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Alckmin fora da disputa foi decisivo para Tarcísio tentar governo de SP

Marcos de Lima/UOL
Imagem: Marcos de Lima/UOL

Felipe Pereira

Do TAB, em São Paulo

09/03/2022 04h01

O carioca Tarcísio de Freitas construiu fama de realizador com obras que abasteceram as redes sociais do governo federal nos últimos anos. A reputação do ministro da Infraestrutura o cacifou para ser o escolhido de Jair Bolsonaro (PL) à candidatura ao governo de São Paulo, estado onde não tem laços afetivos ou profissionais. A ideia, a propósito, não empolgou o ministro inicialmente.

Parceiro em agendas de Tarcísio por São Paulo, o deputado estadual Frederico d'Ávila (PL) contou que ambos ficaram "ressabiados". O ministro discutiu então o assunto com políticos como Delfim Netto (PP), que já foi ministro, deputado federal e embaixador. Ouviu dele que a candidatura decolaria.

Mas d'Ávila conta que a descrença se desfez mesmo com a movimentação política do principal adversário do presidente. A partir da sinalização do ex-presidente Lula (PT) a Geraldo Alckmin (sem partido), de que queria tê-lo como vice, a chance de vitória de Tarcísio passou a ser considerada real. A aliança de Alckmin com o PT deixou órfãos os votos paulistas antiesquerda, explica o deputado estadual.

D'Ávila afirma que o tripé da campanha para conquistar esses votos será agronegócio, infraestrutura e segurança pública — os temas quase coincidem com os grupos que dão sustentação ao presidente.

Mas, ao se aproximar da imagem do chefe, Tarcísio atrai críticas. Bolsonaro é visto por parte da população como o governante que fez pouco caso da pandemia e trabalhou contra a vacinação. O presidente também é autor de declarações machistas, homofóbicas e críticas à urna eletrônica. Ao longo de seu governo, convocou e participou de manifestações de caráter golpista.

Quem convive com o ministro não espera qualquer condenação ao presidente. Além de fiel, Tarcísio é notório admirador de Bolsonaro. Ao TAB, ele disse que evitará bate-boca durante a campanha, mesmo que atacado por rivais. "Não vou entrar na onda de rebater ataques."

Raízes - Ricardo Botelho/MInfra - Ricardo Botelho/MInfra
Adversários dizem que Tarcísio deseja governar um estado com o qual não tem vínculos
Imagem: Ricardo Botelho/MInfra

Forasteiro e sem raízes

Rodrigo Garcia, vice-governador e pré-candidato ao governo de São Paulo pelo PSDB, é o adversário contra quem Tarcísio vai brigar pelo voto antiesquerda.

Aliado de longa data de Garcia, o presidente da Câmara de Vereadores de São Paulo, Milton Leite (União Brasil), diz que é o ministro quem está perdendo o sono. "Estão importando alguém do Rio de Janeiro. Pergunta qual é o time dele. Ele torce para o Flamengo. Pois é! Um carioca querendo governar São Paulo!", declara Leite.

Outro ponto que rivais devem explorar é o ministro jamais ter manifestado intenção de governar o estado. "Vejo o eleitor votando em quem tem compromisso com São Paulo. Não creio em algo artificial, de última hora", ressalta Marco Vinholi, presidente do PSDB de São Paulo.

Deputado federal e uma das lideranças do União Brasil em São Paulo, Junior Bozzella acha possível que a polarização entre Lula e Bolsonaro dê uma vaga a Tarcísio no segundo turno, mas com ressalvas.

"São Paulo é o maior estado da nação, o segundo maior orçamento do Brasil. Não se pode brincar em serviço, achar que é um laboratório. Tarcísio é técnico, está acostumado a estudar problemas, mas governar São Paulo não pode acontecer depois de três meses de estudo. Tem que viver São Paulo."

Junior Bozzella também afirma que os filhos do presidente tentam influenciar o Executivo e não descarta que, na composição do secretariado e na nomeação dos demais cargos de confiança, haja escolhidos indicados pela família do presidente.

"São Paulo já tem a presença do [deputado federal] Eduardo [Bolsonaro]. O Carlos [Bolsonaro] é vereador do Rio e fica mais em Brasília. Já é característica da família ter influência no Executivo."

Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) - Alan Santos/PR - Alan Santos/PR
Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, ao lado do presidente Jair Bolsonaro (PL)
Imagem: Alan Santos/PR

Procura-se marqueteiro

Tarcísio deixa o cargo de ministro em 31 de março e se mudará para São José dos Campos, onde sua irmã mora há mais de 20 anos, para começar a corrida pelo governo. Apesar de não esconder a conexão com o Planalto, o ministro usará métodos diferentes de Bolsonaro na eleição. Enquanto o presidente reluta para fechar com um marqueteiro, Tarcísio tomará outro caminho.

"Sempre bom trabalhar com um profissional que conheça determinadas áreas. Quero trabalhar com profissional de marketing e grandes técnicos."

Campanha  - Ricardo Botelho/MInfra - Ricardo Botelho/MInfra
As agendas do ministro já têm clima de campanha eleitoral
Imagem: Ricardo Botelho/MInfra

Votos do interior

A pesquisa XP/Ipesp de 18 de fevereiro apontou que, num cenário sem Alckmin, o ministro tem 10% e Haddad lidera com 28%. Mas quando o nome de Tarcísio aparece vinculado a Bolsonaro, a intenção de votos sobe para 25%, o que coincide com o eleitorado fiel do presidente.

O resultado foi considerado animador pelo grupo de pessoas que convive com o ministro. A projeção é que o interior faça a diferença na disputa contra Haddad.

Ministra - Ricardo Botelho/MInfra - Ricardo Botelho/MInfra
Apoiado pelo Planalto, Tarcísio visita obra com a ministra-chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda
Imagem: Ricardo Botelho/MInfra

Candidato sem partido

O ministro está em pré-campanha, mas ainda não sabe qual número vai pedir que o eleitor digite na urna eletrônica. Ele tem conversado com o PL, partido de Bolsonaro, e o Republicanos.

Vice-presidente do Republicanos em São Paulo, o deputado federal Celso Russomanno afirma que a filiação de Tarcísio seria muito bem-vinda pela chance de fazer um governador e por turbinar a chapa de deputados. Ele conta que haverá um encontro nos próximos dias.

"Marcos Pereira [presidente nacional do Republicanos] e a executiva do partido, da qual faço parte, encomendamos uma pesquisa qualitativa que vai ficar pronta dia 10 [de março]. A partir daí, vamos sentar para conversar."

O ministro diz que ainda não escolheu o rumo que irá seguir. "O jogo tá aberto, ainda não tomei a decisão." Sobre o nome de vice-governador, declara que não há definição sequer do perfil. Mas Tarcísio considera a confiança como principal ativo que o parceiro de chapa precisa demonstrar.

Tarcísio e Bolsonaro - Ricardo Botelho/MInfra - Ricardo Botelho/MInfra
Tarcísio sobe nas pesquisas quando tem o nome vinculado ao presidente Bolsonaro
Imagem: Ricardo Botelho/MInfra

Quem é Tarcísio de Freitas

Estreante em eleições, o ministro da Infraestrutura fez carreira no Exército. Formou-se em ciências militares pela Academia Militar das Agulhas Negras e em engenharia civil pelo Instituto Militar de Engenharia. Entre 2005 e 2006, atuou na missão brasileira no Haiti como chefe da seção técnica da Companhia de Engenharia.

Tarcísio é flamenguista roxo, mas disse ao TAB que estrategicamente vai se declarar torcedor da Portuguesa em São Paulo. Voltou aos livros de história para entender geografia e conjunturas social e econômica de São Paulo. Também estudou a Revolução Constitucionalista de 1932.

Ele ainda é fã de música sertaneja. Em fevereiro, Tarcísio participou de uma agenda em São José do Rio Preto e seguiu para São Paulo, onde assistiu ao show de 50 anos de Chitãozinho & Xororó. Nas viagens com a equipe do ministério, assume a playlist. "'Arranhão' é campeã nas paradas de sucesso", comenta o "DJ Tarcísio" sobre a música de Henrique e Juliano.

O samba e o pagode aparecem quando Tarcísio está com o cavaquinho na mão, mas ele admite que está longe de ser bom músico. "Você combate a falta de talento pelo mais fácil. Fico na internet buscando músicas que você toca com duas notas, com três notas."

Leilão - Ricardo Botelho/MInfra - Ricardo Botelho/MInfra
Defensor de concessões, ministro participa de sessão pública dos leilões dos terminais portuários
Imagem: Ricardo Botelho/MInfra

O comportamento festivo não combina com o que o ministro carrega no peito — ele já foi visto circulando com um prendedor de gravata em forma de fuzil, logo que ficou clara sua indicação ao governo de São Paulo. Também houve um palavrão durante um discurso. A interpretação foi de que ele estaria imitando o estilo do presidente para atrair o bolsonarista raiz.

Presidente da Comissão de Viação e Transportes, o deputado federal Carlos Chiodini (MDB-SC) afirma que o ministro sempre foi cordato. "Não o considero do grupo ideológico do bolsonarismo. Até porque teve passagem pelos governos Dilma e Temer."

Tarcísio deixou o Exército em outubro de 2008 com a patente de capitão e se tornou funcionário público federal. Entrou para o Executivo em 2011, quando a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) promoveu o que ficaria conhecido como "faxina ética". A medida afetou o Ministério dos Transportes, que era comandado pelo PR, partido que se transformaria no PL e que tem o presidente Bolsonaro como filiado e candidato à reeleição.

No governo Dilma, Tarcísio foi auxiliar e depois Diretor-Geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. Também foi secretário de coordenação do Programa de Parcerias de Investimentos no governo Temer. Ele carrega essa bandeira até hoje e defende repassar a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) à iniciativa privada.

O entorno de Tarcísio não teme que o passado comprometa a adesão do eleitor bolsonarista. Cálculos eleitorais e análises começarão a ser confrontados com o mundo real a partir de abril, quando o ministro muda para São José dos Campos e vira paulista de ocasião.