sexual de crianças e adolescentes comece a ser contado quando a vítima completa 18 anos — isso possibilita que as vítimas tenham mais tempo para denunciar seus abusadores.