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'Blogueirinha das plantas': fícus da moda pode causar danos às ruas de SP

A fícus lyrata virou moda entre fanáticos por plantas, mas pode causar dor de cabeça caso for plantada em calçadas  - Marie Declercq/UOL
A fícus lyrata virou moda entre fanáticos por plantas, mas pode causar dor de cabeça caso for plantada em calçadas
Imagem: Marie Declercq/UOL

Marie Declercq

Do TAB, em São Paulo

27/12/2021 04h00

Desde que apartamentos diminutos foram preenchidos por plantas, flores e todo tipo de verde, uma espécie começou a chamar atenção. Ela é pequena, tem folhas vistosas e brilhosas e é capaz de embelezar o ambiente sem tomar muito espaço. Pra ficar ainda melhor, ela exige poucos cuidados para vingar nos vasos. A Ficus lyrata virou um hit.

O sucesso não é perceptível apenas por meio de reportagens ensinando como cuidar da planta. No Instagram, basta arrastar o dedo pela tela por alguns minutos para encontrar uma fícus sendo estrela (ou coadjuvante) de alguma foto de apartamento.

"Optei pela fícus lyrata porque vi no Pinterest", contou a advogada Clara Coutinho, 32, sobre a pequena árvore que ornamenta sua sala na região central de São Paulo. "Sou uma millennial superinfluenciada pelas tendências da internet [risos]. Em todas as fotos que você vê na rede ela está linda, em um ambiente minimalista em vasos maravilhosos e vivendo super bem em meio a tapetes e sofás de design."

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À esquerda, uma pequena fícus lyrata adorna o apartamento da advogada Clara Coutinho em SP
Imagem: Arquivo Pessoal

Depois de acidentalmente assassinar sua primeira fícus no apartamento antigo, Coutinho fez um curso de botânica para plantas em apartamentos. Foi aí que descobriu um esquema de iluminação que algumas espécies exigem para crescerem felizes. No caso da fícus, é a luz direta.

'Blogueirinha das plantas'

Quem também confirma a paixão pela fícus é Fabiana Oliveira, 29, atendente de uma loja de plantas que existe há sete anos no bairro da Santa Cecília, zona central de São Paulo. "Essa virou blogueirinha, está em todos os lugares", brincou a vendedora. "Agora, durante a pandemia, percebemos que a fícus lyrata e a begônia maculata viraram grandes febres."

No caso da fícus lyrata e das plantas mais vendidas da loja, a vendedora matou a charada sobre a popularidade da espécie. "São tranquilas de cuidar e a fícus se contenta em ambientes com luz direta", explicou. "Porque, você sabe, é difícil um apartamento pegar luz solar direta nesse bairro."

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Fabiana Oliveira, atendente de uma loja de plantas na região central da cidade de São Paulo, mostrou uma fícus lyrata de mais de um metro
Imagem: Marie Declercq/UOL

Da gringa

A espécie Ficus lyrata, também conhecida como fícus-lira, é uma espécie de planta natural do leste do continente africano que se espalha especialmente pelas florestas tropicais da Serra Leoa a Camarões. Ela é parte da família Moraceae, presente também na Ásia, que agrupa mais de mil espécies de árvores, plantas e arbustos. As mais conhecidas são as figueiras e as amoreiras.

Por conta das similaridades, o clima brasileiro se tornou ideal para que as plantas dessa família crescessem saudáveis em diversas regiões.

Não há um registro oficial de quando ou como as fícus chegaram no Brasil, mas quase sempre plantas exóticas chegam por influência humana para fins ornamentais. "É que nem a história do Dom João 6º trazendo a palmeira imperial para o país", explicou Fernando Periotto, biólogo, doutor em ciências e professor na UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos).

A espécie se popularizou no país a ponto de ser raro entrar em uma rua arborizada sem deparar com um exemplar da família Moraceae: a fícus benjamina. Na cidade do Rio de Janeiro, há registros de árvores centenárias desse tipo nas ruas.

No caso da lyrata, a espécie foi popularizada na versão "bambina", sendo vendida em pequenos vasos. Grande parte é cultivada em Holambra, município de São Paulo famoso como polo produtor de plantas ornamentais. Pela demora do crescimento, um vaso dela pode custar de R$ 50 a R$ 600, dependendo do tamanho.

Com preços salgados, a planta acabou se tornando fetiche entre entusiastas da selva urbana. "Não sei como as pessoas pagam R$ 600 em uma dessas", perguntou-se Oliveira, olhando para uma versão de um pouco mais de um metro da fícus-lira que estava sendo vendida a R$ 250 na loja.

Bonitinha, mas ordinária

Para os biólogos especializados em botânica ouvidos pelo TAB, há um problema recorrente nas áreas urbanas do Brasil: muitas espécies exóticas crescendo nas ruas e em pequenos pedaços de terra.

O caso clássico é a palmeira australiana, que virou dor de cabeça na capital paulistana por ameaçar a flora da mata atlântica no Parque Trianon. A solução foi a retirada das palmeiras para não afetar as espécies nativas, o que custou milhões para os cofres públicos.

Na Cidade Universitária, onde fica a USP (Universidade de São Paulo), na zona oeste da capital, um estudo conduzido pelo IB-USP (Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo) identificou milhares de palmeiras da mesma espécie espalhadas pelo campus. Até mesmo na Raia Olímpica da USP, onde as capivaras aproveitam para roer troncos quando os humanos estão recolhidos, as palmeiras invadiram.

No caso da fícus, sua existência não chega a ser tão danosa para a fauna e flora locais. No entanto, a combinação da fícus com o viário urbano é fatal.

Sem limites

"Um dos principais problemas são as espécies de árvores com raízes tabulares, que se desenvolvem acima do solo e acabam quebrando calçadas e tubulações", classificou Maurício Lamano Ferreira, biólogo, mestre e doutor em Ecologia pela USP e professor do Unasp (Centro Universitário Adventista de São Paulo). Ao lado de Periotto e outros especialistas, Ferreira é autor do e-book "Verde Urbano", feito em parceria com a ONU para conscientizar a população brasileira sobre ciências ecológicas. Em casos mais extremos, há relatos das raízes começarem a afetar a fundação de casas e prédios próximos a essas árvores.

calçada - Marie Declercq/UOL - Marie Declercq/UOL
Raízes tabulares da fícus crescem acima acima do solo em busca de água, causando problemas recorrentes no viário urbano
Imagem: Marie Declercq/UOL

Considerando que as tendências são cíclicas, décadas atrás a fícus também virou moda entre paisagistas. No entanto, quando se tornaram grandes para apartamentos, a suspeita é que os donos da planta começaram a plantá-las em calçadas e praças brasileiras.

"Essa questão da fícus e de outras árvores plantadas incorretamente parte do desconhecimento em relação aos vegetais, biologia e também da problemática da gestão ambiental das cidades", explicou Periotto.

Pela falta de informação da Poder Público e da população, são fartas as histórias de moradores reclamando das raízes da fícus quebrando concreto ou atingindo a altura dos postes elétricos. Problemas que exigem a intervenção das prefeituras para retirar as árvores. Há quem considere a espécie uma praga.

"Ela vira inimiga e acaba ocasionando um sentimento na população de que a árvore é um grande problema", lamentou o biólogo. "Mas não é. As cidades são desertos de concreto, o problema não é ela, mas a falta de conscientização geral sobre preservação do meio ambiente no Brasil".

construção - Fábio Braga/ Folhapress - Fábio Braga/ Folhapress
Raízes de ficus causaram dano à construção, a árvore não é uma das espécies indicadas para o cultivo urbano
Imagem: Fábio Braga/ Folhapress

De boas intenções...

Por incrível que pareça, o ato de plantar uma árvore ou uma planta afetiva não é uma atitude incomum nas cidades grandes.
Analisando a biodiversidade de praças públicas da capital paulista, Ferreira e outros biólogos encontraram uma grande variedade de plantas exóticas em comparação aos pedaços de Mata Atlântica, onde se concentram plantas nativas.

"As pessoas se sentem mais estimuladas a plantar em alguns espaços urbanos", explicou o biólogo. "Isso é maravilhoso, mas sem o conhecimento adequado, elas estão plantando uma espécie que pode causar implicações ecológicas."

Muita calma nessa hora

Não é necessário olhar torto para sua fícus lyrata: ela pode perfeitamente seguir ornamentando o apartamento ou jardim. Basta apenas ficar de olho nos animais domésticos e crianças em torno dela, porque a planta é venenosa. E, óbvio, não sair plantando a espécie em qualquer lugar. Até porque a prática é ilegal.

Os botânicos lamentam a falta de informação sobre a fauna nativa no Brasil, que explica em partes a chegada de espécies de outros países. "Temos uma megadiversidade biológica, com uma riqueza imensurável, uma biodiversidade incrível e plantas nativas podem ser cultivadas", relembram os biólogos.

Enquanto isso, a fícus lyrata de Clara Coutinho cresce satisfeita, recebendo banho de luz até o final da tarde. Depois de pesquisar sobre a espécie, a advogada descobriu que é possível podá-la de uma forma que impeça o crescimento da árvore, mantendo-a diminuta como um bonsai.