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Michel Alcoforado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Vipão da Paridela': o que as maternidades de luxo revelam sobre o Brasil

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Imagem: Unsplash

Colunista do TAB

13/04/2022 04h01

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Acompanhei com surpresa a estupefação da elite intelectual do Twitter com a primeira capa de abril da Veja São Paulo. Com o compromisso de reproduzir o melhor da cafonice paulistana, mais uma vez o semanário cumpriu o seu papel e informou aos leitores que, a partir de junho, nenhum herdeiro vai nascer na principal cidade do país sem o devido requinte, conforto e luxo. É preciso dar tudo a quem tudo terá — do primeiro ao último dia de vida.

A Maternidade São Luiz passou por um rebranding no nome, no endereço e nas dependências. Deixou o espírito do santo — um homem caridoso, humilde e voltado à causa dos mais pobres, lá pelos idos do século 12 — depois de entender que, para atender os desejos e necessidades das camadas altas brasileiras, ou se ostenta sofisticação, ou se falha.

O antigo prédio na avenida Santo Amaro (uma das avenidas mais feias da cidade) deixará de atender gestantes ansiosas, pais e avós tensos e doulas caridosas em agosto próximo. No novo endereço, a instituição assume a identidade de São Luiz Star — a maternidade mais luxuosa do país.

Diferente dos reles mortais, ao cruzarem os portões do saguão do hospital, as gestantes serão encaminhadas para os quartos, sem precisar perder tempo com a burocracia médica na recepção. Nos aposentos, com a ajuda da Alexa (assistente virtual da Amazon), preencherão as fichas de cadastrais e terão o choro dos bebês monitorados pelas máquinas, incumbidas de avisar as enfermeiras o mais rápido possível sobre as intercorrências.

As mães não precisarão se levantar das camas com lençol de 400 fios e amenidades de hotel de luxo, nem se preocupar em compartilhar banheiro ou o quarto com os visitantes. Cada qual terá o seu lugar durante as visitas, mas sobretudo, no parto.

A instituição inaugura um novo conceito para os primeiros momentos dos rebentos na Pauliceia. O que eles chamam de Life lounge, dei o nome de "vipão da paridela". O espaço nada mais é do que um camarote, com disponibilidade para mais de 10 pessoas, com atendimento cuidadoso de uma equipe de garçons.

Uma parede de vidro polarizado separa os pais do bebê da família estendida. Assim que o novo membro vem ao mundo, rapidamente o tom leitoso do material se dissipa e fica transparente. É possível ver a mãe e a criança. O sistema de comunicação entre os lados do muro é acionado e torna-se possível a costumeira troca de clichês: "aaah, que gracinha"; "parece com o pai", "lembra muito o vovô sicrano" e por aí vai. Faz-se uma oração, desejam-se boas energias e um futuro promissor, como se fosse possível ter outro destino quando se nasce em berço de ouro.

Nas minhas pesquisas com ricos brasileiros, é comum ouvir os entrevistados se referirem a alguém próximo como aquele "com berço" ou nascido em "berço de ouro". A expressão, comumente usada no Brasil, serve para marcar a origem privilegiada (em termos econômicos, escolares e culturais) de alguns. Em geral, são pessoas que fazem parte de famílias com sobrenome de peso, histórias com grandes feitos e uma trajetória com impactos reconhecidos.

"Ter berço" legitima as posições de poder e prestígio e também sugere que cabe a eles o dever de se tornarem referência do que é desejado, invejado e almejado como "bom gosto", "elegante" e "chique". Eles herdam o berço de ouro (e junto dele, valores, costumes, princípios) da mesma maneira que herdam dinheiro, coisas, imóveis, bolsas, mobiliário, obras de arte etc. O berço de ouro é fruto de algo construído pelas gerações passadas que os mais novos precisam preservar e ampliar.

No entanto, há aqueles que, apesar do dinheiro, não deram a sorte de contar com as mesmas origens de tradição. Desse modo, para que transitem com facilidade pelo mundo das elites, os novos-ricos precisam dar conta de inventar uma origem social e uma trajetória de vida capaz de convencer a todos da própria posição social. As maternidades de luxo são um ativo importante nesse movimento.

A São Luiz Star, com um custo de mais R$ 12 mil por uma noite em suas instalações, oferece aos que não têm berço de ouro a chance de pagarem por essa invenção para seus filhos. Os mimos, o cuidado da hotelaria cinco-estrelas, a exposição dos primeiros momentos da criança e da mãe inventam uma tradição de requinte, luxo e distinção a quem não tem.

É difícil entender a surpresa de alguns com a reportagem, porque o fenômeno é antigo no Brasil. Nas famílias de classe média-alta do Rio de Janeiro ou de São Paulo, é comum, perto do fim da gestação, ver as mães se apressarem para dizer a maternidade escolhida para o parto.

A queridinha de outros tempos, no Rio, era a Perinatal. O hospital ficou conhecido por oferecer as imagens dos bebês em tempo real e um serviço de maquiagem para ajudar as mães a esconder o cansaço do parto. Também era possível contratar fotógrafos profissionais, serviços de bufê e sala de espera para a família, entre outras comodidades.

Dentro da lógica hierárquica da sociedade brasileira, pautada na oferta de privilégios mil aos já privilegiados e mais exclusão aos excluídos, a compra de um pacote de serviços de luxo para o parto é um ato de amor — pelo menos, do ponto de vista desses pais. Com esse berço de ouro inventado, as crianças já dão seus primeiros passos na marcação da distinção.

Aos que acham o comportamento estapafúrdio, aviso que parto humanizado na banheira de casa, com ajuda da doula e uma equipe de fotografia a registrar a garra ancestral da mãe e o comprometimento do pai tatuado e barbudo também são a invenção de um berço para os recém-chegados. Nos dois lados, na maternidade de santo de luxo ou no parto da doula milagrosa, há muito de Brasil do nosso nascimento até a morte.

Repito: aqui, é preciso dar tudo a quem tudo terá — do primeiro ao último dia de vida.