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Michel Alcoforado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que a polêmica sobre o bloqueio do Telegram nos ensina sobre liberdade

Jorge Pontual no "Em Pauta", programa da Globonews, no último sábado (19) - Reprodução
Jorge Pontual no 'Em Pauta', programa da Globonews, no último sábado (19) Imagem: Reprodução

Colunista do TAB

25/03/2022 04h01

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Jorge Pontual está indignado e, à la Gil do Vigor, vocifera aos quatro cantos que o Brasil está lascado.

No último sábado (19), em uma edição do "Em Pauta", programa da GloboNews, o jornalista veterano deixou claro seu descontentamento com uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal.

Com a embocadura de quem carrega em si o complexo de vira-lata, misturado ao de colonizado enfeitiçado pelos galanteios da metrópole, Pontual fez a vez de juiz, julgou o julgamento do ministro e se posicionou contra a proibição temporária do Telegram, o aplicativo de mensagens. Disse ele: "Eu recebo milhares de mensagens vindas da Ucrânia e assim eu posso cobrir a guerra. Eu vivo num país livre, com plena liberdade de informação e a Constituição proíbe que medidas como essas sejam tomadas".

E continua: "O fato de a pedofilia estar na internet... Tinha que acabar então com a Internet. Mas, não tem como tirar a internet do ar. O correto é punir os criminosos. É um absurdo o que aconteceu. Infelizmente, os nossos colegas no Brasil não vão mais poder cobrir a guerra como deveriam. É uma censura. Eu fico surpreso de ver jornalistas defenderem a censura."

Apesar de o jornalista viver nos Estados Unidos, talvez ele desconheça que as democracias modernas se equilibram sobre dois pilares fundamentais: o da igualdade de condições e o da liberdade. Se, por acaso, um dos lados ficar mais forte do que o outro, o sistema racha, deteriora-se e tomba. É preciso equilíbrio.

Ainda no ano passado, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) se esforçou para, junto dos aplicativos de mensagem (WhastApp, Facebook Messenger, entre outros) construir uma força-tarefa para dificultar a disseminação de fake news no país e diminuir os impactos da sujeira no pleito de 2022.

Não surpreende que, entre as principais empresas do mercado, a Telegram foi a única a não enviar nenhum representante para o encontro e se fizeram de mortos. Após uma longa e detalhada investigação da Polícia Federal com fartas provas contra blogueiros disseminadores de ódio e grupos de extrema-direita, mais uma vez o ministro solicitou ao Telegram o bloqueio das contas de alguns dos 500 milhões usuários do aplicativo. De novo, nenhuma resposta. Nada foi feito.

A empresa olha para o presente e para o passado para embasar a própria decisão. No hoje, afirma não ter representantes legais no Brasil. Por ser uma firma gringa, não se sente obrigada a responder à Justiça local. Se deve alguma satisfação, deve somente aos países onde tem escritório, funcionário, conta de luz, água e IPTU para pagar.

No entanto, ao olhar para a própria trajetória, o Telegram lembra que fez história contra qualquer imposição governamental, baseado em uma luta ferrenha por garantir completa liberdade de comunicação a todos os cidadãos.

Quando foi criado pelos irmãos Durov, uma dupla de empreendedores russos de São Petersburgo, em 2013, o objetivo era proteger as trocas de mensagem dos olhos vigilantes de Vladimir Putin, ex-agente da KGB, transformado em presidente. Eles tinham suas razões. Desde que chegou ao poder, Putin demonstra um traquejo bolorento para ditador de grande império. Controla os órgãos de imprensa, persegue e mata opositores, proíbe manifestações dos civis e trata as ex-repúblicas soviéticas como quintal de casa, onde se sente no direito de fazer o que bem entender.

Para blindar a curiosidade e o controle do Grande Irmão, os irmãos criaram um aplicativo capaz de juntar, em um só grupo, mais de 200 mil pessoas com total liberdade de falarem o que vier na telha, sob a promessa de que a conversa jamais será compartilhada com terceiros nem com governos. É o território da liberdade.

No entanto, Bolsonaro não é Putin e Putin não é Bolsonaro. Para o bem e para o mal. A liberdade oferecida como respiro de democracia aos russos, no Brasil virou terra de ninguém para bolsonaristas tresloucados e doidos compartilharem o que querem sobre o cenário nacional e convencer um batalhão de eleitores (desinformados ou mal intencionados) de que estão certos. As últimas eleições brasileiras e os escândalos do Cambridge Analytics já provaram o poder de fogo do mal uso dos aplicativos nas eleições de qualquer país. Corre-se até o risco de eleger um bobo da corte despreparado e colocá-lo na cadeira de presidente (já imaginaram o caos?).

A medida de Alexandre de Moraes é fundamental porque retoma os pilares fundamentais de qualquer democracia, assim como nos ensinou Alexis de Tocqueville em "Democracia na América". No livro, o aristocrata francês analisa sua própria surpresa com o estilo de vida e o funcionamento da sociedade norte-americanas (a mesma de Pontual) e se debruça sobre como igualdade de condições e liberdade são dois valores fundamentais, vivos, em pleno vigor, no cotidiano da nação.

Ao contrário do que muitos pensam, liberdade não é um bem que cada um de nós ganha assim que vem ao mundo. A liberdade de ir e vir, sentir-se livre de para expor as próprias ideias ou ter a chance de construir própria trajetória de vida só são possíveis nas democracias se os indivíduos tiverem a própria liberdade conectada a dos outros, ao jogo de direitos e deveres compartilhados e à sociedade.

Só há democracia quando liberdade e a igualdade estão tão misturadas e imbricadas, tornando-se quase impossível separar uma da outra. Isto é, os indivíduos só têm a liberdade de ser quem desejam ser se, de igual modo, os outros também tiverem tal direito garantido. Sem igualdade de condições, não há liberdade.

O bloqueio do Telegram por um ministro é um ato forte, exagerado, mas vem depois de inúmeras tentativas de diálogo (todas sem sucesso) com a empresa. Dado o histórico do abrasileiramento do Telegram como polo de fake news, com claras interferências no processo eleitoral, com o favorecimento de alguns candidatos em relação a outros, a decisão de Alexandre de Moraes resguarda os pilares da democracia.

A medida quer garantir que todos os candidatos cheguem às eleições de outubro em iguais condições, e com liberdade para expor as próprias ideias e convencer aos eleitores de que possuem os melhores projetos para o país.

Tudo indica que o Telegram entendeu. A empresa já nomeou um representante e se comprometeu a desenvolver políticas de controle com impacto na democracia. O aplicativo já foi liberado e a vida segue, sem maiores solavancos.

Só falta convencer o Pontual.