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Bernardo Machado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Afronta, deboche e temor: a reação dos jovens à violência contra a mulher

Homens enquadrados na Lei Maria da Penha participam de projeto dentro de presídio de Jundiaí (SP) - Ricardo Matsukawa/Universa
Homens enquadrados na Lei Maria da Penha participam de projeto dentro de presídio de Jundiaí (SP) Imagem: Ricardo Matsukawa/Universa

Colunista do TAB

11/04/2022 04h01

Em junho de 2021, passou a vigorar a lei 14.164, que institui a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher. Parte dos temas levantados — como as formas de violência física, psicológica e patrimonial — recebeu desconfiança, atenção limitada e reflexão rasa, conforme comentários esparsos nas redes sociais. Meninos estudantes usaram esses canais para sinalizar descontentamento com o assunto, oscilando entre a afronta, o deboche e até o temor.

Deve-se considerar que muitas vezes essas postagens são feitas como forma de solidariedade entre pares, mas não deixam de ser indícios para atenção.

A nova legislação se insere num conjunto de políticas para sensibilizar a sociedade sobre violência de gênero. Em países da América do Norte como Estados Unidos e Canadá, programas de atenção a homens autores de violência contra mulheres surgiram no início no início da década de 1980, conforme artigo do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde. No Brasil, as iniciativas começaram nos anos 1990, como aquelas realizadas pelo Instituto NOOS (RJ), o Instituto Albam (MG) e o Pró-Mulher, Família e Cidadania (SP). Grosso modo, esses grupos procuram discutir como homens e suas masculinidades devem se tornar alvo de políticas públicas para coibir formas de violência.

Segundo o texto da nova lei, o propósito é contribuir para o conhecimento da lei Maria da Penha, além de impulsionar a reflexão da comunidade escolar sobre a prevenção e o combate à violência contra a mulher. Os eventos devem ser realizados anualmente, no mês de março, em todas as instituições públicas e privadas de ensino da educação básica. Enquanto os efeitos ainda precisarão ser analisados nos próximos meses, alguns relatos das redes sociais passam a circular.

Mimimi

Da parte dos jovens estudantes, há a percepção de que os direitos das mulheres estão garantidos — elas já podem votar, adquirir propriedade e se divorciar. Além disso, paira uma certeza de que ou casos de violência doméstica não estão próximos ou que não devem ser tratados com o alarde e a ingerência do Estado. Há também uma noção difusa de que a diferença salarial entre homens e mulheres pode ser explicada pela competência individual ou, ainda que exista disparidade, a assimetria estaria num horizonte próximo de ser solucionada.

Não se pode, contudo, homogeneizar o comportamento ou as falas dos meninos. Há quem afronte, questionando os motivos de se tratar do assunto. Para esses, o tema e seu destaque seriam manifestações — um tipo de "mimimi" que privilegiaria as mulheres em detrimento dos homens. O resultado seria, necessariamente, uma nova forma de opressão às avessas.

Outro conjunto de jovens parece debochar da discussão. Nesse caso, a risada, a piada e os memes servem para aliviar o peso da discussão e transformar o que é grave em algo palatável ou contornável.

Por fim, existem aqueles que se calam. Não se sabem exatamente os motivos, mas alguns expressam um temor em cometer algum deslize — realizar alguma pergunta ofensiva ou utilizar um termo impreciso — cujo resultado pode resultar na fama (indesejada) de machista ou sexista.

Em comum, há um incômodo que ora desperta uma reação mais acintosa, ora uma mais quieta. Jovens parecem oscilar entre desqualificar e temer incorrer em erros.

Oportunidade

Podemos encarar essas posturas como mais uma manifestação do machismo entranhado na masculinidade nacional. Contudo, do ponto de vista pedagógico, proponho encontrar nelas uma chance para abordar as masculinidades, suas encruzilhadas e becos. As leituras desses jovens homens — meninos ou rapazes — deve ser tomada como assunto de reflexão: por que estão entendendo o debate nesses termos? Quais efeitos podem gerar? Como produzir estratégias de sensibilização que transformem o incômodo em curiosidade, conhecimento e, quem sabe, mudança?

Talvez seja útil diagnosticar as muitas maneiras de se reagir e, a partir disso, elaborar estratégias de discussão. Reconhecer a violência contra a mulher e as desigualdades de gênero (cada vez mais sutis) como aspectos que prejudicam nossa democracia torna-se uma necessidade republicana. Precisamos construir caminhos e alternativas com esses jovens e para esses jovens. De um lado, para criarem uma postura de alteridade com outras experiências de vida e, de outro, para forjarem alternativas para viverem suas masculinidades sem conivência ou flerte com a violência.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL