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Daniela Pinheiro

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Lavareda: 'As pessoas vão votar em Lula pelo que ele fez, não pelo que faz'

Antonio Lavareda, presidente do conselho do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas) - Carlos Ezequiel/Divulgação
Antonio Lavareda, presidente do conselho do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas) Imagem: Carlos Ezequiel/Divulgação

Colunista do UOL

04/06/2022 04h01

Esta é parte da versão online da edição de sexta-feira (3) da newsletter de Daniela Pinheiro. Na newsletter completa, a colunista fala sobre as críticas a uma youtuber famosa em Portugal, a festança do jornal do Partido Comunista Português e mais. Você pode ler o conteúdo completo aqui (apenas para assinantes). Para se inscrever e receber o boletim semanalmente, clique aqui.

A quatro meses das eleições presidenciais, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, lidera as pesquisas de intenção de voto com vantagem que chega a 21 pontos percentuais sobre o presidente Jair Bolsonaro. Na semana passada, uma pesquisa Datafolha mostrou que Lula surfava em 48% enquanto Bolsonaro pegava jacaré nos 27% — o que apontaria para uma tendência de vitória ainda no primeiro turno.

Na mesma semana, a pesquisa da XP/Ipespe divulgou uma diferença entre ambos de apenas 11%. A discrepância entre os números surpreendeu e levantou, mais uma vez, o debate sobre a precisão, e a manipulação, das pesquisas eleitorais. A essa altura em 2018 — fim de maio, começo de junho —, o percentual do então candidato Bolsonaro não alcançava os dois dígitos.

Na terça-feira (31), a bucólica Praça da Alegria, em Lisboa, estava enfeitada com bandeirolas, barraquinhas e banquetas para a festa junina que homenageia vários santos em Portugal. Ali, conversei com o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, presidente do conselho do Ipespe -- que tem um apartamento na vizinhança --, sobre as razões da divergência nos números, o favoritismo de Lula, o fator do voto envergonhado em Bolsonaro, a influência das redes sociais nas urnas. Enfim, como as pesquisas devem ser interpretadas. A conversa foi editada e condensada para melhor entendimento.

Daniela Pinheiro: Deve-se acreditar nas pesquisas eleitorais?
Antonio Lavareda: Sim. Primeiro porque têm uma base científica. Desde o século passado, toda a expansão do mercado, dos produtos e das marcas, se deu utilizando intensivamente as pesquisas por amostragem. As pesquisas eleitorais não são nada menos do que pesquisas de opinião quantitativa por amostragem. O erro -- e os institutos e a imprensa têm culpa nisso -- é que, durante muito tempo, vendeu-se que as pesquisas eram prognósticos de resultados eleitorais. E as pesquisas de intenção de voto, como a própria palavra diz, apenas medem intenções. Intenções não são atitudes. E o voto em si, efetivamente, é um comportamento. A única pesquisa capaz de revelar uma atitude, um comportamento, é a boca de urna. Entre as intenções manifestadas nas pesquisas e o comportamento dos eleitores na urna, há a influência de uma série de fatores.

A culpa é sempre da imprensa?
Não estou dizendo isso. O fato é que a imprensa convenceu o público de que as pesquisas eram prognósticos, como se fossem antecipações dos resultados das eleições. E os institutos ficaram calados e foram omissos em relação a isso porque era bom para a imagem de todos.

Ainda é assim?
Não deveria ser. As preferências eleitorais estão cada dia mais fluidas, mais voláteis. À medida que se tem uma maior desestruturação dos sistemas partidários na maior parte do mundo ocidental, há mais variáveis. Um exemplo é o voto estratégico, também conhecido como voto útil, que é, sobretudo, propriedade dos sistemas pluripartidários. Para evitar desperdiçar o voto, o eleitor, vendo que sua primeira preferência não tem chance efetiva de vitória, vota em alguém para derrotar o candidato que mais rejeita. Isso é uma variável relevante.

As pesquisas eleitorais são cruciais no voto útil.
Sim, é do que se vale esse eleitor, que assume diferentes tamanhos em diferentes países. É curioso porque é como se o eleitor utilizasse a pesquisa de opinião para modificar a sua própria opinião, seu próprio comportamento eleitoral. E há outros fatores também, como a alienação eleitoral."

O que é isso?
Por exemplo, nas últimas pesquisas do Datafolha, aparecem 11% que dizem votar "em nenhum, branco, nulo e não sabe". Chamemos isso de alienação. Vamos dizer que esse que "não sabe" não vai saber nunca. No Ipespe, na última pesquisa sobre isso, tivemos 5%. Então, 11 a 5. Sabe qual a chance da alienação ser 11 ou ser 5 nas urnas? Nenhuma. A alienação vai ser muito maior que na eleição passada, que já foi alta: 27% no primeiro turno e 28% no segundo. Há os que dizem que parte dessa alienação tem a ver com mortes de eleitores. Vamos lembrar que quase 40 milhões de eleitores não votaram na eleição passada, não é possível que esses 40 milhões tenham morrido. (risos)

É a abstenção, então?
A abstenção é outra variável também e ela não é homogênea ao longo da sociedade. Os institutos de pesquisa não levavam isso em consideração. Sabe-se que a abstenção é maior nas camadas de renda baixa e de escolaridade baixa nos Estados Unidos, na Europa, mesmo onde o voto não é obrigatório. E no Brasil também é assim.

Como saber se a abstenção é maior se o voto não é identificado?
Quando se perde o voto da eleição passada. Aí vê-se que isso acontece entre os eleitores de menor renda e menor escolaridade, mais os que confessam que não votaram. Provavelmente, Lula perderá mais eleitores para alienação do que Bolsonaro. Daí a importância para a campanha dele fazer um grande esforço de convocação de seus eleitores, a exemplo do que o PT já fez em 2006, quando fizeram até propaganda de TV para estimular as pessoas a ir votar nos moldes do que fazem na América -- o go to vote. Na última eleição norte-americana, isso foi tão intenso, tanto entre democratas quanto republicanos, que o número de eleitores surpreendeu a todos os analistas.

De novo, por que um resultado tão diferente: 11 a 5?
Tanto na pesquisa do Ipespe quanto na do Datafolha, todos os resultados estão dentro da margem de erro, de uma com a outra. Menos Bolsonaro. Lula e Bolsonaro. Lula 45 no Ipespe e 48 no Datafolha. A margem de erro de uma é 3 e da outra é 2, e dentro de um intervalo de 5 é tudo igual. O mesmo para os outros candidatos. A única diferença está na alienação potencial. Então, minha hipótese é de que há um voto oculto em Bolsonaro que a pesquisa do Datafolha não apanhou. Porque tudo bate, menos a taxa de indecisão de alienação e o voto do Bolsonaro.

Seria o voto envergonhado em Bolsonaro?
Ele existe e fica mais claro em pesquisas feitas pessoalmente do que por telefone. O Datafolha fala com gente na rua, é alguém abordando alguém cara a cara, pode haver um constrangimento na hora da resposta. A nossa é feita por telefone e isso tem duas vantagens: atinge mais pessoas de classe média e alta que não estão andando na rua e porque não há esse constrangimento. No telefone, fica-se mais à vontade para dizer: "Sim, isso é péssimo". No cara a cara, essa insatisfação pode aparecer como o "regular".

Que problemas na precisão das pesquisas na eleição de 2018 não vão se repetir em 2022?
Não houve problemas nas pesquisas em 2018. É preciso analisar o que foi aquela eleição. Aquela era o que chamamos na literatura específica de "eleição crítica". Ali, houve uma superimposição de crise econômica mais crise moral, policial, judicial, representada pela Lava Jato, mais impeachment de presidente, mais uma colossal rejeição popular ao substituto da presidente. A deslegitimação do sistema político. Um tsunami que acabou com o duopólio político eleitoral vigente desde 1994: PT versus PSDB, que saiu com 4% nas urnas. O eleitor, na véspera da eleição, começa a prestar atenção no candidato que vai poder derrotar o sistema político que causou o tsunami. Foi assim no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Amazonas, Santa Catarina. É aquilo: as pesquisas mostravam intenções. O eleitor, que ainda estava em processo decisório, foi lá e mostrou comportamento. As pesquisas não estavam erradas.

Antonio Lavareda - Carlos Ezequiel/Divulgação - Carlos Ezequiel/Divulgação
Imagem: Carlos Ezequiel/Divulgação

E agora as eleições vão ser "críticas" de novo?
Não, as eleições serão "normais", que é quando se tem o enfrentamento das forças tradicionais, os protagonistas estão no xadrez da política, fazem coligações, ambos com partidos fortes, com representação parlamentar, com fundo partidário, tempo na TV. É diferente.

Como um eleitor pode saber se confia ou não num instituto de pesquisa? Soube-se hoje que um deles -- o Paraná Pesquisas, citado frequentemente pela imprensa -- foi contratado pelo governo dois meses antes de divulgar uma pesquisa que mostrava Bolsonaro e Lula empatados, o que jamais apareceu em qualquer outra sondagem.
A princípio, não vejo problema em institutos trabalharem para governos e para candidatos. O problema, se houver, será a inexistência de full disclosure (transparência total). A população e a mídia devem estar informadas disso para poderem tirar suas conclusões. E avaliarem os dados à luz dessa informação. E, também, naturalmente, há que se observar o requisito de absoluta transparência no processo de seleção para a contratação pública.

Quem decide uma eleição no Brasil?
As maiorias: as mulheres, os pobres, a população do Sudeste, os maiores de 60 anos.

Qual o peso de Alckmin na chapa com Lula?
A escolha de um vice é sempre pautada pelo critério de complementaridade. Pode ser de gênero, etária, religiosa, étnica. Nesse caso, foi ideológica. Um candidato de esquerda com um candidato de centro-direita. Mas que, dentro do PSDB, era considerado ainda mais à direita. Desde 2012, o Brasil emite sinais de que caminha para a direita. É uma chapa cheia de simbolismos. É ele quem vai estabilizar as preferências que Lula tem no espectro de centro-direita, ele pode sinalizar algo para o mercado, simboliza a união de dois grandes adversários. Na eleição de 2006, eles tiveram juntos -- cada um de um lado --, quase 90% dos votos dos eleitores.

É quase uma ironia que Alckmin saia candidato pelo Partido Socialista Brasileiro?
É uma curiosidade que essa coligação transversal se dê com outro partido de esquerda, mas, com certeza, nenhum eleitor supõe que Geraldo Alckmin tenha se transformado num socialista.

Como as redes sociais impactam as pesquisas?
Elas são mais importantes em momentos de ruptura do sistema político, nas eleições "críticas", como a de 2018, ou a na Colômbia semana passada, quando um ator tradicional é arrancado fora do sistema porque perdeu legitimidade, caso do uribismo. E as redes ajudam a fazer a propaganda com muita eficiência desse novo personagem. Em 2022, o peso das redes vai ser muito menor do que em 2018 porque essas serão eleições "normais".

Nunca vi em nenhum outro lugar do mundo uma candidata com 2% de intenção de votos ser manchete dos principais jornais do país. E você?
É a Simone Tebet? (candidata do MDB)

Sim.
Acho que o André Janones (candidato à presidência pelo Avante, que tem 1%) também tinha direito a uma capa.

A imprensa ainda elege um candidato?
Se elegeu em algum momento, certamente terá mais dificuldade hoje. Quem elege presidente é a fórmula do Ortega y Gasset: as circunstâncias. Dificilmente alguém será eleito contra as circunstâncias. O maior adversário de Jair Bolsonaro não é o Luiz Inácio Lula da Silva. São as circunstâncias que se contrapõem a ele nesse momento.

Fome, inflação, violência, desemprego?
É uma situação difícil, o país saindo da pandemia e seu governo desaprovado por larga margem devido à sua atuação durante a pandemia.

O que mais chamou sua atenção ou o surpreendeu nas pesquisas eleitorais recentemente?
Talvez a troca do João Doria. Ele era o candidato mais competitivo, com mais chances de crescer. E como a política inviabiliza o que as pesquisas apresentavam como uma chance.

Onde estava escondido o bolsonarismo nos últimos anos?
Não estava. Estavam representados desde 1989, pelos malufistas, por quem votou no Collor. Mesmo nas eleições de 1994, estava representado na coligação do PSDB com o PFL. A transição democrática foi definida no Colégio Eleitoral, quando disputavam Paulo Maluf e Tancredo Neves, cuja vitória acachapante era sabida. Mas sabe qual foi a votação pela continuidade do regime do Maluf? 27%. E esse percentual sempre aparece por aí. Inclusive, foi o último percentual atribuído a Jair Bolsonaro na pesquisa Datafolha. Ou seja, os números ficam bailando e, vez por outra, pousam na mesa ou pousam na cabeça ou no nariz de alguém como carapuça. Então essa direita sempre houve, mas foi potencializada.

O que Bolsonaro ainda pode fazer para ultrapassar Lula?
Bolsonaro perdeu a grande oportunidade de se reeleger, a despeito de quaisquer dificuldades econômicas do país, quando não conseguiu liderar o país no enfrentamento à covid. Angela Merkel (ex-chanceler alemã) fez isso e saiu de uma aprovação de 45% para 85%. Se ele tivesse feito isso, as pessoas seriam mais tolerantes com ele. O primeiro-ministro inglês, Boris Johnson, pegou covid e mudou a narrativa negacionista. Está conseguindo se manter ainda no governo por conta disso, de certa forma. Líderes de direita que enfrentaram a pandemia ao lado da população tiveram retribuição."

Que surpresa pode acontecer nessa eleição?
Em maio de 2018, se alguém perguntasse isso, ninguém apostaria em Bolsonaro. Se formos capazes de esboçar os fatores surpresa, eles não são surpresa. É tudo na categoria do imprevisível.

Só se alguém morrer?
Mas aí saímos do plano do realidade. Morre-se por morte natural, um acidente, sei lá. Não é o caso de levar isso em consideração.

Que conselhos daria aos eleitores quando leem as pesquisas eleitorais?
Que eles tentem relacionar as várias informações que aparecem nas pesquisas. Que nunca olhem apenas os resultados de questões estimuladas do primeiro turno ou do segundo. Que olhem o que diz o voto espontâneo. É isso que importa. Que vejam o que a população diz serem os maiores problemas do país. Por exemplo, as pesquisas davam entre 7% a 9% a Sergio Moro, e as pessoas se surpreendiam. Mas quem prestasse atenção no conjunto de informações das pesquisas ia ver o baixo desempenho lá. Em toda pesquisa aparecia que a população considerava como prioridades para o próximo governo as questões econômicas. Combate à corrupção estava lá no final. Então, Moro, que tinha isso como marca principal, era carta fora do baralho. Nunca foi surpresa para mim.

Faltar aos debates televisivos influencia o voto dos eleitores?
Sempre influencia, mas pouco. É muito difícil Lula e Bolsonaro ganharem votos num debate na TV. Isso é bom para Ciro Gomes, Simone Tebet, André Janones. Entretanto, boa parte das análises atribui a não ida do Lula ao debate da Globo em 2006 às dificuldades que ele teve no segundo turno.

Em 1998, FHC também não foi e não me lembro de avaliação parecida.
Provavelmente porque a distância dele era muito larga e por má vontade também dos críticos. O que é importante entender é que essa eleição é única porque se tem, pela primeira vez, presidente contra ex-presidente. É um voto prospectivo-retrospectivo. A imagem de Lula é a do ex-presidente que deixou o poder com 84% de ótimo e bom. Os eleitores olham para o retrovisor e projetam o que ele pode oferecer no futuro. Hoje, o governo dele é bem avaliado por 58% dos entrevistados, ou seja, ele já perdeu 26%, mas ainda é um percentual altíssimo.

O Bolsonaro está no poder. Então, o que ele oferece de imaginação para o futuro é uma projeção do retrato que se tem do presente. Se esse presente não é bom, se a realidade é adversa, é difícil imaginar que vá se ter algo melhor ou diferente. Se o modelo teórico estiver certo, as pessoas vão votar pela imagem que elas têm dos governos Lula. A questão de Bolsonaro é: como vai ser a economia? Ele vai ter um remédio para isso?"

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