Ele disse que não iria à festa, porque tinha o aniversário do sobrinho. Uma checada no Facebook confirmou todos, inclusive ele, em volta do bolo na hora do parabéns. Desfecho diferente teve a história de outra jovem e seu novo namorado. Ele visitaria a família no interior de São Paulo durante o Carnaval, mas foi desmascarado por um check-in em outro destino. A enorme quantidade de registros pessoais tem hoje impacto direto nas relações de confiança: a sua palavra pode – ou não - ser confirmada nas redes sociais e em sites indexados pelo Google. Ficou mais difícil mentir. E também confiar, sem dar ao menos uma olhadinha no que a internet tem a exibir sobre aquele indivíduo.
“O excesso de informação nos transforma, cada vez mais, em outro tipo de espécie. Uma espécie que dialoga e costura o conhecimento com outros tipos de inteligência: a humana, a artificial e a da biodiversidade, via internet das coisas”, explica Massimo Di Felice, professor da ECA-USP (Escola de Comunicações e Arte da Universidade de São Paulo) e diretor do centro de pesquisa Atopos, onde coordena estudos sobre redes digitais. “A confiança pressupõe receber bem algo de uma fonte segura e esta forma unilateral de comunicação já não existe mais [pense na crise política e sua repercussão nas redes sociais]. Passamos a checar os dados, juntá-los e associá-los a outras informações, construindo assim um novo tipo de narrativa.”
Isso vale para conhecimento, notícias e, claro, para as relações pessoais. Nessa última aba, há quem limite a exposição e adote recursos de privacidade. Mas controlar dados ficou praticamente impossível numa era de hiperdocumentação, em que uma simples busca no Google pode revelar onde você trabalha, em quais faculdades foi aprovado e até eventuais processos judiciais. Isso sem abrir o baú das redes sociais - um banco de dados com a vida do usuário -, onde geralmente há fotos, vídeos, check-ins, interações, marcações, gostos e opiniões. Não que antes tudo isso fosse secreto. Mas reunir tantos dados na era offline envolvia um processo muito mais trabalhoso e até indiscreto, envolvendo perguntas pessoais e inquisições hoje dispensáveis.
O usuário da rede (isso inclui você) está mais à vontade para compartilhar informações. E há cada vez mais gente (incluindo você, novamente) disposta a juntar esses dados para montar o quebra-cabeça e, na sequência, talvez desconfiar da solução.