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Lidia Zuin

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Escritórios-santuários não irão salvar os direitos trabalhistas pós-covid

Câmaras de meditação do Office of Things - Tom Harris/Divulgação
Câmaras de meditação do Office of Things Imagem: Tom Harris/Divulgação

Colunista do TAB

31/05/2021 04h01

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Enquanto países como os Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha estão em processo de reabertura pós-pandemia, aqui no Brasil ainda estamos matutando o que vai acontecer depois que conquistarmos uma porcentagem satisfatória de pessoas vacinadas. Se, por um momento, se imaginava que tudo ia migrar definitivamente para o digital e finalmente conquistaríamos o metaverso, a fadiga do Zoom, o desequilíbrio entre vida e trabalho e a falta de "rituais de passagem" fizeram com que, na verdade, o novo normal não fosse assim tão novo.

Na Espanha e na Inglaterra já liberaram shows em que as pessoas são testadas e podem ou não receber máscaras para usar durante o evento. Em ambos, a taxa de contaminação foi baixíssima — em um show com 5 mil participantes em Barcelona, apenas seis pessoas foram diagnosticadas com covid-19 e parte delas, na verdade, já estava contaminada. É provável que continuemos querendo ir aos festivais e participar da experiência fisicamente. Mas quando o assunto é trabalho e eventos corporativos, muda um pouco de figura.

O Google publicou neste mês de maio um relatório que ilustra o saldo da pandemia no quesito trabalho. 62% dos entrevistados disseram que trabalharam mais durante esse período, mas o fato de não precisar gastar tempo no deslocamento, bem como a maior flexibilização dos horários e a possibilidade de participar mais da rotina familiar, foram alguns elementos bastante positivos com a implementação do trabalho remoto. Com a implementação de ferramentas de compartilhamento e colaboração, os entrevistados também disseram se sentir mais produtivos (55%).

Mesmo assim, nem todo mundo quer se manter totalmente remoto. A pesquisa diz que 44% já está trabalhando num formato híbrido (parte remoto, parte presencial) e que 43% dos entrevistados que trabalham em empresas que já definiram o formato de trabalho pós-pandemia também terão um formato híbrido. Quase metade dos funcionários (47%) disseram sentir confiança nesse formato, mesmo entre quem ocupa cargos de liderança (54%).

Mas assim como muita gente vai pensar mil vezes antes de topar ir a um evento corporativo que começa no horário de pico, também já existem escritórios adaptando layout para receber de volta os funcionários. Escritórios compartilhados como WeWork deram um primeiro passo nesse sentido, criando espaços mais aconchegantes, informais e abertos. Agora, o exemplo de empresas como a Goop e Spotify ditam tendência na criação de "escritórios-santuários".

Escritório da Goop produzido pelo Rapt Studio - Madeline Tolle/Divulgação - Madeline Tolle/Divulgação
Escritório da Goop produzido pelo Rapt Studio
Imagem: Madeline Tolle/Divulgação

Mais do que possibilitar o trabalho de casa, desde fevereiro deste ano, a Spotify implementou uma política de "trabalhe em qualquer lugar", assim aumentando ainda mais as possibilidades dos funcionários. Mas para quem quiser ir para o escritório, a novidade fica com uma mudança na arquitetura e na decoração que busca emular um pouco dos benefícios de cada lugar: o conforto e a boa acústica de casa, mas ainda com móveis e ferramentas de escritório que facilitam a operação.

Na Goop, o escritório foi decorado em conceito aberto, com cozinhas e ilhas para que as pessoas possam, de fato, preparar suas refeições no trabalho ou então se refugiar em salas confortáveis onde podem tirar um cochilo ou relaxar. Já a Office of Things está criando refúgios que replicam um ambiente acolhedor e imersivo, que podem ser acoplados a escritórios tradicionais, como já ocorre no campus do Google e do YouTube na Califórnia, desde dezembro de 2020. Com iluminação neon, objetos arredondados e climatização, essas "câmaras de meditação", a nível estético, conquistam.

Não foi o caso de um projeto semelhante proposto pela Amazon. O AmaZen virou piada no Twitter depois que a empresa postou um vídeo-case mostrando o cubículo claustrofóbico inserido no meio do depósito, em que a pessoa poderia usar o computador para fazer exercícios que supostamente guiariam a meditação e o descanso. A internet não perdoou o absurdo da criação, embalada como genial. Ou seja, apesar de parecerem projetos incríveis, ainda assim, pode ser que esse tipo de adaptação aos espaços de trabalho sejam, mais uma vez, uma cilada.

No caso da Amazon, o conceito não foi exatamente muito bem lapidado do ponto de vista visual e narrativo, se comparado às instalações do Goop ou do "Citi Wealth Hub". Aberto em Singapura em março, o projeto parece uma espécie de estufa: domos-escritórios são usados para trabalho e reuniões como se estivessem dentro de uma floresta mais asséptica. Será mesmo que encher o escritório de plantas faz com que a rotina de reuniões encavaladas e prazos curtos se torne menos absurda?

Do mesmo modo que ofertar programas de "sexta casual", videogames, mesas de pingue-pongue e armas Nerf, isso não melhora as condições de trabalho, salários ou propostas de carreira — uma prova cabal está nas empresas de games e seus vários problemas com os "crunches". Se os millennials, em algum momento, caíram no conto da "empresa informal", a geração Z já está mais cética quanto a isso — ainda mais porque foram alguns dos mais impactados pelo desemprego durante a pandemia.

O dilema que fica é: até que ponto tornar os ambientes empresariais mais confortáveis é algo positivo e desejável? Até que ponto esse tipo de estratégia quer nos oferecer bem estar com uma preocupação genuína com as taxas de burnout ou então maquiar o fato de que algumas pesquisas já mostraram que se vive melhor em jornadas de trabalho reduzidas? Se a vantagem é trabalhar de pijama, com plantas e animais no escritório, o home office nos possibilitou experimentar tudo isso e, mesmo assim, as taxas de esgotamento aumentaram em 75% durante a pandemia.

Enquanto vemos a produtividade dos trabalhadores ascender de forma descasada aos ajustes salariais, duvido um pouco se não é só mais um golpe do "venha trabalhar de chinelo, mas continue fazendo hora extra e realizando tarefas que não deveriam ser suas". A mudança na cultura empresarial e na revisão das proporções entre produtividade e recompensa são algo muito mais urgente que o rompimento do dress code ou investir em decoração bonita. Já superamos a fase de compensar os abusos trabalhistas com ambientes instagramáveis em rosa millennial e costelas-de-adão.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL