MELHOR QUE SEXO

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Assexuais

Você imagina uma vida sem sexo? Pois saiba que existe muita gente por aí que não têm o menor interesse nisso. E eles não são celibatários nem puritanos. São os assexuais, pessoas que nasceram sem o desejo de manter relações sexuais e, em alguns casos, nem amorosas. Para eles, comer um bolo, doce que é símbolo dessa comunidade, é bem melhor que transar.

Texto Bárbara StefanelliDesign Mariana Romani

Não tenho interesse ou vontade de sexo. Corro quando alguém cria uma expectativa a mais. Corri a vida inteira.”

Clara*, que prefere não ter o sobrenome revelado, tem 30 anos e nunca beijou nem transou *nome fictício a pedido da entrevistada

Ela começou a brigar comigo. Me chamou de gay, de homossexual.”

Richard Harts da Silva, 27, saía com uma garota e, por volta de três meses de namoro, não teve mais como fugir. Na hora H, depois de muitas investidas, contou para a companheira que não queria transar

Ela começou a brigar comigo. Me chamou de gay, de homossexual.”

Nétto Sanchez, 20, depois de passar por duas psicólogas, chegou até a fazer exames de dosagem hormonal para descobrir se havia um problema com seu corpo. Resultado: tudo em dia

O que os três têm em comum? A completa falta de apetite e interesse sexual. Os assexuais, como se autodenominam, são uma minoria que está começando a ganhar expressão. Em um primeiro momento, pode não ser fácil entender essa forma de vida, mas para começar: é uma questão de identidade e está muito mais próxima de uma orientação sexual do que uma escolha ou fase. É algo que fala mais alto, assim como a sua hetero ou homossexualidade.

“É uma forma de viver a sexualidade caracterizada pelo desinteresse sexual, que pode vir acompanhada ou não do desinteresse amoroso”, explica a pedagoga brasileira Elisabete Regina de Oliveira, autora do doutorado “Minha Vida de Ameba”, defendido em maio de 2015. Durante quatro anos, ela estudou a vida de 40 assexuais, de 15 a 59 anos, e hoje é figura central quando se trata do tema no Brasil.

Elisabete Regina de Oliveira, autora do doutorado “Minha Vida de Ameba”

Se existem muitas pessoas fazendo sexo sem amor, por que não é possível existir amor sem sexo?”

Apesar da lógica da citação, viver sem sexo não é algo muito bem compreendido pela sociedade --e nem por essa repórter, que precisou de uma tarde inteira com Elisabete para começar a entender o tema.

Durante mais de quatro horas de conversa, a pedagoga contou ao UOL TAB que, em nenhum momento de sua pesquisa, encontrou pessoas com algum problema sexual, mas, sim, gente que desde sempre se sentiu assim. “Um assexual não é alguém que entrou em um relacionamento e o sexo não era bom.” Para eles, o coito é uma forma de agressão ao próprio corpo, algo que vai contra a essência deles. Muitos, no entanto, fazem sexo, porque gostam de alguém e querem agradar essa pessoa.

Outros, no entanto, acabam buscando relacionamentos como uma forma de aliviar as cobranças sociais por uma vida como manda o figurino: namoro, casamento, filhos, férias na Disney. Um dos entrevistados de Elisabete até cogitou virar padre para, assim, se livrar das perguntas da família e das suspeitas de que era gay. No fim, acabou se casando com uma colega da faculdade. “Quando eu o entrevistei, ele já estava há seis anos sem fazer sexo com a mulher.”

Corpo em ordem, mente também
NÃO É UMA DOENÇA

Em uma sociedade sexonormativa e hipersexualizada, é estranho, quase inaceitável, acreditar que a ausência de desejo sexual não seja causada por uma patologia ou trauma. Afinal, Freud sempre explicou. Mas para a médica psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, fundadora e coordenadora geral do Prosex (Projeto de Sexualidade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo), a falta de libido pode, sim, ser constitucional da pessoa e nem sempre está relacionada a algum problema físico, como a baixa hormonal --normalmente apontada como uma das principais causas do desinteresse sexual.

“As pessoas que não fazem sexo e não se preocupam ou sofrem por causa disso podem viver a vida delas e não precisam de qualquer intervenção, pois não são passíveis de serem diagnosticadas nem de serem tratadas”, afirma Carmita. Segundo a médica, isso é completamente diferente do caso de quem não consegue ter interesse e sofre, porque gostaria de ter uma vida sexual ativa.

É justamente isso que afirma o DSM, espécie de bíblia dos psiquiatras norte-americanos, em que os mais diversos distúrbios mentais são classificados. Para o DSM, a assexualidade seria o grau máximo do Desejo Hipoativo. Mas só é considerado disfunção quando a pessoa se incomoda. A questão é que é difícil não se incomodar quando se vive em uma sociedade que cobra e estimula tanto o sexo.

Para o psicólogo especialista em sexualidade Breno Rosostolato, de São Paulo, que atualmente atende dois pacientes assexuais, a falta de interesse é realmente uma condição da personalidade.

Eles não se enxergam como patológicos, como se a falta de vontade de fazer sexo fosse algo doentio.”

Além disso, segundo o profissional, existe uma diferença clara entre desinteresse sexual e problema psicológico. “As pessoas não praticam sexo por motivos variados: trauma, porque sente muita dor na penetração, por estresse e ansiedade ou até por questões hormonais, como acontece na menopausa ou andropausa.”

Ele explica que, nesses casos, o motivo fica muito claro durante o discurso na terapia. “O paciente vem à consulta e relata sua frustração de alguma forma. Uns com mais facilidade que outros, claro.”

Assex

Você se enquadra no espectro da assexualidade. Mas vale lembrar que nem toda pessoa que não pratica sexo é assexual. Portanto, se essa questão estiver incomodando, vale procurar a ajuda de um profissional, seja médico ou psicólogo.

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Vida sexual ativa

Sexo e relacionamentos são prioridade na sua vida.

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Preguiçoso

Você não é muito chegado em sexo, mas isso não quer dizer que seja assexual. No entanto, se o pouco interesse por sexo lhe incomodar de alguma forma, vale pesquisar a causa com a ajuda de um profissional, seja médico ou psicólogo.

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Teste elaborado com a consultoria do psicólogo Oswaldo Rodrigues, membro do Inpasex (Instituto Paulista de Sexualidade).

A importância da internet
ELEs NÃO ESTão SOZINHOs

Muito provavelmente este fenômeno não existiria se não fosse pela internet e pelo norte-americano David Jay, fundador da AVEN (Rede de Visibilidade e Educação Assexual) --grande primeira comunidade assexual online. Fundada em 2001, a AVEN, que no começo era apenas um fórum na internet, hoje é uma entidade que luta pelos direitos dos assexuais nos EUA e possui cerca de 90 mil membros ao redor do mundo. O site tem versões traduzidas em mais 15 países.

Em entrevista por e-mail ao UOL TAB, Jay, de 33 anos, conta que descobriu sua assexualidade por volta dos 13 - é normalmente no início da adolescência, quando a maioria dos jovens passa a ter interesse em namoros, que muitos assexuais percebem que são diferentes. “Todos meus amigos falavam sobre gostar de alguém, os adultos me diziam que a sexualidade era algo que começaria a sentir de novas maneiras e isso não acontecia.”

David Jay, fundador da AVEN (Rede de Visibilidade e Educação Assexual) --grande primeira comunidade assexual online

Já da era digital, o então adolescente resolveu fazer um fórum na internet para encontrar outras pessoas que se sentiam como ele. Foi quando criou o site asexuality.org e conversou, pela primeira vez, com outro assexual.

Me senti sozinho por toda a vida e, de repente, alguém me entendeu”

Para Jay, a internet foi o único jeito que a comunidade achou para se encontrar e ainda é onde a maioria das discussões sobre assexualidade está acontecendo. Se não fosse pelas facilidades da rede, talvez muita gente seguiria a vida achando que é de alguma forma doente.

Quando a gente não sente vontade de fazer sexo o que é?“

Foi isso que Richard Harts digitou no Google para pesquisar o que tinha. Assim ele entrou em contato com a definição assexualidade pela primeira vez.

Encontros reais
SAINDO DO ARMÁRIO

Sempre houve pessoas sem interesse por sexo, nem todas pelo mesmo motivo. Mas foi por causa do fundador da AVEN que uma parte passou a saber o que era: assexual. Nos EUA, por exemplo, já existe a Parada da Visibilidade Assexual. Por aqui, o movimento ainda é tímido e o próximo passo é fazer a passagem do submundo das comunidades online e dos grupos no WhatsApp para a “vida real”.

O funcionário público Marcelo de Oliveira, 30 anos, de Belo Horizonte, foi um dos primeiros brasileiros a tomar essa iniciativa. Depois de montar uma comunidade no Facebook, passou a organizar encontros mensais em Minas. Na primeira reunião, foram apenas quatro pessoas e hoje já tem uma média de 15 por encontro. Mas, para ele, o Brasil ainda está “muito atrasado” quando se trata do assunto.

“O pessoal está vivendo na sombra, isolado. Tem uma moça do grupo, ela tem 21 anos, que saiu de casa, porque a mãe e a irmã não aceitaram. Então a gente se sente excluído, porque tem essa pressão pelo sexo”, conta o mineiro com veia ativista, que, através da página Amigos Aces do Brasil, está juntando assexuais de outras regiões do país, para também organizarem essas reuniões. “Um amigo de São Paulo veio a um encontro nosso, ficou com a gente e gostou. Aí ele já organizou um por lá.”

Para Marcelo, o mais importante é os assexuais terem com quem dividir suas experiências, saberem que não estão sozinhos. “Agora em setembro, nosso primeiro encontro vai fazer um ano e estou planejando uma comemoração. Quero convidar amigos assexuais de outros Estados para a gente fazer uma programação ou um debate, ainda estou vendo.” Os detalhes ainda não foram acertados, mas uma coisa já é certa: esse dia com certeza vai terminar em bolo.

Bárbara Stefanelli

Editora-assistente de UOL Mulher, que não é assexual, mas acredita que alguns bolos podem, sim, ser melhores que muita companhia por aí :p

tabuol@uol.com.br

Para se lambuzar

Se você também acha que bolo pode ser melhor que sexo, aprenda esta receita que chega a ser obscena de tão boa que é

Esta reportagem também contou com apoio de:

Flávio Florido, Alexandre C. Mota, Raphael Villar e Rogério Cassimiro, fotografia; João Paulo Santos e Raphael Villar, câmera; Mariah Kay, edição de vídeo; Marcos Farrel, ilustração. Agradecimentos: Luana Davidsohn, Brigadeiro Café, Snooker Pompéia e Elisabete Regina de Oliveira.

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