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Fila para ver Cunha: a noite de autógrafos de 'Tchau, querida', no Rio

Eduardo Cunha e sua filha, Danielle, na noite de autógrafos de "Tchau, querida", no Rio - Valmir Moratelli/UOL
Eduardo Cunha e sua filha, Danielle, na noite de autógrafos de 'Tchau, querida', no Rio
Imagem: Valmir Moratelli/UOL

Valmir Moratelli

Colaboração para o TAB, do Rio

27/11/2021 11h54

De posse de uma caneta Montblanc, num modelo que custa em média R$ 3.000, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha autografava "Tchau, querida - Diário de um impeachment" na noite de sexta-feira (26), numa livraria do Shopping Leblon, na zona sul do Rio. "É o que mais ganhei na vida, canetas. Tenho várias dessas, escreve macio", explicou ele à reportagem de TAB.

Após turnê de lançamento por São Paulo, Goiânia e Brasília, foi a vez de marcar território no estado que o elegeu deputado estadual (2001-2003) e sucessivas vezes deputado federal (2003 a 2016). Acompanhado da mulher, a jornalista Cláudia Cruz, Cunha chegou quarenta minutos antes do horário marcado com a livraria ainda deserta, a tempo de uma conversa reservada.

O ex-deputado, cassado e inelegível até 2027, não se mostrava apreensivo com a possibilidade de repetir o fiasco de 25 de outubro, em São Paulo, quando vendeu míseros nove exemplares. "Aqui o povo diz que vem e aparece! A gente demorou a marcar no Rio por causa da pandemia, demoraram para flexibilizar as coisas", disse.

Ao longo da noite foram chegando curiosos, ex-políticos do interior do Estado e novatos candidatos das próximas eleições. Se não foi prestigiado por figurões da política nacional, o beija-mão rendeu ao ex-cacique do MDB a venda de 78 exemplares e momentos curiosos.

Enquanto a fila andava (pouco), um grupo de cinco homens fez uma roda, de mãos dadas e olhos fechados, para orar pela saúde de um deles, de muletas. Tudo comandado por Lacy Camargo, assessor legislativo da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), que preferiu se identificar como pastor da igreja evangélica Exército da Salvação de Rio Comprido.

Em outro momento, um casal que passeava entre as estantes notou o burburinho. "Quem tá lançando livro?", quis saber a moça. Ao perceber de quem se tratava, puxou o namorado, assustada: "É o diabo, vamos correr!".

Noite de autógrafos do livro 'Tchau, querida', de Eduardo Cunha, no Shopping Leblon - Valmir Moratelli/UOL - Valmir Moratelli/UOL
Noite de autógrafos do livro 'Tchau, querida', de Eduardo Cunha, no Shopping Leblon
Imagem: Valmir Moratelli/UOL

'Jeitinho tinhoso do pai'

A filha do ex-deputado, Danielle Cunha, 34, que o auxiliou nas pesquisas do livro, chegou vinte minutos atrasada. Estava se arrumando, justificou-se. Logo se sentou ao lado do pai para dividir com ele as selfies e os autógrafos. Esqueceu de levar uma caneta, socorrida de imediato com uma Bic azul de um dos que aguardavam na fila.

Danielle candidatou-se ao cargo de deputada federal em 2018. Obteve 14 mil votos. "Ela só não se elegeu pela minha situação naquele ano e por pouca experiência em conduzir a campanha. Mas se elegerá ano que vem", prevê Cunha, que almeja reaver sua elegibilidade na Justiça a tempo das eleições de 2022. Ainda sem partido, quer vir deputado federal por São Paulo.

Além da paixão por política, Danielle afirma que herdou o jeito "tinhoso do pai" e o amor pelo Flamengo. Ambos estão apreensivos pela final da Libertadores neste sábado (27), entre Palmeiras e Flamengo. Cunha evita previsão do placar, mas já faz votos para derrubar outro alguém. "É Flamengo campeão no final de semana e Renato Gaúcho demitido na segunda", diz, em referência ao técnico, que não agrada parte da torcida rubro-negra.

Eduardo e sua filha, Danielle Cunha, em noite de autógrafos do livro 'Tchau, querida' no Shopping Leblon - Valmir Moratelli/UOL - Valmir Moratelli/UOL
Imagem: Valmir Moratelli/UOL

História pregressa

Cerca de um mês depois de ser cassado pela Câmara, em setembro de 2016, Cunha foi preso preventivamente por ordem do então juiz Sergio Moro, nos desdobramentos da Operação Lava Jato. Em março de 2017, Moro determinou sua pena em 15 anos e 4 meses de reclusão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Na segunda instância, a pena foi reduzida para 14 anos e seis meses. Do Complexo Médico-Penal de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, ele foi transferido para a Cadeia Pública Pedrolino Werling de Oliveira, ou Bangu 8, no Rio, em maio de 2019. Dividiu banhos de sol com outros políticos condenados, entre eles o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral.

Em setembro de 2020, recebeu outra condenação: 15 anos e 11 meses pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, pelo recebimento de US$ 5 milhões em propina em contratos de construção de navios-sonda da Petrobras. No começo da pandemia, em março de 2020, a prisão preventiva foi transformada em prisão domiciliar pela 13ª Vara de Curitiba, com objetivo de combater a propagação da covid-19 nos presídios, sob alegação de que ele é idoso (tem 63 anos).

O TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) revogou a prisão domiciliar em abril de 2021, desobrigando-o de usar tornozeleira eletrônica. Desde então, Cunha voltou a frequentar restaurantes entre Rio e Brasília e estádios de futebol. "Graças a Deus, não sofro nada nas ruas. Voo de avião para tudo que é lado, ontem voltei de Brasília tirando selfie o tempo todo. No Twitter, se alguém me perturba, bloqueio", diz ele.

Memórias do cárcere? Não

Cunha conta que esboçou as primeiras das 808 páginas da obra logo depois da cassação do mandato, em 2016. O livro narra os bastidores do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Comemora que não teve, até o momento, dor de cabeça judicial com nomes citados. "Tentei evitar uma enxurrada de processos, até pela forma com que escrevi. Processo já tenho o suficiente para administrar, não queria mais problemas."

Demorou em média uma hora por página, escrevendo oito horas por dia, de domingo a domingo. Na cadeia, não produziu uma linha sequer. "Não escrevi absolutamente nada, por incapacidade técnica. Não teria como escrever à mão, a qualidade da minha letra vai embora depois de cinco linhas, vira letra de médico, nem eu reconheço." Sobre a vivência em Bangu, não pretende passá-la ao papel.

"Isso jamais vou escrever. Escrever memórias do cárcere não é meu objetivo de livro, daquilo não há nada a contribuir para a política."
Desmentiu algumas histórias que circularam, como a de que outros presos teriam vetado que ele apitasse um campeonato interno de futebol, segundo O Globo publicou à época. "Mentira! Esquece! É absolutamente mentira. Em primeiro lugar, fiquei numa ala separada, que só tinha seis pessoas. Quando a gente tinha acesso ao pátio, não havia nem número para formar um time de futebol."

Também negou que recebera regalias alimentares. "Não tinha comida especial, a gente comprava só da cantina. Era sanduíche, biscoito, um troço qualquer... No Paraná, nem isso. Em dia de visita é que recebia comida de familiares, só."

Noite de autógrafos do livro 'Tchau, querida', de Eduardo Cunha, no Rio - Valmir Moratelli/UOL - Valmir Moratelli/UOL
Imagem: Valmir Moratelli/UOL

Volta, querida

Cláudia manteve-se quase o tempo todo a três metros de distância do marido. Perguntada se interferiu na escrita do livro, limitou-se a dizer que não daria entrevista. "Desculpe, a noite é dele. Não quero tirar o foco." Momentos depois, um amigo se aproximou e perguntou: "Vocês não querem jantar depois daqui?". Ela abriu um sorriso: "Você acabou de ler meus pensamentos".

Uma criança correu próximo à fila. A mãe foi atrás gritando: "Volta aqui, querida!". Alguns olharam de imediato, assustados com a frase. Entre os conhecidos que compareceram, Marcelo Mousinho, ex-vereador de Nova Iguaçu (RJ), e Ricardo Mello, ex-prefeito de Mendes (RJ); e o atual advogado de Cunha, Reginaldo Castro.

"É muito bacana ver aqui políticos, pessoas da nossa caminhada de vida", comemorava Danielle. Um dos presentes reclamou da calmaria. "Pensei que teria protesto da esquerda na porta, mas não vi nada." Cunha retrucou: "Pois é, daria uma animada!".

Agora ele prepara "Querida, voltei", do pós-impeachment de Dilma à gestão de Bolsonaro. "Vou responder à biografia do Lula e ao livro da mulher do Moro", antecipa. Danielle sonha que as páginas encantem algum serviço de streaming. "Dá um thriller incrível. Só não sei que ator faria papel do meu pai."

Perto da mesa, ironicamente vigiavam-nos o clássico russo "Crime e Castigo", de Dostoiévski, e o best-seller norte-americano "Indomável", de Glennon Doyle. Na porta de entrada, a biografia de Lula repousava ao lado do seu livro, recém-lançado. Nada mais democrático.

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Imagem: Valmir Moratelli/UOL