PARAÍSO MÍSTICO

Há 44 anos, o guru Garth Bowles criou na Califórnia a sua comunidade

Bettina Hanna Colaboração para o TAB, de Boulder Gardens (EUA)

O lugar, próximo ao famoso parque Joshua Tree, no sudeste da Califórnia, não tem endereço exato. Consta o nome de uma rua, sem número. As poucas referências a ele na internet dão dicas vagas de como se chegar — o que se diz é que Boulder Gardens é um lugar para se viver "uma experiência".

Coordenadas em GPS de um post numa rede social são o ponto de partida para a chegada da reportagem do TAB ao misterioso point, cuja aura mística atrai visitantes do mundo todo. Mas a completa ausência de sinal no celular indica o quão singular essa experiência pode ser.

"Essa rua se chamava Devil's Gate [Portão do Diabo], mas o Garth conseguiu mudar para God's Way Love [Caminho Amor de Deus], foi à prefeitura e legalizou tudo", conta Kyle Martin, antigo fotógrafo de moda de Los Angeles que se mudou para Boulder Gardens há uma década.

Nessa mesma rua, um visitante com sorte pode ver circulando de moto o ator Jason Momoa, de "Aquaman", que tem uma casa por lá.

O personagem ao qual o fotógrafo se refere é Garth Bowles, 79, um ex-faz-tudo, jardineiro, restaurador de móveis e dono de loja de antiguidades nascido em Riverside, sul da Califórnia que, há 44 anos, criou nas proximidades do parque uma comunidade para pessoas "em busca de paz e conexão consigo mesmas".

A primeira impressão é, de fato, de se estar em um lugar mágico, quase transcendental. De modo geral as regiões desérticas norte-americanas carregam um certo misticismo, mas Boulder Gardens vai além.

O acesso, via estrada de terra — areia, para ser mais precisa —, passa por ruas sem placas, mal sinalizadas. Na chegada, moradores sorridentes recebem a reportagem ao lado do líder e fundador da comunidade.

"As pessoas gostam de chegar aqui e terem espaço, sem carros passando, ruas, buzinas", explica Bowles. "Em Boulder Gardens ninguém precisa ter medo de nada, as pessoas são acolhedoras e têm os pés no chão", assegura.

Guiados por Buda - no caso, uma simpática cadelinha da raça pitbull -- eles apresentam a imensa propriedade, com aproximadamente 2,6 quilômetros quadrados (o equivalente a 315 campos de futebol).

A paisagem rochosa compõe não só um visual impressionante, mas casas, quartos e até a sauna ficam dentro de pedras esculpidas. A piscina é feita de mosaico. Há ainda um galinheiro e uma estufa de flores e plantas. Tudo repleto de cristais.

"Não há uma razão única para as pessoas virem até aqui", diz Bowles. "Provavelmente, a maioria busca uma experiência com a natureza, ou uma dica de como alcançar um poder maior de consciência."

Visto por alguns como guru, por outros como um defensor da natureza, ele conta ter chegado a Boulder Gardens com a ideia de montar uma comunidade autossustentável, mas ainda sem conhecimento sobre a permacultura - conjunto de práticas agrícolas e sociais que busca sustentabilidade e harmonia com a natureza.

Embora fale muito em Deus, o fundador nega a ideia de que pretenda guiar os membros de sua comunidade.

"Adoro conhecer gente nova. Alguns vêm aqui para me conhecer. Elas olham pra mim, eu olho para elas? e fico me perguntando o que elas querem [risos]. Num certo ponto sou muito especial, mas na maioria dos pontos não sou nada especial", diz

Bowles conta que a escolha daquele local não ocorreu por nenhuma iluminação ou razão espiritual. Na época, diz, era o que ele conseguia pagar -- o preço condizia com o valor de terra esquecida.

Durante 14 anos Bowles teve que trazer água de carro para garantir sua permanência lá e, por mais de 20 anos, Boulder Gardens viveu sem eletricidade. "As pessoas estão desesperadas por um lugar longe da cidade, da insanidade, mas também trazem essa loucura para cá. Nem todos se harmonizam com o que temos aqui."

Rick Vanocur, o Homem Pássaro, é um dos moradores mais integrados à comunidade. Decorador de interiores, tornou-se o encarregado de cuidar dos 9 vistosos pavões que circulam soltos por ali.

"Conheço Boulder Gardens há 22 anos, mas resolvi morar de vez há 11", conta ele, entusiasmado com dois novos ovos que uma das pavoas botou este mês.

Shayna Colvin, que mora na comunidade há pouco mais de um ano, numa casa feita de madeira que mede aproximadamente 2,5 metros de comprimento por 1,5 metro de largura, diz que Boulder Gardens é uma terra de cura. "Antes, eu morei por um ano num barco e senti que o deserto estava me chamando. Aqui eu me encontrei."

Seu vizinho, Maverick Hernan, é um ex-militar que decidiu ir morar no local quando soube que o fundador não andava bem de saúde. "Resolvi vir rezar por Garth, conheci uma pessoa em Dry Lake que me contou desse lugar, estava sem destino e vim", conta.

Dois anos atrás, Garth Bowles enfrentou duas pneumonias severas que lhe deixaram como sequela o tanque de oxigênio com que anda hoje. "Tem dias dolorosos, dias bons, dias ruins, mas estou feliz."

A propriedade conta hoje com uma dezena de moradores fixos, entre os quais Stephanie Theobald, uma premiada novelista e jornalista britânica que escreve para o The Guardian.

Bem próximo à cabana onde vive Garth está a cozinha comunitária e um pouco mais abaixo o Castelo Cósmico -- gigantesca rocha com um quarto e uma sala construídos no topo.

Apesar dos esforços pela autossuficiência, a permacultura é praticada esporadicamente na comunidade: os moradores já plantaram aspargos, romã, abóbora, cebolinha, pêssegos, alface e couve, mas boa parte dos suprimentos ainda tem que vir da cidade mais próxima, Pioneertown, a 2 horas e meia de Los Angeles.

A conversa é interrompida por um rapaz que traz uma sacola com abacates para Garth. Sebastian Bean é dono de uma agência de design em Los Angeles e conta que conheceu o lugar durante um evento dois anos atrás.

"Não era exatamente um festival, eram mais ou menos umas trinta pessoas se divertindo muito e eu gostei. Hoje, como estava dirigindo em direção ao Colorado, resolvi passar o dia e acampar."

"Tá vendo, você não precisa vir aqui me ver, basta conhecer o lugar", aproveita para dizer o idealizador de Boulder Gardens. De fato, nos últimos anos, turistas da Austrália, França, Alemanha, Bosnia, Japão, México, Rússia e até Tasmania estiveram ali.

Todo esse movimento chamou a atenção de Mitch Straub, documentarista que há dois anos produz um filme sobre Garth e seu santuário. "Fui contratado para fazer um vídeo para um dos eventos [aqui] e quando vi o Castelo Cósmico me senti como no filme 'Senhor dos Anéis'. O fato de Garth ter construído tudo com as próprias mãos, com a ajuda de poucos amigos, me deixou extasiado", conta Mitch.

"As vezes eu preciso de um tempo, entro na minha tipi house [cabana] e finjo que estou dormindo. Ainda assim, tem gente que vem, abre a porta e pergunta: 'Garth, você tá acordado?'. Algumas pessoas não tem consideração", brinca o guru local.

"Não obrigo ninguém a pensar como eu, ou acreditar no que acredito. Não sendo violento ou prejudicando os outros, as pessoas que acreditem no que quiserem."

Topo