Esta reportagem nasceu na seção infantil de uma livraria paulistana. Enquanto meus filhos – uma menina prestes a completar 6 anos e um menino de 3 anos – ocupavam-se com títulos escolhidos aleatoriamente, pedi ao vendedor o lançamento da escritora italiana Elena Ferrante para crianças, “Uma Noite na Praia”. Viciada em seus romances para adultos, eu estava esperançosa de poder compartilhar com os pequenos minha nova curtição.
Antes de me entregar o livro, o rapaz uniformizado, com um semblante sério, quis saber: "Mas qual a idade da criança?" Confesso que fiquei em dúvida se respondia 5 ou 35 e acabei devolvendo com uma pergunta: "Por quê?". E então ele me advertiu sobre o tema da história. Segundo o moço, a narrativa é muito densa, com trechos tensos, que poderiam causar medo e tristeza ao leitor-mirim. "É preciso tomar cuidado", disse. Agradeci o aviso e fui conferir do que se tratava.
Uma “Noite na Praia” é narrado por Celina, uma boneca esquecida na areia por sua dona, a menina Mati, que acaba de ganhar um gatinho de estimação. Além do sentimento de abandono, ela enfrenta o medo do salva-vidas noturno, da fogueira onde são incinerados outros objetos deixados pelos banhistas na praia (alguns brinquedos inclusive), da tempestade e do mar. O texto é belíssimo, mas, de fato, trata-se de uma história com passagens que suscitam o medo, a tristeza e a rejeição, como esta:
"O Grande Garfo tem dentes de ferro assustadores, afiados pelo uso.
Ele morde ferozmente a areia enquanto avança.
Estou com medo. Ele vai me machucar, vai me ferir.
Lá vem ele.
Acabo entre os dentes dele junto a pedrinhas, conchas, caroços de ameixa e de pêssego.
Fico um pouco amassada, mas estou inteira.
O Salva-Vidas Malvado continua a cantar, com uma voz que dói o coração:
Arranque o nariz
Lá no chafariz
Esvazie o gogó
Você estará só"