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O caos e as pessoas

A ONU (Organização das Nações Unidas) já fez as contas: em 2050, duas a cada três pessoas viverão em cidades. Mas como fazer delas um lugar inspirador? Esse processo engatinha nas metrópoles brasileiras. A despeito da burocracia do Estado, temos por aqui dois fatores essenciais para uma arrancada. O primeiro é óbvio: cidades problemáticas. O segundo é a variável da equação: pessoas. Milhões delas. Ainda é um extrato minúsculo, mas algumas já direcionam suas vidas para, com inovação e criatividade, tomarem conta do seu meio e transformá-lo num lugar agradável para estar. São pessoas sob essa influência que o TAB convidou para apresentarem ideias que turbinem um momento de empoderamento coletivo. Se é viável em larga escala? Sim. Fácil? Muito longe disso. Mas também ninguém disse que seria.

Texto Luiz Romero
Design Denise Saito
Edição Daniel Tozzi

Iluminados

Neute Chvaicer

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Vale a pena se sentir bem com a maior invenção de todas

Como o sucesso pode ser possível num cenário tão desfavorável? Uma das respostas foi dada por Edward Glaeser, professor de Economia da Universidade de Harvard: as cidades são a grande invenção da espécie humana. A tese dele é simples. O professor afirma que centros urbanos atraem pessoas talentosas e fazem com que fiquem espremidas em calçadas, prédios e elevadores lotados. Soa ruim, mas é bom: essa proximidade aumenta a chance de um esbarrão criativo e de alguma ideia genial surgir. "Hoje, a prosperidade de Londres, Bangalore e Tóquio se deve à habilidade de produzir pensamento inovador", diz Glaeser em "Triumph of the City"

("Triunfo da Cidade", em tradução livre para o português - sem edição no Brasil). Criatividade, inovação e empreendedorismo, segundo o economista, são fomentados por densidade humana. "Cidades são motores de inovação desde que Platão e Sócrates se trombaram no mercado de Atenas", escreve. "Foram as ruas de Florença que nos deram a Renascença, enquanto as ruas de Birmingham nos apresentaram a Revolução Industrial". Então se você quer mudar algo, já sabe aonde ir. Mas tenha paciência. A maior invenção da história pertence a todos. O detalhe é que a maioria ainda não sabe. Ou finge não saber.

Observatório

Vapor324

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A esquina da sua casa pode ser uma plataforma de inovação

Em se falando da transformação urbana, o que começa com um esbarrão da tese de Edward Glaeser pode acabar na adoção de uma rua ou numa proposta de mobiliário urbano. A questão é criar as condições para a mudança, mesmo que seja tímida. O importante é ela ser instalada e depois modificada dependendo do impacto e da resposta da população ao protótipo. As cidades precisam dessa "permissão" para errar. A jornalista e pesquisadora Natália Garcia defende esse direito. Ela visitou 13 cidades na Europa e na América do Norte para uma pesquisa de soluções urbanas criativas que virou o projeto Cidades Para Pessoas.

Natália acredita que, com a simples possibilidade de testar e recuar em alguns projetos, uma cidade pode virar uma verdadeira plataforma de inovação. "Alguns de nossos problemas têm escalas gigantescas, mas também precisamos experimentar com iniciativas menores", diz a jornalista. Guilherme Ortenblad, integrante do coletivo de estúdios e pessoas que faz parklets e fundador do Zoom Arquitetura, endossa essa ideia. "Você pinta algo na calçada, isola um espaço com vasos ou cones, fecha uma rua por um período determinado. Se der certo, você mantém; se der errado, você muda", afirma.

Ruas Caminháveis

Zoom arquitetura

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O segredo da felicidade é colocar a sua cadeira na calçada

Toda essa prototipagem, testes, mudanças e afins numa cidade têm que resultar em bem-estar. Segundo uma pesquisa de 2011, divulgada na Urban Affairs Review, publicação acadêmica sobre urbanismo da Universidade de Chicago, pessoas são mais felizes quando vivem em cidades mais limpas e seguras. Até aí, mais do mesmo. Mas a pesquisa também indica que, acima desses dois, o fator que mais produz felicidade para moradores de grandes capitais é a beleza da cidade onde vivem. Para Ana Neute e Rafael Chvaicer, arquitetos do estúdio NeuteChvaicer, cidades mais bonitas ajudam as pessoas a entenderem o espaço urbano como algo além do funcional.

"Hoje o espaço público é visto por muitos apenas como um local de trânsito, atravessado para conseguir chegar em algum lugar", afirma Rafael. "Apenas quando as pessoas alcançam seus destinos, uma casa, uma loja, é que encontram um espaço de estar", completa. Segundo o arquiteto, o acolhimento da casa, um lugar de estar, precisa ser incorporado pela cidade. A dupla acredita que muitas partes do espaço urbano - postes, placas, calçadas - fazem exatamente o contrário: aumentam a sensação que a cidade serve apenas para ser percorrida. Ou pior: que a cidade não é um lugar acolhedor, mas um espaço de violência.

Bueiros Conectados

Andrei Speridião

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Faça o checklist para escolher o lugar onde vale a pena estar

Os arquitetos Jan Gehl e Lars Gemzoe estudam urbanismo no lugar que melhor sabe construir cidades, a Escandinávia. Eles dizem que é preciso respeitar algumas regras na hora de produzir espaços onde as pessoas queiram estar. Em "New City Life" ("Nova Vida Urbana", sem edição no Brasil), a dupla defende 12 critérios para definir um bom espaço público. Entre algumas características, o lugar precisa ter espaço para caminhar e para prática de esportes, não pode ter poluição ou barulho e deve ser construído em escala humana - nada de obras monumentais. Tudo isso numa cidade? Claro que sim.

A jornalista Natália Garcia transformou as regras de Gehl e Gemzoe em cartazes, pendurados numa exposição na Matilha Cultural, em São Paulo. Inspirada pelos nórdicos, ela simplifica que o conceito "lugar de estar" remete a um espaço onde é "agradável permanecer". "Onde você não está respirando poluição, não está com os ouvidos cheios de barulho, não tem que gritar para ser ouvido, não sofre risco de ser assaltado", afirma. Além de tudo, um lugar que permite uma experiência rara, principalmente numa metrópole: momentos de inatividade, silêncio e observação.

Medidor de Poluição

Garagem Fablab

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Dá para o transformador fazer do poder público um aliado

Os arquitetos da Vapor 324 abraçam a ideia da criação de espaços como o proposto pela jornalista Natália Garcia, onde inatividade, silêncio e observação triunfam sobre a massa urbana que, para eles, cria um ambiente claustrofóbico. A questão é como viabilizá-los. "O poder público ainda não possui muita estrutura para pensar em coisas pontuais na cidade", diz Natália. A saída contra a burocracia é recorrer a plataformas digitais - nesse quesito, a Prefeitura de São Paulo oferece um edital que visa ao incentivo da inovação digital. Entram aí o Bueiros Conectados, do designer Andrei Speridião, e o Smart Citizen, tocado pelos integrantes do Garagem FabLab,

um laboratório de fabricação digital. Os dois projetos possuem alguns aspectos em comum: empoderam o cidadão ao fornecer informações sobre as condições do entorno e utilizam sensores para captar a enorme quantidade de dados produzida por segundo pela cidade. Lidar com esse fluxo de informação é mais um exemplo da dimensão do desafio urbano. Tanto que todos os colaboradores deste TAB concordam que não existe solução mágica. Eles também são rápidos em dizer que nenhum de seus projetos conseguirá resolver muita coisa. No entanto, continuam tentando. Porque a cidade está aí para ser ocupada e agradável.

Luiz Romero

Colaborador do UOL. Partiu para rodar o mundo por várias cidades, mas sempre volta a Santo André.

tabuol@uol.com.br

Denise Saito

Designer e faz-tudo do TAB. Desde pequena é desenhista, dançarina e fã de brócolis. Não contém glúten

tabuol@uol.com.br

Esta reportagem também contou com apoio de:

Luiz Romero, reportagem. Apu Gomes, Daniel Mobilia, Danilo Verpa, Edson Silva, Fabio Braga, Junior Lago, Lalo de Almeida, Rivaldo Gomes, Robson Ventura e Wesley Lee Yang, fotografia; Rapahel Villar, câmera; Maryah Kay e Raquel Arriola, edição de vídeo. Agredecimentos: FabLab Barcelona.

é um conteúdo produzido semanalmente pela equipe do UOL. Nossa missão é entregar uma experiência única e interativa com conteúdo de alta qualidade, em formatos inovadores e com total independência editorial. TAB só é possível por causa do patrocínio de algumas marcas, que também acreditam em conteúdo de qualidade. We them big time.