QUERO ENTRAR NA FOLIA

Parados por dois anos devido à pandemia, grupos tradicionais de Pernambuco se preparam para volta do Carnaval

Wagner Oliveira (texto) e Brenda Alcântara (fotos) Colaboração para o TAB, do Recife Brenda Alcântara/UOL

Os finais de semana na casa de Cristiane Aguiar, 51, sempre foram de muito samba. Ainda menina, ela já dava os primeiros passos no ritmo junto com a irmã. Enquanto o pai escutava músicas na radiola, as filhas dançavam. Começou ali o sonho de desfilar numa escola de samba. Hoje, Cristiane, Cris Imperatriz como é conhecida artisticamente, é rainha de bateria da escola de samba mais antiga em atividade no Recife. Após dois anos sem Carnaval, a passista espera animada pelo retorno à avenida.

Quem conhece o Carnaval de Pernambuco sabe que a diversidade cultural é grande. A saudade da folia de Momo, também. A pandemia de covid-19 fez a festa mais popular do estado ficar suspensa por dois anos. Passado o auge de casos e mortes relacionadas ao coronavírus, o Carnaval deste ano tem tom de retomada.

Neste mês, o TAB visitou agremiações tradicionais que estão nos preparativos finais para a volta da festa. A vontade de fazer bonito é grande, mas as dificuldades também são enormes: sem apoio financeiro, muitos blocos, escolas de samba, orquestras de frevo, maracatus e outras manifestações culturais estão precisando suar a camisa para desfilar no período carnavalesco.

A volta vem com tributos e homenagens. Com 105 anos de existência, o Maracatu Rural Cambinda Brasileira, da Mata Norte do estado, mantém viva a tradição nascida na primeira década do século passado nas terras dos engenhos, em meio aos canaviais — e, neste ano, quer voltar depois do luto: em abril de 2020, o grupo perdeu a madrinha espiritual, Severina Maria da Silva, 72, conhecida como Dona Biu.

Apaixonada por Carnaval e por blocos líricos, a cantora Nilza Ângela Pereira, 64, lembra que quase se foi quando teve covid-19. "Passei 36 dias internada, 20 deles estava entubada e quase fui embora. Mas voltei e estou aqui lutando pelo Batutas", diz, referindo-se ao Bloco Carnavalesco Misto Batutas de São José.

Recentemente, Nilza foi à internet pedir ajuda: gravou um vídeo para chamar a atenção das autoridades, "para que alguém olhasse pra gente e ajudasse o bloco", que enfrenta dificuldades financeiras para manter viva a tradição da folia pernambucana.

Quem faz parte do Bloco Carnavalesco Misto Batutas de São José sabe bem o significado da palavra "resistência". As fantasias e os flabelos são guardados com muito cuidado e carinho, e só ganham as ruas em apresentações especiais e durante o período momesco. Os troféus também são relíquias.

Nascida no coração do centro do Recife, no bairro de São José, a agremiação é uma das mais tradicionais do Carnaval de rua da capital pernambucana. Hoje, a sede funciona no bairro de Afogados, zona oeste do Recife. Aos 91 anos, o bloco pode perder o endereço devido a uma dívida de mais de R$ 1 milhão de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). "Não temos como pagar esse valor de jeito nenhum", conta Nilza.

Ela tem o Batutas dentro do coração. Entrou em 2014, como coralista, e nunca mais saiu — chorou de emoção na primeira vez em que vestiu uma fantasia da escola. "Amo isso daqui e vou lutar para ele não se acabar."

Em 2019, eles não desfilaram por dificuldades financeiras. Também deixaram de sair às ruas em 2021 e em 2022, devido às restrições impostas pela pandemia. Na volta, vão homenagear Edite, considerada uma das responsáveis pela continuidade dos Batutas, e os brinquedos populares que são patrimônio pernambucano, conta a professora Raquel Eduardo, 64, outra apaixonada pela agremiação.

O hino do bloco é famoso e já embalou muitos carnavais: "Eu quero entrar na folia, meu bem. Você sabe lá o que é isso? Batutas de São José, isso é, parece que tem feitiço". Os versos são de João Santiago, um dos grandes nomes do Carnaval e da cultura de Pernambuco.

Entrar na folia também é o objetivo da Limonil, a escola mais antiga em atividade no Recife, fundada em 1938. Conhecida como "Mãe do Samba", ela não está no grupo especial, mas vai para a rua este ano com sede de título e em busca da possibilidade de deixar o grupo 1 (de acesso).

Carnavalesco há 28 anos, Alexandre Lima, 53, trabalha dia e noite na finalização das fantasias. "A escola também terá uma porta-bandeira trans. É importante a gente pensar na inclusão social", pontua.

A escola vai desfilar com três carros alegóricos. Num deles estará o homenageado deste ano, o sambista Wellington do Pandeiro, junto com a família. O presidente da Limonil, Chico Moura, 59, diz que tem se virado como pode para ir à avenida. "A ajuda que a gente recebe por parte da prefeitura é pouca para a quantidade de coisas que precisamos ter para um bom desfile", conta.

Em novembro do ano passado, um incêndio atingiu a sede da agremiação e muita coisa foi destruída. Então, grande parte do material usado nas fantasias foi reaproveitada de outras roupas e também está sendo usado material encontrado na rua, como caixas de papelão.

"A gente ama isso daqui, não podemos deixar a Limonil se acabar. Contamos com a ajuda de todo mundo para levar nossa escola para rua."

Quando a Limonil entrar na avenida na segunda-feira de Carnaval, o público pode se surpreender. Ao lado da rainha Cris Imperatriz estará o personal trainer Júnior Fitness, 25, o primeiro rei de bateria de uma escola de samba do Recife.

Júnior diz que críticas e julgamentos não o desencorajaram. Desde pequeno, ele acompanhava a mãe em escolas de samba e, aos 15 anos, desfilou pela primeira vez como integrante de ala.

"Esta será a primeira vez que estarei como destaque. Estou muito feliz e contando os dias para o desfile", afirma. "Vou sambar, sorrir, cantar e mostrar tudo que sei fazer. Nunca abaixei a cabeça para o que as pessoas diziam sobre mim e é por isso que agora estou aqui."

Cris também é uma fortaleza, só se abala com lembranças boas: lembrar da primeira vez que a filha, Joyce, foi vê-la desfilando levou lágrimas a seus olhos. Quando não está reinando, ela trabalha como trancista — a procura pelo serviço caiu muito desde o início da pandemia, lamenta. "Esse Carnaval será especial. A gente passou pela pandemia e vamos comemorar isso. Vai ser emoção pura."

Enche os olhos dos pernambucanos a beleza do maracatu. O gingado da dança e o colorido das roupas também encantam à primeira vista os turistas vindos de outros estados brasileiros e mais ainda os visitantes estrangeiros.

O encanto centenário do Maracatu Cambinda Brasileira acontece em meio aos canaviais, na Mata Norte: o rei, a rainha, o caboclo de lança, as damas de honra, o porta-estandarte, a dama do paço, o embaixador, o mestre, a baiana e o caboclo de pena são algumas das figuras do maracatu rural; nele, tudo é mágico.

É na sambada que a poeira sobe no terreiro do Engenho Cumbe, em Nazaré da Mata, conhecida como a terra do maracatu, deixando o cenário ainda mais místico. Primeira mulher presidente à frente do Cambinda Brasileira, Edlamar Lopes, 53, não esconde o orgulho do folguedo, "referência no nosso estado e no mundo com 105 anos de história".

No ano passado, o Cambinda fez uma homenagem para Dona Biu — uma exposição fotográfica que destacou a madrinha espiritual do grupo e outros personagens do maracatu. "Passamos por um momento difícil, porém conseguimos seguir e hoje estamos com uma nova proposta, com muita cor e alegria", diz Edlamar.

Hoje, o grupo sobrevive com dinheiro de apresentações, com a subvenção paga pela prefeitura no período carnavalesco e com uma bolsa mensal obtida em 2019, quando conseguiu ser aprovado como Patrimônio Vivo de Pernambuco. Depois de dois anos, o patrimônio volta às ruas. "Simboliza a vida."

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