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Bernardo Machado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Anitta, a juventude e o título de eleitor: os desafios da nova geração

Colunista do UOL

25/03/2022 04h00

Nesta semana, um tweet de Anitta alcançou 242 mil likes. O volume não é necessariamente especial para a artista, mas seu conteúdo, sim. Em tom de brincadeira, ela debochava "Agora é isso hein... me pediu foto quando me encontrou em algum lugar? Se for maior de 16 eu só tiro a foto se tiver foto do título de eleitor". A postagem faz parte de uma campanha encabeçada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para que jovens entre 15 e 18 anos tirem seu primeiro título e votem nas eleições deste ano.

Outros nomes como Juliette e Camilla de Lucas, do BBB 21, e até mesmo o ator estadunidense Mark Ruffalo entraram na onda e postaram convocando a juventude para as urnas.

Sem lenço, sem documento

O empenho ocorre porque, em fevereiro de 2022, o TSE registrou o menor número de adolescentes de 16 e 17 anos com título de eleitor da história. Segundo o tribunal, pouco mais de 10% dos jovens que estarão aptos a votar em outubro têm em mãos o título de eleitor — isto é, algo em torno de 830 mil adolescentes.

Em termos comparativos, nessa mesma época do ano de 2018, mais de 1,4 milhão de pessoas da faixa etária já estavam com os documentos para votar. Antes de acusar a nova geração de irresponsável, vale atinar para suas experiências e desafios específicos.

Quem completa 16 anos em 2022 tinha 12 na última campanha presidencial, fazia 10 no momento de deflagração da Lava Jato, assoprava 9 velinhas no ano de impeachment de Dilma Rousseff e estava com 7 em junho de 2013. Isto é, durante o processo de amadurecimento dessas crianças — que, hoje, são jovens capazes de votar —, o Brasil passava por uma intensa sucessão de eventos conflituosos e de difícil apreensão e leitura.

Se para adultos já é complexo mapear, posicionar e ler os recentes acontecimentos no país, torna-se consideravelmente difícil para essa geração digerir tantos dados na medida em que entram na vida pública. Tratam-se de informações disputadas e repletas de controvérsias que, por sinal, são ainda encapsuladas num vocabulário de difícil navegação.

Bússolas

Os instrumentos disponíveis para essa geração são, ainda, singulares. Conforme pesquisa recente denominada "Juventude e Democracia na América Latina", a formação política da juventude é fragmentada e difusa, geralmente caracterizada por uma compreensão da política como um conflito permanente e direcionado por polêmicas.

Trata-se de uma geração que se formou em paralelo ao crescimento de pessoas como Monark, Felipe Neto e afins. Influenciadores e celebridades que desenham suas posições políticas em momentos de descontração — enquanto falam de jogos e piadas, defendendo uma ideia liberdade de expressão irrestrita.

As políticas de contenção da covid-19 também afetaram as relações intersociais, a circulação de ideias e acrescentaram uma dependência significativa de internet e redes sociais. São jovens que, com o retorno das aulas, passam a experimentar momentos de sociabilidade importantes ao mesmo tempo em que sentimentos como estresse e angústia, característicos dessa fase da vida, ficaram mais acentuados pela crise sanitária.

Erra, contudo, quem pensa que se trata de uma geração desinteressada. Enquanto professor de ensino médio ouço, em sala de aula, dezenas de dúvidas. Há aquelas que versam sobre os eventos mais recentes da história do país: "foi golpe ou Impeachment?", "o que é um impeachment?", "o que foi a CPI da covid?". E há outras que procuram entender o funcionamento do próprio Estado: "o que faz um deputado?", "o que é verba parlamentar?", "o que significa rachadinha?".

Há alguma confusão entre termos como República e Democracia e uma dificuldade na leitura dos artigos da Constituição Federal. Embora saibam das atribuições dos três poderes, nomes como Gilmar Mendes, Arthur Lira ou Damares Alves são desconhecidos e pouco dizem sobre suas funções, atribuições e responsabilidades. Isso não significa que os jovens não queiram conhecer e tampouco que não queiram pensar e participar da vida pública.

Faço votos para que celebridades e influenciadores envolvam essa geração para tirar o título até 4 de maio, o prazo máximo dado pelo TSE. Em seguida, precisaremos profundar o debate político para qualificar os significados e os assuntos que tocam a República.

Um bom voto passa por compreender com profundidade tanto a estrutura do Estado brasileiro quanto os jogos de interesse e de poder que estão emaranhados em nossa forma de organização política e social. Façamos esse debate com a juventude, uma geração capaz de realizar perguntas importantes e hábil em formular novas formas de reflexão e comunicação sobre o país.