São tantas emoções, nem todas fáceis de lidar. Há momentos que nem ele sabe muito bem como encarar. “Tem horas que me olho no espelho, me ajeitando para sair, e levo um susto, bicho. Há 18 anos que a minha identidade não é minha.”
Parece exagero, mas não é. Quer dizer, o exagero está na origem da cena. Carlos Evanney, baiano de Maragogipe, é o cover mais famoso de Roberto Carlos. Vive a personalidade do rei 24 horas por dia. Ele se veste como Roberto, fala como Roberto, anda como Roberto, acorda e vai dormir como Roberto. Evanney chegou ao Rio em 1975, para tentar carreira como cantor e para conhecer “a fera Roberto Carlos”. Foi cenógrafo no Teatro Municipal e na TV Globo e teve salão de cabeleireiro, mas queria mesmo era ser artista. Lançou discos autorais e, a partir de 2000, resolveu se dedicar exclusivamente a viver Roberto Carlos. Mas não só nos palcos.
“Eu vinha de uma escola de churrascaria, cantava Nelson Gonçalves, Paulo Sérgio, Fernando Mendes, o que pedissem eu cantava”, lembra. No primeiro show só como Roberto, em 2000, uma fã reclamou que faltaram as rosas no final. Nunca mais ele deixou de entregá-las. Em 2002, na festa de aniversário que os fãs fazem todo ano na porta do prédio, Evanney conheceu Roberto, que o chamou para bater um papo. “Eu passei o tempo todo dizendo a mesma coisa: ‘Que Deus te abençoe, que Deus te proteja, feliz aniversário’, e ele dizia ‘amém, amém’, eu não conseguia dizer outra coisa,” A memória daquela tarde perpassa todos os sentidos. “Ele me deu um abraço e eu senti o cheiro do Roberto, a quentura do Roberto. Eu fiquei anestesiado”, lembra. O pedaço de bolo que Roberto cortou e entregou a ele está guardado em um pote de Evanney — agora devidamente envernizado, depois que alguns bichos quiseram se apossar da iguaria.
Em dezembro, Evanney fará a 31ª edição do passeio de barco pela Baía de Guanabara, que emula o cruzeiro marítimo do rei. Ele canta por cerca de duas horas, devidamente trajado de comandante, e o show termina em frente ao prédio do Roberto Carlos, na Urca. Custa R$ 130 por pessoa – antes havia um minialmoço de cortesia, mas como sempre dava problemas devido a diferentes restrições alimentares dos embarcados, o passeio agora vende cerveja, refrigerante, água e salgados.
“Eu fiquei abismada como o Evanney leva a sério o trabalho. Ele não está fazendo um cover, ele passa dos limites”, afirma a cineasta Sandra Werneck, cujo documentário “Os Outros”, dirigido por ela em 2016, teve o artista como um dos personagens centrais. Autointitulado o cover “oficial” de Roberto Carlos, Evanney é a face mais visível de um mercado de artistas cuja atividade central é reproduzir a experiência de outro artista.