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Mega reúne galã, bolas francesas, globo de Brasília e auditores populares

Funcionários da Caixa mostram maleta para auditoras populares conferirem as bolas do sorteio das loterias nacionais - Rodrigo Bertolotto/UOL
Funcionários da Caixa mostram maleta para auditoras populares conferirem as bolas do sorteio das loterias nacionais Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Rodrigo Bertolotto

Do TAB, em São Paulo

31/12/2021 04h01

Verônica Oliveira já auditou os sorteios da Caixa "umas quatro ou cinco vezes". A paraibana veio com a caravana do Jardim Tremembé, na zona norte de São Paulo, para ficar na plateia e acabou se voluntariando para conferir lacres, maletas, relatórios e bolas no "Espaço da Sorte", local na Avenida Paulista em que são sorteadas diariamente todas as loterias nacionais, incluindo a Mega-Sena. "Eu confirmo!", repetia a cada checagem solicitada durante a transmissão ao vivo da última quarta-feira (30).

Verônica já participou de eventos com bem menos credibilidade, como "João Kléber Show", com suas pegadinhas e testes de fidelidade, show de variedades que também é televisionado pela RedeTV!, tal como as extrações lotéricas. "Aquilo é uma zoeira. Aqui é diferente. É tão sério que eu me sinto até importante", avalia uma das duas auditoras populares obrigatórias pelo regulamento do banco federal.

Neste dia 31 de dezembro tem bolinha caindo para a Quina, Lotofácil e outros jogos, no cenário montado na sede paulistana da Caixa Econômica Federal. Mas os olhos estão atentos a um sorteio em outro local, onde seis números decidirão que mãos vão pegar o prêmio recorde de R$ 350 milhões da Mega da Virada.

Desde 2009, a Mega-Sena da Virada acontece nos estúdios da Rede Globo na capital paulista. Novamente será apresentado pelo veterano galã Luigi Baricelli e irá ao ar pontualmente faltando quatro horas para o ano seguinte. O sorteio, contudo, tem detalhes que ficam bem longe do conhecimento de quem só pensa em realizar sonhos em forma de Ferraris, arquipélagos, imóveis que formariam cidades inteiras e tantas viagens que seriam necessárias inúmeras encarnações.

O diabo está nos detalhes

As bolas coloridas com os números pesam 66 gramas, têm 50 milímetros de diâmetro e procedência francesa. A cada seis meses, elas são inspecionadas em laboratório do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) para verificar se suas características foram mantidas.

Guardadas em maletas metálicas, depositadas em área vigiada e monitorada, elas só saem de lá para os sorteios. O número da mala e do lacre que fecha a valise são conferidos com os relatórios dos sorteios anteriores em que elas foram usadas. Tudo checado, as bolas são retiradas e colocadas nos globos. Tanto a abertura quanto o fechamento das maletas são transmitidos pelas redes sociais da Caixa.

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A "garota da sorte" Taynara Ramos ajuda nas loterias diárias promovidas pela Caixa Econômica Federal
Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Dentro dos globos transparentes, as pás que misturam as bolas são de acrílico para não ter qualquer interferência magnética com os componentes metálicos dos aparelhos, também fabricado na França. O maquinário funciona automaticamente, e as assistentes de palco só entram em ação se houver algum problema técnico (e necessidade da extração manual), para mostrar a bola para a câmera e para ajudar a esvaziar os globos ao final do show.

"Às vezes sou reconhecida no metrô por alguma senhorinha que me viu no palco", conta Taynara Ramos, que é "garota da sorte" há dois anos. Como nos bingos e nas rifas, mulheres idosas são o público mais fiel do auditório e nas telas das loterias oficiais.

Depois do sorteio e da confirmação local, uma validação é feita na central de loterias em Brasília, onde fica guardado o globo que só é usado na mega da virada — um reserva é levado da avenida Paulista para os estúdios globais para ser utilizado em caso de pane do titular.

Doidinhos do sorteio

Luigi Baricelli, 50, fazia carreira de galã de telenovelas no início do século, até que ficou veterano e enveredou para a função de apresentador de sorteios. Começou em 2008, liderando o "Caminhão do Faustão". No ano seguinte foi escalado para animar o show da Mega da Virada, em seu segundo ano como maior prêmio do país. De lá para cá, ele encarna a última esperança do ano.

No ápice da jogatina, Baricelli toma o papel que é diariamente de outro ator, Antônio Lima. Há dois anos, ele foi escolhido para, de segunda a sábado, ser o mestre de cerimônias dos sorteios da Caixa. "Não há como improvisar, porque tem todo um protocolo nos sorteios. No máximo, falo 'cruzem os dedos', ou 'pode ser agora' na última bola", relata quem já trabalhou no elenco de apoio em séries como "Carandiru" e "Carcereiros".

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Passageiros transitam diante do local que serviu até novembro último como palco para os sorteios da Caixa na rodoviária do Tietê, em São Paulo
Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Ele lidera as transmissões pelo YouTube e Facebook do banco, mas na hora do principal sorteio da noite, a narração é de uma apresentadora da RedeTV!. O canal entra no ar com a loteria oficial diariamente, às 20h.

"Quando o sorteio era na Rodoviária do Tietê, às vezes aparecia algum doidinho gritando, com algum cartaz ou pedindo números. Aqui na Paulista é bem mais tranquilo", lembra a jornalista Fabiana Teixeira que, dia sim, dia não, está no palco anunciando os números sorteados.

Sonhos numerados

No meio do saguão do terminal rodoviário do Tietê, um telão luminoso com a dupla sertaneja Maiara e Maraisa anuncia o "maior prêmio da história" e pede para correr porque são os "últimos dias para apostar".

Seguindo até o fim do corredor, passando pelas barracas de pipoca e castanhas torradas, virando à esquerda, encontra-se um estande desmontado e apagado que mal lembra que ali a sorte dos brasileiros foi jogada por três anos. Tudo entre uma agência do Bradesco e uma lanchonete Giraffas.

Fios, cabos e tomadas estão pendurados no teto. A placa da fachada foi retirada e só sobrou a estrutura metálica. No vitral da frente, que possibilitava que os cardumes de viajantes parassem ali e acompanhassem os sorteios, só ficou um adesivo meio descolado com trevos azuis, emblema das loterias da Caixa, e um totem explicando que parte do dinheiro arrecadado com as apostas é aplicado nos esportes olímpicos e paraolímpicos.

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Verônica Oliveira (esq.) foi uma das "auditoras populares" que checaram a lisura da loteria da Caixa nesta semana
Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

As extrações nacionais mudaram de endereço no último dia 15 de novembro. Agora acontecem no subsolo do edifício da Caixa na avenida Paulista. Mais espaçoso, mais tecnológico e menos frequentado, o "Espaço da Sorte" deve ganhar no início de 2022 um telão perto da calçada para que atraia mais atenção dos pedestres de lá.

Antes disso, os sorteios da Caixa eram feitos pelos "Caminhões da Sorte", que de semana em semana mudavam de cidade para promover os jogos oficiais. Essa lógica itinerante deu lugar à necessidade de transmissão rápida e confiável dos resultados, o que obrigou a definir lugares fixos para os sorteios.

Jogatina histórica

O primeiro registro de loteria do país aconteceu em 1784 em Vila Rica (atual Ouro Preto), criada para levantar fundos para a construção da Câmara e da cadeia pública da então capital mineira. Em 1844, D. Pedro 2º regulamentou os sorteios.

Só em 1961, a Caixa passou a administrar os jogos de azar, e a primeira modalidade foi a "loteria federal". Em 1996, surgiu a Mega-Sena, ganhando em pouco tempo popularidade e premiações polpudas.

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Globo é retirado da sede da Caixa na avenida Paulista para servir de reserva nos estúdios de TV onde acontecerá o sorteio da Mega da Virada
Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Quem não teve sorte na genética ou no destino patrimonial ou matrimonial, tenta nos números encontrar um melhor desfecho em meio à crise geral do Brasil — pela cidade, as filas eram bem maiores nas agências da Caixa para quem estava atrás do Auxílio Brasil (antigo Bolsa Família) do que nas lotéricas.

Para apostar, vale usar datas, placas, documentos, senhas, telefones ou qualquer algarismo escolhido segundo alguma cabala ou estatística particular (o 10, por exemplo, é o mais frequente até agora em megas da virada). O problema é que há mais de 50 milhões de combinações possíveis na Mega Sena, e é mais provável dois raios caírem em sua cabeça num mesmo dia do que acertar os seis números.