Correr para quê?

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Me dê motivos

Não é impressão: muita gente começou a correr pelas ruas do Brasil. Só em São Paulo o número de inscritos em provas oficiais dobrou em seis anos

Por Juliana Carpanez

Deborah Aquino, 39, aderiu após o fim de um relacionamento. Ela queria novas amizades. Mas foi muito além. Sua dedicação a ajudou no tratamento de um câncer de mama. Antonio Carlos Fiore, 64, só queria perder a barriga que ganhou quando parou de fumar. Em 32 anos, ele acumulou 27 maratonas e mais de 80 mil km sobre tênis. Renan Collodoro, 28, também usou a corrida para emagrecer: hoje são 25 quilos a menos e, quase diariamente, 10 km a mais.

Esses corredores mostram que as razões para aderir à modalidade são inúmeras e também muito particulares; em comum, o fato que qualquer um deles saberá explicar por que faz tanto sentido encarar alguns quilômetros num domingo pela manhã ou em qualquer hora da semana na qual consiga encaixar o treino em sua rotina.

Nos últimos anos, a prática cresceu muito ao deixar de ser um esporte individual para pessoas com perfil atlético e obsessão por resultados. A corrida promove hoje o encontro de quem busca uma vida mais saudável e não quer apenas competir, mas também participar e fazer um selfie na linha de chegada.

"Antes, quem não era competitivo se sentia excluído. Hoje, as pessoas correm para se divertir e não ficam tão preocupadas com desempenho", afirma o educador físico Nelson Evêncio, presidente da ATC (Associação dos Treinadores de Corrida) de São Paulo.

Nem todos são atletas fervorosos [...]. Correr ficou mais divertido

Renato Dutra, diretor técnico da Run & Fun

Corrida atrai não só quem quer competir, mas também participar

Renato Dutra, diretor técnico da assessoria esportiva Run & Fun, dá um exemplo dessa transformação. Ele conta que em 1995 completou uma prova de 10 km em 35 minutos. Na ocasião, chegou em 42º lugar. "Hoje, com esse mesmo tempo, seria possível ficar entre os dez primeiros. Nem todos que correm são atletas fervorosos e isso é fantástico; você não estará sozinho se fizer 10 km em mais de uma hora. Correr ficou mais divertido", afirma.

Um monitoramento feito nos Estados Unidos endossa essa ideia. Em 1980, o tempo médio de conclusão das maratonas era de 3h32 para homens e 4h03 para mulheres. Em 2013, após o boom, os tempos subiram para 4h16 e 4h41, respectivamente.

Deborah Aquino

Aos 39 anos, a dentista de formação tem mais de 80 mil seguidores em seu perfil no Instagram (@blogdadebs) e mantém o Blog da Debs, cheio de dicas sobre corrida e alimentação. Depois de completar na Alemanha sua primeira maratona, em 2013, ela descobriu um câncer de mama. Para enfrentar a doença, usou muito do que havia aprendido com a corrida e pensou na cura como sendo a linha de chegada.

Antonio Carlos Fiore

Corredor há 32 anos, o consultor financeiro de 64 anos coleciona diversos caderninhos nos quais anotava a quilometragem percorrida nas pistas - hoje, esses dados vão para o computador. Ele já viajou para diversos países, aliando corrida e turismo, e encarou na África do Sul seu maior desafio: uma ultramaratona de 89 km, que completou em nove horas e 29 minutos.

Renan Collodoro

Uma visita ao médico comprovou que o sobrepeso estava prejudicando a saúde do analista de marketing, hoje com 28 anos. Esse foi o chacoalhão que ele precisava para sair do sofá e aderir à corrida. Três anos e 25 quilos depois, ele conta como a prática está totalmente inserida em sua vida. É possível acompanhar o dia a dia do corredor no perfil do Instagram @10ktododia.

Explosão

No Brasil não há uma fonte oficial sobre o número de corredores. Com frequência fala-se em 5 milhões, sem uma explicação de como se chegou a esse número. Pesquisa realizada pela consultoria espanhola Relevance em janeiro de 2014 com mil entrevistados estima que 5% da população brasileira com mais de 16 anos - cerca de 6 milhões de pessoas - pratica algum tipo de corrida.

A organizadora de eventos Iguana Sports avalia que 60% dos corredores amadores do país estejam concentrados no Rio e em São Paulo. Em 2013, a Federação Paulista de Atletismo registrou 323 eventos sob sua supervisão contra 240 em 2009 - crescimento de 35%. No mesmo período, as corridas autorizadas pela CET (Companhia de Engenharia do Tráfego) em São Paulo foram de 81 para 131 - aumento de 62%. Entre 2008 e 2013, a Farj (Federação de Atletismo do Rio de Janeiro) registrou um aumento de 42% na emissão de alvarás para corridas - saltou de 67 para 95 provas.

"A oferta de provas de corrida hoje é enorme, tem eventos praticamente todos os dias", afirma José Vítor Vieira Salgado, educador físico que tem estudos acadêmicos sobre as corridas de rua. "Os organizadores perceberam um nicho importante do ponto de vista mercadológico."

30 mil

pessoas devem participar da São Silvestre em 2014

De 2008 a 2013, a média de participantes foi de 25 mil

Temas podem impulsionar o mercado: há cada vez mais corridas femininas, infantis e noturnas

Além da quantidade de provas, o número de inscritos também aumenta. A São Silvestre 2014 deve bater recorde de 30 mil participantes, enquanto nos cinco anos anteriores o número ficou em torno de 25 mil. Neste ano, a Maratona Internacional de São Paulo teve 18 mil inscritos - em 2008 foram 12 mil. Já a Meia Maratona Internacional do Rio foi de 15 mil em 2008 para 20 mil em 2014.

#corridaderua

Barato do corredor

O corredor Garth Battista (foto) escreveu a coletânea "Runner's High", com histórias de corredores. A expressão do título descreve o "barato" que muitos sentem nas pistas. "É um estado em que a corrida parece não exigir esforço, em que o corpo e a mente se libertam de qualquer peso. É raro, mas todo corredor sente isso de tempos em tempos", explica. Muitos atribuem essa sensação à liberação de endorfina.

Para onde vai?

Quem não tem condições de acompanhar as novidades continuará correndo

Edgard José dos Santos, diretor da Corpore Brasil

Com mais praticantes e o seu lado social, a corrida começa a pedir um visual mais produzido. Isso porque os amadores não fazem como seus "antepassados", que só usavam nas pistas as roupas mais surradas. O perfil do novo corredor inclui um par bacana de tênis, roupas que não retêm suor, smartphone para ouvir músicas e relógio para controlar tempo e distância.

A Adidas é uma das empresas que aproveita essa mudança. Ela não revela números relacionados a vendas, mas confirma que, no Brasil, a corrida divide com trainning (roupas para demais esportes) o pódio de categoria mais forte.

Segundo Carlos Perruci Faria, educador físico e professor de marketing esportivo da ESPM-RJ, um corredor de perfil "econômico" - meias de algodão, tênis, bermuda, camiseta de poliéster e relógio com cronômetro - pode gastar em torno de R$ 380. Mas quem investe pesado pode pagar até R$ 3.250 por produtos como bermuda de compressão, camiseta com tecido tecnológico e relógio com os mais variados recursos.

"Tem muita gente que começa a correr e vai agregando penduricalhos. Mas aqueles que não têm condições de acompanhar essas novidades não deixarão de correr por isso", afirma Edgard José dos Santos, diretor administrativo da entidade sem fins lucrativos Corpore Brasil, que há duas décadas organiza corridas de rua pelo país.

Dor do crescimento

Especialistas afirmam que em cerca de três meses já é possível perceber os benefícios

Com tanta gente aderindo, o fenômeno passou a apresentar um efeito colateral. "Todo mundo começou a correr: gente muito jovem, de meia idade e idosos. Com isso, aumentou o número de lesões", afirma Sérgio Costa, ortopedista especializado em traumatologia esportiva. O problema mais comum, segundo ele, é a tendinite nos membros inferiores, que geralmente aparece em sedentários que correm sem preparo.

Um estudo de 2004 do Departamento de Saúde da Universidade da Califórnia, que avalia outras publicações relacionadas à corrida, indica que até 70% dos corredores (amadores e profissionais) sofrem algum tipo de lesão, se considerado o período de um ano. O joelho responde por quase metade desses problemas.

"Peso nos membros inferiores aumenta de seis a sete vezes na corrida "

Sérgio Costa, ortopedista especializado em traumatologia esportiva

Por isso, é importante começar devagar e somente depois de uma avaliação médica. Se a brincadeira for adiante, o ortopedista indica a musculação. "O peso corporal nos membros inferiores aumenta de seis a sete vezes na corrida. Uma pessoa de 80 kg terá de segurar cerca de 500 kg nas pernas. Para aguentar, os músculos e tendões precisam estar bons. Tem de haver um preparo físico", afirma.

Os especialistas afirmam que os resultados da corrida aparecem rápido: em cerca de três meses já é possível observar os benefícios. "Vai dar preguiça, vergonha e a cabeça vai tentar sabotar. Passados esses três meses, é provável que a pessoa veja os resultados e tome gosto", explica Costa. Por isso a importância de insistir. Literalmente, um passo por vez.

Juliana Carpanez

Editora de Tecnologia do UOL. Hoje adora correr, mas já fugiu das aulas de educação física na escola

tabuol@uol.com.br

Que tipo de corredor você é?

1. Amanhã tem corrida. Na noite anterior, você:

A

Chama a galera para um churrasco (proteína é essencial depois do exercício!).

B

Mantém a rotina disciplinada e calcula qual o ritmo ideal para baixar o tempo.

C

Evita beber a cerveja e tenta dormir cedo para estar descansado.

D

Separa a roupa e o tênis que vai usar, levando em conta a combinação de cores.

Esta reportagem também contou com apoio de:

Junior Lago e Leandro Moraes, fotografia; Túlio Guimarães, câmera; Luana Borges, produção.
Agradecimentos: Breshow Fantasias, Corpore, LifeFitness, Run&Fun, Tchaka.

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