Uma pessoa dá cabeçadas na parede. Um homem desenha uma casa. Outro guarda folhas de árvore na cueca. Um senhor narra a morte de Virgulino Lampião. Alguém grita.
Os 44 moradores da chácara Nosso Lar, em Anápolis (GO), aguardavam assim o almoço. Pelo menos 10 dos residentes vivem ali há mais de 30 anos — o mais antigo chegou em 1977. A maioria são homens, e um terço é negro. Sem documentos ou referências, eles foram trazidos das ruas por funcionários públicos, transferidos de abrigos ou abandonados pelos familiares.
Nosso Lar faz parte do Inmceb (Instituto de Medicina do Comportamento Eurípedes Barsanulfo). A sigla compreende tanto o hospital psiquiátrico filantrópico fundado em 1950, mantido com recursos próprios e do SUS, quanto a chácara, localizada a 20 minutos de distância e acessada somente por estrada de terra.
O histórico dos moradores ocupa meia lauda manuscrita do Projeto Terapêutico Singular vigente, ferramenta com objetivo de individualizar o tratamento psiquiátrico. A maior parte das histórias, no entanto, é preservada pela memória dos funcionários mais antigos e pelo que restou da voz de cada um após décadas de institucionalização.