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Como a série 'La Casa De Papel' mudou a vida de um locutor brasileiro

Fernando Monezzi, 45, é locutor e sósia por acidente do personagem Professor da série "La Casa de Papel" - Rogerio Fernandes/UOL
Fernando Monezzi, 45, é locutor e sósia por acidente do personagem Professor da série 'La Casa de Papel'
Imagem: Rogerio Fernandes/UOL

Marie Declercq

Do TAB, em São Paulo

28/10/2021 04h01

"Já tem um pessoal olhando...", avisa Fernando Monezzi, locutor e editor de 45 anos. O café está lotado e é difícil de saber o que se passa em cada mesa — todos os ocupantes presos em sua próprias realidades —, mas aos poucos brilha nas mãos de alguém um celular aqui, outro ali, apontados na direção do narrador. O casal da mesa vizinha deixa escapar: "mas é ele mesmo?".

Monezzi veste camisa cinza e gravata preta. Seu rosto é moldado por cabelos negros e lisos, cortados em camadas, e óculos de aro preto, estilo anos 1970. Quando ele tira a máscara preta para beber um suco, não resta nenhuma dúvida entre quem estava de olho: está entre nós o ator Álvaro Morte, conhecido por dar vida ao personagem Professor na série — e febre mundial — "La Casa de Papel".

Vencidos pela agitação, o casal se aproxima com o celular na mão, finalmente pedindo um autógrafo. Monezzi tira do bolso seu cartão de visitas — uma nota falsa de 500 euros com uma ilustração do seu rosto — e estende ao casal. "Pode autografar aqui que você é o Álvaro Morte", pede o homem. "Porque você é o Álvaro, né?"

Não dá para negar, não é loucura coletiva. Fernando Monezzi é quase cópia perfeita do ator espanhol, ao ponto de causar sentimentos de estranheza, como se você estivesse vendo um fenômeno que não deveria estar ali.

O sósia brasileiro do Professor sorri com o reconhecimento. É visível que ele gosta da atenção, mas logo cobre o rosto com a máscara. Afinal, ainda estamos vivendo uma pandemia. "Somos 'la resistência'", entona, com a voz grossa, despedindo-se de uma funcionária do café abarrotado no bairro da Liberdade, impressionada também com a semelhança.

Querida, virei sósia

Até 2019, a vida do locutor era relativamente pacata. Nascido e criado em Bragança Paulista (SP), Monezzi ganhava a vida com sua voz e edição de vídeos. Antes da pandemia, gostava de viajar com a esposa para um destino diferente, todo ano. O máximo que já sentiu do gosto da "fama" foi quando apresentou um programa da TV local, conhecendo baladas do interior de São Paulo, e quando começou a emprestar sua voz aveludada para a narração do programa "Largados e Pelados" do canal Discovery.

Em meados de 2018, quando a série "La Casa de Papel" conquistara o amor do mundo inteiro, transmitida pela Netflix, sua família o alertara da semelhança com o protagonista. Na época, não deu muita bola.

Pouco depois, viajando pela Itália, percebeu que as pessoas o olhavam diferente e até tiravam fotos escondidas em restaurantes e no aeroporto. Italianos apareciam arriscando um espanhol com ele. Tudo por causa do cabelo e barba que, sem perceber, eram idênticos aos do ator. "Lembro de entrar em um avião e todo mundo me encarar. Só não enganei muito porque viajei na classe econômica. Me descobriram pela minha pobreza", brinca.

Meses depois, já isolado em casa por causa da pandemia, Monezzi passou a investir mais no hobby de sósia do Professor. Gravou lives, tirou fotos emulando o personagem e abriu um TikTok para gravar vídeos curtos. A brincadeira ficou mais séria quando decidiu se inscrever em um concurso de cosplay promovido pela Comic Con Experience, em 2020 (a edição foi 100% digital).

O fantástico mundo dos sósias

Para surpresa de Monezzi, o concurso lhe rendeu um prêmio de segundo lugar. Por um curto tempo, os louros da vitória geraram uma pequena polêmica dentro da comunidade cosplayer. Para alguns entusiastas, o locutor só levou por causa da vantagem física e não no empenho na confecção do figurino. No entanto, garante o locutor, para ganhar é necessário passar pelo crivo dos juízes e responder a uma série de perguntas que determinam a qualidade do cosplay.

Na preparação para o concurso, Monezzi decidiu não confiar apenas na genética e passou um período absorvendo as características do Professor. Fez a mão e, sozinho, a maquete de papel do Banco Central de Madri. Construiu um cenário, aprendeu a caligrafia do personagem que aparece no quadro branco e maratonou a série toda cinco vezes para estudar os trejeitos do ator. Isso sem contar o apuro com roupas, óculos e uma réplica do relógio usado pelo personagem, com os ponteiros fixados na hora exata que o objeto aparece em cena.

Foi assim que o locutor entrou no universo dos sósias, ofício curioso que virou ganha-pão de milhares de brasileiros (na vida real e na vida digital), que emulam desde a cantora Sandy, a atriz norte-americana Angelina Jolie e jogadores de futebol. "Me colocaram em um grupo de WhatsApp dos sósias. Tem muita gente batalhadora ali, que rala muito e que até se colocou em risco durante a pandemia para se sustentar", elogia.

Recentemente, depois de participar de uma sessão fotográfica com Eigon Oliveira, sósia de Neymar Jr., topou o convite de gravar um vídeo curtinho de TikTok dançando com o colega. O vídeo já conta com 5 milhões de visualizações — juntando republicações alheias, já foi visto pelo menos 60 milhões de vezes — e rendeu até notinhas em veículos de outros países, referindo-se aos dois como as "versões verdadeiras".

"Dá até um pouco de medo, porque essas coisas vão saindo do controle. Quando você vê, tem gente te mandando mensagem falando que te ama, achando que eu sou o verdadeiro Álvaro Morte", conta.

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Fernando Monezzi posa como o Professor ao lado dos turistas irlandeses Gary Brien (esquerda) e Ella Villegas
Imagem: Rogerio Fernandes/UOL

'Claro que é ele'

Os relatos de Monezzi parecem até um pouco exagerados, mas a impressão se esvai depois que sua máscara caiu de novo, desta vez em uma das ruas do bairro da Liberdade. Em segundos, todos os olhos se voltaram para o locutor caminhando pela rua.

"Mas é ele mesmo? Não, não pode ser!", disse Ella Villegas, 24, para o namorado Gary Brien, 27. De passagem pelo Brasil, os turistas irlandeses perderam minutos discutindo entre si. Abismado, Brien perguntou ao TAB se realmente era um sósia.

Satisfeito com a confusão mental, Monezzi até tenta sustentar por algum tempo a ideia de que é a versão original do professor. Mas logo abre um sorriso e estica seu cartão de visitas.

Perto da estação de metrô, duas adolescentes trajando roupas no melhor estilo "jovem tiktoker" se aproximam ofegantes, pedindo fotos. "Claro que sou fã, né?" — uma delas revira os olhos, ao ser perguntada sobre a série. "Fiquei chocada com a morte de um dos personagens que aconteceu agora", comenta, analisando a foto que acabou de tirar do sósia.

Desde que seus vídeos e fotos passaram a rodar as redes, Monezzi recebeu convites para participar de eventos como sósia oficial do Professor — um deles, no longínquo Qatar. Apreensivo, admite que tem medo de assumir para si esse novo ofício por questões legais (não quer ter problemas com a Netflix e com o próprio ator).

"Eu não pretendo ser o Álvaro Morte e muito menos queimar o filme dele. Essas coisas tendem a sair do controle", justifica. O locutor conta que está há dois anos tentando entrar em contato com Morte, mas nunca teve resposta.

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Monezzi já está se preparando para participar pela segunda vez no concurso de cosplay promovido pela Comic Con Experience no Brasil
Imagem: Rogério Fernandes/UOL

'O Brasil já deve conhecer minha voz'

Monezzi cresceu correndo pelos corredores da principal rádio da sua cidade natal. O pai, técnico em eletrônica, ajudou a montar a primeira rádio FM bragantina. Foi assim que nasceu seu sonho de ser locutor de rádio.

Enquanto a locução não chegava, trabalhou como DJ até o começo dos anos 2000, tocando em baladas variadas pelo estado. Quando parou, gravou locuções em um CD e o distribuiu em diversas rádios da capital. Recebeu uma cartela de "nãos" até ser chamado pela produtora que cuida dos programas do canal Discovery como narrador.

"Estava me tremendo inteiro no primeiro", relembra. Para prosseguir, contou com a ajuda do dono da produtora Vox Mundi, Valvênio Martins. Nos últimos 15 anos, a voz aveludada de Monezzi entrou nos ouvidos dos espectadores do Discovery. No entanto, conta, seu grande presente foi um dos maiores hits da TV por assinatura, o programa "Largados e Pelados".

O reality show entrega exatamente o que o nome sugere. Os participantes são largados nus na natureza inóspita e precisam sobreviver sem ferramentas e outras modernidades. O programa é tão adorado que conta até com fã-clube, que aumentou ainda mais depois que a Band comprou os direitos para exibi-lo, mantendo a narração do bragantino. "O Brasil já deve conhecer minha voz e agora que viu meu rosto, bugou", diz.

Por ora, está apenas surfando a onda, divertindo-se com a fama inusitada e driblando convites profissionais. "Já vieram algumas mulheres me convidando para eventos, mas não aceitei por causa da pandemia, já que preciso ficar sem máscara. Só que você vê ali que tem uma segunda intenção", contou.

Casado há mais de 13 anos, disse que a esposa às vezes brinca que vai tirar sua barba e acabar com a brincadeira. "Não recebi nenhum convite para fazer pornô. Ainda bem."