O bloquinho da periferia

Galera do funk cai no samba pelas quebradas da Zona Sul de São Paulo

Jeferson Delgado DO TAB, em São Paulo

Existe Carnaval nas bordas da cidade, e existe bonito. Eu, que não sou do rolê, colei no Jardim Ibirapuera depois de ouvir várias vezes que o desfile da comunidade era um dos mais legais da zona sul de São Paulo. Completamente lotada, a festa tinha idoso, tinha trans, muita criança e a turma do funk. Mais de 4.000 pessoas acompanharam o Bloco do Beco, que percorreu as ruas do bairro. Encostei para sentir o clima de um dos blocos das quebradinhas do Carnaval paulistano.

Por quase três horas, os caras tocaram sambas tradicionais, sambas autorais (dos integrantes da bateria) e marchinhas. Sabrina Lana, de 23 anos, é uma das organizadoras. Ela contou ao TAB que o bloco, criado há quase 20 anos, começou com umas 30 pessoas, no máximo. O movimento nasceu do desejo de preservar e valorizar a cultura do Carnaval de rua que infelizmente estava se perdendo. "Conheço o Bloco desde os 15 anos, nasci no Jardim Ibirapuera. Com muita luta e suor, a galera reuniu sambistas e moradores da região e, em 2002, botou na rua o primeiro desfile Bloco do Beco." Depois do primeiro desfile, a equipe passou a promover encontros e debates informais sobre a importância de se manter viva a mobilização.

Grupos convidados costumam encerrar o desfile com maracatu, afoxé, ijexá e samba-reggae. "Ele já é tradição na nossa quebrada, então é uma responsabilidade enorme. O bairro inteiro espera por esse evento e o esforço para que dê tudo certo no dia é coletivo. Além da nossa equipe fixa, contamos com a ajuda de muitos voluntários."

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Canto e batuque

Bloco do Beco, o melhor do Carnaval
(Robson Capela / William Fialho)

Bloco do Beco vem mais um ano alegrar o Carnaval
É cultura popular, quem quiser pode chegar
Nossa quebrada, Jardim Ibirapuera
Vem pra folia nosso povo te espera

Pode chover ou o sol brilhar
Que a bateria firma o ponto sem parar
São só três dias de ilusão
E um ano inteiro de trabalho e união

Bate na mão, cante o refrão
Samba no pé em alto astral
Bate na mão, cante o refrão
Bloco do Beco...
É o melhor do carnaval

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Os preparativos começam bem antes do Carnaval: o núcleo duro do Bloco do Beco chama os batuqueiros — são 60 no total, todos moradores do bairro e dos arredores —, organiza os ensaios da bateria, produz abadás e camisas, aluga o carro de som e levanta fundos para bancar o evento.

Todos os batuqueiros entram uniformizados e a bateria segura a maior sincronia com sorriso no rosto e desejo de cruzar a quebrada trazendo alegria. Entre crianças, adultos e senhores de idade, a energia era contagiante. Não tinha uma pessoa que não dançava, até quem curtia direto do "camarote" na laje, do lado da caixa d'água e da parabólica.

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Os guarda-chuvas famosos na cultura do funk marcam presença no desfile do Bloco. O acessório, que a galera chama de "umbrella", em inglês mesmo, é usado pelos jovens funkeiros para fazer vento no baile e também para ganhar destaque entre a multidão. Como o Bloco do Beco é democrático e aceita gente de todas as tribos, a galera chavosa do funk se sente confortável para ir ao bloco da sua maneira. O Baile do Inferninho também rola por ali, e influencia bastante a galera do funk a colar.

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Chovia lá pelo fim do desfile. Sem problemas: a galera se uniu ainda mais para afastar o frio bem fora de hora e cantar "Explode Coração", famoso samba-enredo da Salgueiro de 1992 — um jeito de homenagear a rua Salgueiro de Campo, tradicional point da vila que recebe nos meses de julho a "Quermesse da Salgueiro". O bloco terminou. O Carnaval terminou. E as ruas estreitas desse canto da periferia esperam já pelo Carnaval de 2021.

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