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SOB PRESSÃO

'Pior forma de governo, exceto todas as outras', a democracia entrou na mira da frustração causada pela crise econômica mundial. Muitos países discutem modelos diferentes, com alguns flertando com o extremismo. Até o Brasil vive um reflexo disso, enfiado num vácuo de representatividade que separa a classe política dos cidadãos.

Texto Daniel Buarque
Design René Cardillo

Tudo parecia ir bem, até que a economia estragou o clima. Desde a queda do Muro de Berlim, cada vez mais países davam poder ao povo e se transformavam em democracias, mas o sistema político começou a mostrar problemas por volta de 2008. A crise financeira chegou, mostrou suas garras e corroeu o que havia de confiança nas instituições. Na outra ponta desse cenário, ganhavam força movimentos extremistas, retrocessos políticos e populismo crescente.

Foi assim em muitas partes do mundo, entre elas o Brasil. Esse momento chegou por aqui um pouco mais tarde e de maneira sensivelmente diferente. Mas, assim como na reação inicial contra a tal "marolinha", o "gigante" começou a se mexer ao vislumbrar mais problemas pela frente. O país parecia que ia despertar em junho de 2013, mas a eleição do ano passado trouxe uma resposta mais conservadora das urnas e, desde o começo de 2014, surgiram vozes radicais que pedem a volta dos militares e do autoritarismo.

O problema crucial no Brasil passa também pelo desencantamento e falta de identificação entre cidadãos e políticos. Mesmo que não haja uma situação extrema, a insatisfação está ligada ao malfadado modelo com o qual o país convive: uma intrincada rede de partidos políticos que confundem os cidadãos e geram paralisia do sistema.

Enquanto os brasileiros brigam e se rotulam de "coxinhas" e "petralhas", há uma perda de foco dos verdadeiros problemas políticos do país. É assim que a democracia começa a ser colocada em xeque. É dessa maneira que o povo perde sua força.

Uma nova era dos extremos

Entre autoritários e democratas

A crise que parece assolar o Brasil em 2015 é apenas uma fração do que acontece no mundo desde 2008. Um pente fino pelo globo mostra que quase metade da população mundial ainda vive sob governos autoritários, e mesmo onde há democracia vê-se enfraquecimento da governança, perda de participação política, encolhimento da liberdade de imprensa e deterioração geral com as atitudes associadas com o poder popular.

Fonte: Democracy Index - Economist Intelligence Unit

Há uma tendência de repensar a democracia dado o mal-estar político e econômico no mundo. As pessoas estão cada vez mais descontentes e querem chacoalhar o sistema, mudar tudo.

Riordan Roett, cientista político

Democracia em xeque

Casos evidentes de retrocesso

Golpe militar na Tailândia, crise política no Egito, cerceamento a liberdades na Venezuela, violência e corrupção no México: os últimos anos registraram graves ataques à democracia mundial.

Grécia

Anos após a maior crise econômica de sua história recente, o berço da democracia elegeu o líder da legenda radical de esquerda Syriza Alexis Tsipras. Foi uma decisão democrática, mas mostra um movimento rumo ao extremismo.

Espanha

Formado por um grupo de acadêmicos, o partido Podemos rapidamente conseguiu apoio dos espanhóis insatisfeitos com a crise econômica, que rejeitam os partidos tradicionais. O Podemos é acusado de populismo pelos opositores.

Reino Unido

O partido de extrema-direita Ukip (Partido Independente do Reino Unido) tem recebido grande apoio e se consolida como importante força política. O Partido Verde também tem crescido ao tentar se colocar como alternativa de esquerda.

França

Disputa eleitoral tem se radicalizado. O partido de extrema direita FN (Frente Nacional) conseguiu atrair 25,7% dos eleitores nas eleições regionais em 2015, enquanto partidos da esquerda antiausteridade conquistaram 10% dos votos.

Extremismo no Brasil

Mesmo sem uma grande força extremista, o Brasil tem visto o aumento no número de vozes radicais que falam em impeachment e até a tomada de poder pelos militares.

As manifestações ocorrem no Brasil como um reflexo de um mal estar na democracia

José Alvaro Moisés, cientista político

Desde a última eleição, a explosão de rótulos sugere que a discussão política tenha deixado de lado qualquer racionalidade. Com um empurrãozinho das redes sociais, o país se dividiu, fez amigos se afastarem e criou até brigas familiares.

No meio dessa gritaria existe extremismo dos dois lados, mas isso felizmente ainda é minoria. Segundo o Datafolha, apenas 10% dos manifestantes antigoverno que foram às ruas em 15 de março de 2015 concordam com a ideia de que, em certas circunstâncias, é melhor viver sob uma ditadura militar. Nesse mesmo cenário, nenhum movimento de esquerda se transformou na "ameaça comunista" da vez, apesar do que dizem os conservadores.

Perdidos entre os agentes da política nacional, os brasileiros esquecem que a democracia é maior que a Presidência. Um dos saldos desse comportamento foi a eleição em 2014 do Congresso mais conservador em décadas, mantendo os problemas do sistema político e afastando qualquer chance de uma reforma verdadeiramente democrática. Esse quadro colocou no Brasil no rol dos países em retrocesso.

Democracia no voto e no grito

Um laboratório de políticas para o mundo

Todos parecem insatisfeitos. Os impostos são altos e não há serviços públicos de qualidade, segurança ou garantias sociais e, como se não bastasse, sobram casos de corrupção. Há desconfiança sobre as instituições, partidos e congressistas. E por isso os brasileiros estão indo às ruas protestar, seja contra o governo ou contra decisões do Congresso.

Isso ainda é um símbolo de que a democracia existe - afinal, os brasileiros têm liberdade de manifestação. É esse grito uma das maneiras mais fortes de mostrar que ela está viva. E mesmo nessa situação aparentemente caótica, o Brasil está em 44º lugar no ranking global de liberdades democráticas, à frente de uma centena de outros países.

A questão é encontrar uma forma desse grito virar voto transformador. Reclamar nas ruas é importante, mas não adianta o "gigante" protestar e manter a cada eleição tudo igual - ou pior - em Brasília ou nos grandes centros do país se não houver uma cobrança por uma mudança real no sistema político.

Vivemos uma crise de governo e de funcionamento de instituições. E isso pode evoluir de forma perigosa para uma crise institucional mais generalizada

José Álvaro Moisés, cientista político

Por outro lado, o Estado precisa garantir a qualidade da democracia além do voto. Além das eleiçóes, existem outras variáveis importantes para avaliar esse potencial num país. É preciso considerar a questão da liberdade e da igualdade entre os cidadãos, além de analisar o funcionamento dos procedimentos institucionais e o respeito ao império da lei. A democracia brasileira funciona, mas ainda tem muitos problemas nessas áreas.

Fonte: Latinobarómetro

todo mundo para fora

Um país dividido entre 'coxinhas' e 'petralhas'

O maior alvo das disputas políticas do país é a Presidência. Independentemente do desempenho do governo Dilma Rousseff, o sistema no qual o Brasil está enfiado é um problema muito maior. Enquanto parte dos manifestantes pede o impeachment da presidente e o outro lado fecha os olhos para problemas no governo federal, o Brasil segue com sérios problemas na representação política. São 32 partidos, 513 deputados, 81 senadores e mais de 200 milhões de brasileiros frustrados.

O Brasil é um país profundamente dividido. A natureza das instituições políticas divididas é criar impasses, limitar o poder de um possível déspota

Biorn Maybury-Lewis, diretor do Instituto Cambridge de Estudos Brasileiros

uma naçãosem harmonia

Na teoria, a democracia deveria ser uma constante busca pelo consenso, pelo melhor caminho para todos os cidadãos. Na prática, a política brasileira vive uma disputa de poder que ignora os interesses da população e faz os três poderes competirem em total desarmonia.

Parte da culpa é do presidencialismo de coalizão, sistema político que em tese garante a governabilidade no Brasil desde a redemocratização. O sistema funciona como um formato de alianças, que acabam dependendo dos jogos de interesses entre os vencedores das eleições.

Após a eleição, o laço que uniu eleitor e político eleito se desfaz, e o que passa a valer é a busca pelo poder e pelos interesses dos partidos e congressistas.

jogo da coalizão

governar não é tarefa fácil

Toda democracia envolve uma série de negociações e acordos entre políticos para viabilizar o funcionamento do sistema. Veja como é difícil, no Brasil, articular a relação entre Executivo e Legislativo para formar uma base aliada sólida.

bem-vindo àrepública do TAB

Você é um político do partido P1 e acabou de ser eleito presidente do país. O Congresso da República TAB é formado por cinco partidos políticos, que têm número igual de votos: P1, P2, P3, P4 e P5.

Para aprovar projetos de lei, você precisa do apoio da maioria do Congresso, ou seja, de três dos cinco partidos.

Seu objetivo é convencer outros dois partidos além do seu a votar a favor de um novo projeto de lei que diz: todo cidadão terá acesso aos números de telefone celular de todos os políticos da República do TAB! Assim qualquer pessoa poderá ligar sempre que quiser e discutir a política do país e propor melhorias. Olha que maravilha. :)

faça propostasaos partidos

Clique nos partidos (P2, P3 ou P4) para tentar convencê-los a formar uma coalizão de governo.

seu projeto de leifoi aprovado!

Você conseguiu formar uma coalizão para governar. Mas como política não é uma ciência exata, a mesma estratégia pode não funcionar duas vezes. Quer tentar de novo?

seu projeto de leifoi recusado...

Você não conseguiu formar uma coalizão para governar e vai ter dificuldades por todo o mandato. Mas não desista, a política não é uma ciência exata e você pode se sair melhor na próxima vez. Boa sorte!

ixi... você foi preso!

Você foi preso por se envolver em corrupção. Compra de votos é crime. Mas como a República do TAB é ficção e isso é apenas um jogo, tente novamente! Pelo menos agora já sabe o que acontece quando não se é honesto...

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Este é o seu partido Você já conta com o apoio dele

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Propor para p2

Ideologia parecida Tem mais chances de apoiar

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Propor para p3

Partido de centro Flutua entre os dois lados.

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Propor para p4

Ideologia diferenteDifícil, mas está aberto à negociação.

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OposiçãoNão adianta negociar, não vai apoiar.

Recomeçar o jogo

o muro de concreto

sociedade e políticos separados por uma barreira

Depois de cada eleição, ergue-se um grande muro de concreto entre governantes e população. Por qualquer que seja o motivo, os cidadãos brasileiros não acompanham as atividades cotidianas do Congresso e não sabem o que os parlamentares fazem a não ser em casos de maior debate.

Essa separação entre o povo e os políticos cria um grande déficit de representação, uma desconexão entre o que os cidadãos querem e pensam com o que seus representantes fazem.

poderfragmentado

O sistema partidário brasileiro é o mais fragmentado do mundo, com dezenas de vozes e interesses que têm imensa dificuldade em chegar a um consenso que torne a política mais próxima dos cidadãos e faça os brasileiros entenderem seus líderes.

Só cinco ou seis partidos são relevantes no fim das contas. Ninguém sabe quem são os 28 partidos com representação

Leonardo Paz, cientista político

A fragmentação deveria ter um aspecto positivo ao dar voz a diferentes interesses, mas faz com que seja difícil para presidentes governarem. Isso pode equilibrar os poderes da República, mas também pode tornar o presidente refém dos parceiros de coalizão.

O eleitor não vê diferença entre os partidos e nem gosta muito dos que conhece. Isso enfraquece a democracia. Faz com que os cidadãos deixem de acreditar no sistema e não se sintam representados. Ao diminuir a representação, a democracia perde uma de suas questões centrais: dar poder ao cidadão comum.

Índice da confiança

A separação entre políticos e cidadãos se reflete na baixa confiança dos brasileiros nas instituições políticas: o Congresso e os partidos são as instituições em que se tem menos confiança no país.

O índice de confiança social, em pontos, foi apurado pelo Ibope. Os dados que mostram a evolução histórica do prestígio das instituições, em porcentagem, são do Datafolha

partidossem partido

A liberdade partidária foi conquistada no Brasil depois de anos de ditadura e é parte essencial da abertura ao debate que é necessário na democracia. O problema é que muitos desses 32 grupos políticos não têm linha ideológica muito clara, não defendem um conjunto específico de práticas políticas e acabam orientados pela participação no jogo político. São partidos que não tomam partido de nada e que se confundem em dezenas de siglas que não dizem nada ao cidadão.

É óbvio que não há 32 programas de governo diferentes

Scott Mainwaring, cientista político cientista político

As legendas políticas se proliferaram dentro da disputa pelo poder, criadas para acomodar mais interesses e parcerias do que ideologias reais. É tanto assim que desde o fim da ditadura praticamente nenhum grupo de políticos se assume abertamente como sendo de direita. No Brasil atual, os partidos se classificam mais como centro e esquerda, criando uma situação na qual parece não existir sequer diferença entre esquerda e direita entre os políticos.

na hora de fazer o cartaz

Faxinas e reformas do sistema político

Se a política brasileira não representa a população, a solução para a crise na democracia do país passa pelo aprimoramento desse sistema. O caminho para chegar a isso começa pela superação da animosidade política que criou a polarização entre governo e oposição e pela busca da tão falada reforma política. Em vez de tratar democracia como torcida de futebol, é preciso unir as vozes por uma melhor seleção brasileira de políticos que representem todo o país.

Existem dezenas de propostas de mudanças da política nacional, mas não há ainda um consenso sobre qual a reforma ideal. Entre os projetos há a ideia de mudar a forma de eleger deputados, criando o voto por distrito. Assim, os eleitores escolheriam candidatos da área em que votam, exigindo uma maior proximidade entre os políticos e os cidadãos. Há ainda projetos para diminuir o número de partidos, para controlar os gastos milionários de campanhas políticas superficiais e sem conteúdo e mesmo para proibir o financiamento dessas campanhas com dinheiro de empresas que vão cobrar os valores em forma de favores políticos.

Nesse caminho há uma pedra, um bloqueio formado pelos interesses dos políticos brasileiros. Mesmo que a reforma tenha sido tratada como "bala de prata" há anos, até agora ela não foi usada, pois seria preciso "boa vontade" dos políticos, os mesmos que acabam se beneficiando dos problemas de representação e que conseguem se manter no poder mesmo sem apoio real dos cidadãos. Enquanto a população protesta contra o governo federal, o Congresso aprovou recentemente o aumento da verba pública usada para financiar os partidos políticos. Em vez de buscar uma aproximação com os cidadãos, os parlamentares preferiram encher os cofres das 32 instituições que os brasileiros dizem mal conhecer e gostar pouco.

É difícil esperar de políticos assim as reformas que melhorariam a representação e dariam mais poder ao povo, pois melhorar a democracia é igual a diminuir a força deles e aumentar a dos cidadãos. Os brasileiros precisam fazer sua parte e conhecer melhor os candidatos em que votam, bem como cobrar por promessas e pela postura durante o mandato; já os políticos precisam agir de forma transparente, se aproximando da população e ajudando a derrubar o muro de concreto que separa as duas esferas.

a democraciado futuro

Enquanto no Brasil a discussão sobre o futuro da democracia passa necessariamente sobre ideias relacionadas a uma reforma do atual sistema político, no resto do mundo a crise começa a abrir perspectivas para a renovação da democracia.

Uma das linhas em que se começa a trabalhar é em relação à utilização de tecnologias a serviço da ampliação da democracia e da representação. A internet permite uma maior participação popular nos processos de decisão política e também pode fornecer aos cidadãos acesso a mais informações sobre os políticos no poder.

A Estônia realizou a primeira ampla eleição em que foi permitida a participação dos cidadãos pela internet. Depois de um teste em votações locais em 2005, com cerca de 10 mil eleitores, a eleição geral de 2007 permitiu o voto pela rede. Em 2015, mais de 176 mil pessoas votaram pela internet nas eleições parlamentares do mesmo país.

Outro exemplo de maior participação direta dos cidadãos aconteceu nesta década na Islândia. Depois de ser severamente afetada pela crise econômica, a Islândia começou a rediscutir a sua Constituição e, em 2011, os cidadãos do país puderam acompanhar e participar dos debates da reforma constitucional usando redes sociais como Facebook e Twitter.

Não será um processo rápido ou fácil, mas com uma maior transparência e com mais voz aos cidadãos, essa tal democracia ainda pode ter vida longa como o menos pior sistema de governo que o homem já inventou.

Daniel Buarque

Escritor e blogueiro do UOL. Prefere decisões no voto a ouvir ordens no grito

tabuol@uol.com.br

Esta reportagem também contou com apoio de:

Daniel Buarque, reportagem

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