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Texto Juliana Carpanez
Design Solenn Robic
As plataformas de financiamento coletivo têm se mostrado um ótimo termômetro para indicar o que o público realmente quer. E, em muitos casos, não é aquilo já disponível no mercado. Esse tipo de consumo valoriza a participação e a contribuição, envolvendo pessoas que compram novas ideias - comprar, aqui, no sentido literal. Sem grandes empresas como protagonistas, os holofotes voltam-se ao nicho, ou produtos que fazem sentido para poucos. Nesse universo pautado pela inovação, não é preciso lançar algo que agrade à maioria dos consumidores: o importante é criar um projeto que reúna gente suficiente para bancá-lo.
Márcio Sequeira, arquiteto e criador do kit estrutural Mola
Durante anos, o arquiteto Márcio Sequeira, 35, procurou uma maneira menos teórica para estudar o comportamento das estruturas arquitetônicas. Se você não está familiarizado com o assunto - e ninguém o julgará por isso -, saiba que a importância dessa análise está em prever o impacto do vento em prédios e pontes, por exemplo. O insight de Márcio veio em 2005, quando trocava a resistência do chuveiro: a solução para tornar o aprendizado mais palpável estava nas molas. O arquiteto então desenvolveu o projeto de um kit interativo, que validou em sua dissertação de mestrado, e procurou empresas que pudessem investir na ideia. Mas, durante anos, nada.
Apesar da recepção positiva, diziam que não haveria demanda para aquele produto de nicho. Estavam enganados. Em outubro de 2014, o kit estrutural Mola bateu recorde de arrecadação no site de financiamento coletivo Catarse, com R$ 603,7 mil - 1.207% sobre a meta inicial de R$ 50 mil. O valor representa mais que o dobro do segundo lugar, ocupado pela banda Dead Fish (R$ 258,5 mil para gravar o sétimo CD). "Pensei várias vezes em desistir. E talvez [o projeto] realmente não tivesse acontecido, não fosse dessa forma", contou Márcio. Com a pré-venda de 1.600 kits e a criação de uma empresa para comercializar de forma tradicional o produto, temos até agora uma história de final feliz. Para Márcio, claro, e para todos aqueles que veem utilidade em sua invenção.
Tanto interesse por algo específico aponta as plataformas de crowdfunding (nome gringo desse tipo de financiamento) como um indicador para o que as pessoas realmente querem. Não todas elas - convenhamos que a maioria nunca se aprofundará em estruturas arquitetônicas, para citar o exemplo do Mola -, mas um número grande o suficiente para tirar bons projetos da gaveta. Ideias que dificilmente sairiam do papel se dependessem dos investimentos ou empresas tradicionais.
Juntar dinheiro para viabilizar projetos não é algo novo, como qualquer pessoa que participou de uma reunião de condomínio sabe muito bem. A grande transformação aqui apontada é a possibilidade, hoje, de qualquer um apresentar sua proposta na internet e conseguir viabilizá-la com o apoio de simpatizantes. Sejam eles vizinhos, familiares, amigos ou completos desconhecidos de qualquer parte do mundo, que compram uma ideia e a viabilizam.
"As plataformas de crowdfunding permitem microrrevoluções em diversos segmentos. Em vez de pegar algo pronto, que já está na prateleira e a indústria quer me empurrar, ajudo a decidir o que deve existir no mundo", resume Diego Reeberg, sócio-fundador do site brasileiro Catarse. Nessa área tem de tudo: plataformas focadas em viabilizar produtos, financiar serviços, ajudar doentes, bancar animais carentes ou promover shows, para citar alguns exemplos. Quem estiver disposto a colaborar certamente encontrará um projeto para chamar de seu - independentemente de quão específico seja seu interesse.
O importante é a proposta tocar os contribuintes em potencial, de modo que reajam com o "aí eu vi vantagem". Frase esta que pode ser traduzida em forma de agradecimento, de brinde, de encontro com o criador do projeto ou, principalmente, da compra antecipada daquilo que ainda está sendo desenvolvido.
Para o servidor público Augusto César de Castro, 37, a motivação para financiar projetos está em estimular a produção de quadrinhos - principalmente os brasileiros - e obter essas novidades em primeira mão. Desde 2011, ajudou a bancar mais de 220 projetos, destinando mensalmente cerca de R$ 100 para o financiamento coletivo. Confessa já ter chegado a R$ 900 em um único mês, mas, quando o orçamento aperta, pega mais leve nas contribuições. "A qualidade dos trabalhos varia, sendo a maioria boa. Nunca me arrependi de ajudar: entendo que algumas pessoas estão começando e seu trabalho ainda não está lapidado."
Estudo considera o valor, em dólar, movimentado em plataformas de financiamento de todo o mundo
2014
2015
Fonte Massolution/2015
Valor por continente e percentual de crescimento em relação ao ano anterior
Um exemplo emblemático no novo sistema de produção e consumo foi protagonizado pelo relógio inteligente Pebble, antecessor dos hoje concorrentes Apple Watch e Samsung Gear. Em 2012, esse smartwatch sem pedigree recebeu US$ 10,3 milhões (R$ 41,1 milhões, na cotação de 12/02) de 70 mil potenciais consumidores. Gente que não conhecia o produto, não estava familiarizada com suas funcionalidades, mas se dispôs a colocar a mão no bolso para transformá-lo em realidade. Em 2015, a empresa voltou à plataforma Kickstarter pedindo US$ 500 mil (R$ 1,9 milhão) para uma nova versão: conseguiu US$ 20,3 milhões (R$ 81 milhões) de 78 mil interessados.
O valor da contribuição varia muito. Na estreia do Pebble, US$ 1 era o preço para receber informações em primeira mão, enquanto US$ 10 mil (R$ 39,9 mil) seriam convertidos em cem relógios (foram 2.615 adeptos para a primeira opção e 31 para a segunda). O risco para o contribuinte do financiamento coletivo é baixo: no formato mais tradicional, o dinheiro volta se a meta não for atingida. Para o criador, idem: a plataforma geralmente só abocanha uma porcentagem quando a arrecadação emplaca.
Não há registro se os grandes fabricantes acompanharam o lançamento do Pebble, mas aquela primeira campanha, em 2012, apontou onde estava a atenção dos fãs de tecnologia. Professor de empreendedorismo da FGV (Fundação Getulio Vargas), Roberto Kanter considera as plataformas de crowdfunding ótimas para perceber oportunidades e validar ideias. "Não significa que tudo o que bater a meta será um sucesso no mercado. Mas é um forte indicador de que aquilo realmente funciona." Para o bem e para o mal: se a campanha for bem feita e mesmo assim não houver interesse, pode ser hora de devolver a ideia para aquela gaveta de onde não deveria ter saído.
Tem campanha de financiamento coletivo que chega à casa dos milhões de dólares. Você consegue acertar quanto esses projetos arrecadaram?
Descrito como uma "festa portátil disfarçada de cooler", ele tem rodinhas, liquidificador, carregador de celular, alto-falante, luz interna, pratos, faca e abridor de garrafas. Macgyver curtiu isso.
Objetivo: US$ 50 mil
Eliza O'Neill, 6, foi diagnosticada com a doença degenerativa síndrome de Sanfilippo. Com o dinheiro, a garota dos EUA será submetida a uma terapia genética para impedir o desenvolvimento da doença.
Objetivo: US$ 2 milhões
A Sondor é descrita como a bicicleta elétrica mais versátil e acessível - na campanha, seu preço ficou em US$ 500. Tem bateria de íon-lítio (igual à do celular) e chega até 32 km/h, segundo o fabricante.
Objetivo: US$ 75 mil
Maior sucesso do Indiegogo, a campanha muda a forma de coletar mel. "Compatível com colmeias existentes", o sistema australiano promete "mel na torneira", abelhas mais felizes e menos chances de picadas.
Objetivo: US$ 70 mil
Fundo de recuperação Mãe e filha assistiam à maratona de Boston quando foram atingidas. A mãe - que então prestigiava sua outra filha na corrida - perdeu as pernas. Celeste e Sydney têm uma intensa rotina de tratamentos.
Objetivo: US$ 1 milhão
O jogo para computador é uma homenagem aos clássicos de 8 e 16 bits. Toda a saga é cantada em português e de maneira bem-humorada: os autores tiram sarro dos clichês tão comuns no universo dos games.
Objetivo: R$ 125 mil
Em 2012, o relógio inteligente arrecadou US$ 10 milhões. Em 2015, teve outra marca histórica. A nova versão mostra no visor uma linha do tempo com eventos, notificações, ligações, alertas e notícias.
Objetivo: US$ 500 mil
A banda brasileira ofereceu seu sétimo disco em troca de ajuda financeira. Ainda na onda colaborativa, os músicos passaram a tocar, em alguns shows, um set list com as músicas mais votadas pelo público.
Objetivo: R$ 60 mil
Objetivo é mudar de SP para MG o santuário Rancho dos Gnomos, que acolhe animais apreendidos e resgatados. Com modelo flexível, a campanha não exige que se atinja a meta para receber o valor arrecadado.
Objetivo: R$ 1,2 milhão
Bel Pesce Tour nacional de palestras em que a empreendedora divulgou o conteúdo de seu 3º livro, "A Menina do Vale 2". Contribuições a partir de R$ 35 garantiam acesso grátis a uma das apresentações feitas em 2015.
Objetivo: R$ 260 mil
Após observarem casos de sucesso em diferentes partes do mundo, grandes empresas começam a se aproximar do movimento. Por que ficariam de fora, se a alternativa promove a tão desejada inovação? "Pode ainda haver receio sobre o sigilo de informações, mas essas ferramentas encurtam o desenvolvimento de produtos e serviços. Os ciclos tradicionais são hoje incompatíveis com a velocidade da evolução: a pressão para inovar é cada vez maior", explica Cassio Spina, presidente da associação de apoio ao empreendedorismo Anjos do Brasil.
Nessa corrida, a colaboração do público não vem necessariamente do dinheiro. Quando se vai para outras alternativas - sugestões, ideias, conhecimento e opiniões -, a ajuda ganha o nome de crowdsourcing. E funciona: imagine quantos funcionários seriam necessários para manter a Wikipedia atualizada, caso fosse uma empresa tradicional. Estudo realizado em 2015 pela plataforma colaborativa Eyeka aponta a Coca-Cola como a maior adepta do crowdsourcing, com 34 iniciativas em dez anos. Caso da campanha "Smile Back" (sorria de volta), de 2013, que consiste em um vídeo idealizado e executado com a contribuição dos internautas.
No Japão, a Sony disponibilizou em julho de 2015 a plataforma First Flight, onde inventores e empresas iniciantes podem exibir seus produtos, vendê-los e trocar informações. Essa infraestrutura fornecida, gerenciada e observada (possivelmente com lupa) pela fabricante dá apoio a novos negócios e fomenta a criação de produtos "além das fronteiras organizacionais existentes". Fronteiras nas quais, veja só, a própria Sony está inserida. É uma forma de trazer para perto iniciativas das mais diversas e ainda avaliar a reação do público, que pode interagir com as empresas adeptas à plataforma.
A General Electric faz algo parecido em seu site Firstbuild, dedicado à próxima geração de eletrodomésticos. Ao apresentar o projeto, em 2014, o executivo Kevin Nolan reconheceu que até a oitava maior empresa do planeta precisa de uma ajudinha para transformar o mundo. "Mesmo tendo muitos profissionais talentosos e dedicados trabalhando na GE, percebemos haver uma quantidade enorme de criatividade e talento fora da empresa."
Desenvolvida na Firstbuild, a máquina de gelo Opal arrecadou US$ 2,8 milhões (R$ 11,2 milhões) via Indiegogo - segundo a GE, os principais colaboradores ganham prêmios e royalties sobre as vendas. Usando como chamariz a consistência mastigável do gelo, o sucesso do produto indica esta característica como relevante para 6.451 apoiadores, que doaram o equivalente a 1.700% da meta. E dá-lhe nicho.
Máquina de gelo Opal que arrecadou US$ 2,8 milhões
Victor Hugo Cruz, engenheiro e fundador da Vela Bikes
As muitas possibilidades na hora de investir refletem-se também nas diversas formas para viabilizar ideias. Pegue o exemplo da brasileira Vela Bikes, empresa de bicicletas elétricas. O projeto desenvolvido pelo engenheiro Victor Hugo Cruz, 26, foi financiado por campanhas nas plataformas Kickstarter (US$ 29,5 mil; R$ 117,7 mil), Indiegogo (US$ 26,4 mil; R$ 105,3 mil ) e Catarse (R$ 45,2 mil). A startup já concluiu a entrega das recompensas no Brasil, onde aceita encomendas online e montou sua loja física (São Paulo). Nos EUA, a previsão é iniciar as vendas ainda no primeiro semestre.
Mas não é só isso, como diria o insistente comercial. Para levantar capital, consolidar o negócio e expandir para outros Estados além de São Paulo, a equipe hoje composta por 12 pessoas planeja aderir à plataforma de investimento Brootas. A meta é levantar R$ 500 mil em seis meses num sistema conhecido como equity crowdfunding, que mistura o conceito de bolsa de valores e crowdfunding - em vez de apostar num projeto, o investidor coloca seu dinheiro na própria empresa. As contribuições, que partem de R$ 1.000, podem também ser feitas por pessoas físicas.
Enquanto trabalha em um plano consolidado para receber novos investimentos, o engenheiro avalia o saldo do crowdfunding como positivo: "Sem o financiamento coletivo, precisaríamos de alguns anos para chegar ao estágio em que estamos hoje".
Inovação, arrecadações milionárias, vídeo da Coca-Cola com pessoas sorridentes. Este é o momento do alerta, quando tudo soa bom demais para ser verdade - principalmente em se tratando de dinheiro. É hora, então, de dar um passo para trás e ter em mente que os riscos sempre existem: se quiser brincar de crowdfunding, terá de precaver-se com informações sobre a plataforma utilizada, o projeto escolhido e quem são os responsáveis por aquela ideia. Na prática, cuidados parecidos com os de qualquer compra online.
Algumas características desse sistema jogam a favor dos usuários. O primeiro é a transparência: as chances de receber investimento aumentam quando o dono do projeto realmente interage com o público, divulga o máximo possível de informações, dá satisfação. "Tinha muito medo de mostrar minha ideia e me protegi como podia, com registro de marca, patente, direito industrial. Mas percebi que, se não mostrasse, nada sairia do papel", lembra Márcio, do Molas. Busque, portanto, as propostas mais transparentes. Tem também o fato de as plataformas fazerem uma pré-seleção daquilo que divulgam.
Se tudo der errado, a Fundação Procon esclarece que o Código de Defesa do Consumidor vale também para esse tipo de negociação. "O consumidor deve ficar atento às regras do projeto e a todas as condições. Lembrando que os sites que hospedam os projetos também podem ser responsabilizados em casos de não cumprimento da oferta", explicou a instituição por e-mail.
Algumas propostas podem ser bem (bem!) estranhas - mesmo assim, em muitos casos dão certo.
Adivinhe qual dos produtos abaixo atingiu a meta.
Queria
US$ 250 mil
Arrecadou
US$ 3,5 milhões
Fone visual de orelha de gato
Queria
US$ 123
Arrecadou
US$ 0
Site para pedir desculpas a estranhos
Queria
US$ 50 mil
Arrecadou
US$ 1,7 milhão
Relógio que projeta horas na mão
Queria
US$ 4.000
Arrecadou
US$ 2.157
Adesivo luminoso para roda da bike
Queria
US$ 45 mil
Arrecadou
US$ 3.168
Máscara para dormir com Bluetooth
Queria
US$ 50 mil
Arrecadou
US$ 66,7 mil
Forma de waffle com visual de teclado
Queria
US$ 1,6 bilhão
Arrecadou
US$ 1,9 milhão
Fundo para socorrer a Grécia
Queria
US$ 200 mil
Arrecadou
US$ 1,6 milhão
Câmera interativa com visual de coruja
Queria
US$ 3.700
Arrecadou
US$ 252
Interruptor com botões de fliperama
Queria
US$ 10 mil
Arrecadou
US$ 27,8 mil
Recipiente para alimentos picados
Queria
US$ 33 mil
Arrecadou
US$ 249 mil
Peça para trocar de roupa em público
Queria
US$ 8.888
Arrecadou
US$ 679
Cabo para enrolar fone de ouvido
Em julho, pela primeira vez na história, a FTC (Federal Trade Commission, comissão reguladora do mercado norte-americano) interveio em um caso de fraude via crowdfunding. O criador de um jogo de tabuleiro arrecadou em 2012, no Kickstarter, mais de US$ 122 mil (R$ 486,9 mil) de 1.246 colaboradores - a meta inicial era US$ 35 mil (R$ 139,7 mil). Depois cancelou o projeto e gastou o dinheiro com suas despesas pessoais. Fuén! Ele foi condenado a pagar US$ 111,7 mil (R$ 445,8 mil), mas, diante da falta de recursos, ficou apenas proibido de fazer campanhas. FTC e Kickstarter não esclareceram se, de alguma outra forma, as vítimas foram ressarcidas.
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) estuda uma proposta de regulação para o financiamento coletivo no Brasil e planeja, para 2016, uma audiência pública sobre o tema. Com base em uma instrução de 2003, a comissão vem concedendo a dispensa de registros para oferta de valores mobiliários via crowdfunding - as ofertas da Brootas, citada acima, têm essa dispensa e, portanto, podem ser negociadas. Os números da CVM mostram o aumento do interesse na área: foram concedidas duas dispensas em 2013, três em 2014 e 42 em 2015. Há também na Câmara dos Deputados um projeto de lei, de 2013, que propõe diretrizes para a atuação das plataformas de financiamento.
Nos EUA, as regras foram determinadas em outubro pela SEC (Securities and Exchange Commission), instituição equivalente à CVM. Entre as determinações, está a obrigatoriedade de as campanhas detalharem determinadas informações e um limite no valor que pode ser arrecadado (a quantia varia de acordo com o perfil do criador).
Rovalde Banchieri artista plástico e fundador da Kalango Analógico
Diante de alguns casos de fraude e de muitas iniciativas que não atingiram a meta, o crowdfunding ensina a importância de os bons projetos estarem calcados em boas campanhas. Como um plano de negócios, uma estratégia com começo, meio e fim. Trata-se de uma plataforma, de mais um meio para fazer o negócio virar, não de uma solução fácil para desovar aquela sua ideia ainda não concluída.
O artista plástico Rovalde Banchieri, 38, aprendeu na prática a importância do planejamento enquanto concretizava seus projetos de jogos de tabuleiro RPG (role playing game ou jogos de interpretação). "Precisa começar o mais barato possível, pois você não sabe se vai dar certo." O primeiro projeto, em 2013, começou com 200 cartas e foi aumentando conforme as metas eram atingidas. No final, "Runicards: Batalha pela Terra do Fogo" chegou a 400 cartas com os R$ 61 mil arrecadados. Desde então, foram outras quatro campanhas - a mais recente, no site brasileiro Kickante, chegou a R$ 194,5 mil (694% sobre a meta de R$ 28 mil). Rovalde deixou a área de publicidade e, em 2013, criou a empresa Kalango Analógico para dar suporte aos jogos hoje disponíveis.
"Tudo deve estar muito bem amarrado, é preciso envolver as pessoas o tempo todo", ensina. Essa troca vem principalmente das redes sociais, onde os fãs de RPG palpitam e se mobilizam pelos projetos da Kalango. Em 2015, por exemplo, muitos acompanhavam em tempo real a conclusão da campanha para o jogo "Última Fortaleza", encerrada com R$ 76,8 mil. Ao perceberem que faltava pouco para uma meta ser atingida (aquela que viabilizaria elementos ligados à raça humana, criada depois dos elfos e anões), alguns colaboradores se dispuseram a colocar mais dinheiro. "Foi um sentimento único, uma torcida igual à de final de campeonato, com uma grande comemoração a cada real que era adicionado. Fez valer a pena todo o esforço para produzir o jogo", lembra Rovalde.
Diretor de pesquisa na consultoria Gartner, Vassil Mladjov acredita que futuramente esse modelo se expandirá para outras áreas, como construção de prédios, montagem de veículos e também filantropia. "Temos como denominador comum a tecnologia, que hoje nos permite tomar conhecimento de um problema, trabalhar juntos para resolvê-lo e financiar sua solução." Também de olho no futuro, Slava Rubin, diretor-executivo do Indiegogo, afirmou ao TAB que grandes empresas devem aderir ao movimento nos próximos dois anos. E que os lançamentos viabilizados pelo crowdfunding devem ganhar força em espaços específicos para comércio eletrônico - como já acontece no site Launchpad, da Amazon, onde é possível comprar essas novidades bancadas por gente como você.
Steve Jobs, que deu muitos tiros certeiros no lançamento de produtos, era contra pesquisas de mercado. "Henry Ford disse certa vez que, se perguntasse aos consumidores o que queriam, eles teriam dito um cavalo mais rápido. As pessoas não sabem o que querem até que a gente mostre a elas", afirmou o cofundador da Apple, segundo biografia escrita por Walter Isaacson. Talvez seja realmente preciso apontar as tendências. Com a diferença de que, hoje, isso pode ser feito em uma plataforma de colaboração - e não só quando um lançamento chega oficialmente às prateleiras.
Editora do UOL. Participou até agora de uma única campanha de crowdfunding. Mas o projeto não atingiu a meta, e o dinheiro foi devolvido.
tabuol@uol.com.brEsta reportagem também contou com apoio de:
7irisfilmes, câmera; Aldo Nakamura e Bianka Tomie, origamis; Massolution.com, pesquisa de mercado.
é um conteúdo produzido semanalmente pela equipe do UOL. Nossa missão é entregar uma experiência única e interativa com conteúdo de alta qualidade, em formatos inovadores e com total independência editorial. TAB só é possível por causa do patrocínio de algumas marcas, que também acreditam em conteúdo de qualidade. We them big time.