Segundo especialistas, há feminismo, sim, nessa onda sertaneja. O que falta – e, segundo os mesmos, pode nem fazer falta - é o rótulo hoje tão propagado, por exemplo, nas redes sociais. Mas olha só. Cynthia Semíramis, pesquisadora sobre história dos direitos das mulheres e doutoranda em direito na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), reconhece a importância dessa identificação, pois amplia a força e a capacidade de mudança. Porém, entre conceito e rótulo, deve prevalecer o primeiro. “O que importa é a mensagem de autonomia e liberdade passada para o público, pois estimula que mulheres sejam independentes e donas das próprias escolhas, sendo admiradas e respeitadas por isso”, afirma. Ela explica que ainda existe muita confusão em torno do que é feminismo, dificultando essa compreensão mesmo quando se defende direitos e oportunidades iguais para homens e mulheres.
Na prática, acontece o seguinte. Durante mais de uma hora no trajeto até o aeroporto de Guarulhos (SP), a caminho do festival Caldas Country Show (Caldas Novas, GO), a conversa com o motorista Valdir Cassiano girou em torno da música sertaneja que ele ouvia quando entrei no carro. Falamos dos modões. Das mulheres. Dos modões cantados por mulheres, hoje os favoritos de Valdir, que se orgulha de conhecer as coleguinhas Simone & Simaria desde quando faziam coro para o forrozeiro Frank Aguiar. Nos últimos meses, comprou CDs e DVDs de quatro sertanejas. Jura não pular nenhuma música e diz apreciar especialmente a forma como elas cantam a sofrência. Gosta das letras, dos shows. Nossa conversa seguia animada até eu perguntar se ele as considera feministas. Foi quando perdi Valdir por alguns instantes, que respondeu com um murmúrio qualquer. Mas foi um sinal da irrelevância de um manual de instruções sobre os conceitos que essas mulheres levam ao cenário sertanejo.
“Às vezes, mercadologicamente não é interessante usar algum rótulo em determinado nicho. Cada gênero musical tem negociações específicas com seu público, com a cena e até com o tratamento da mídia. Estrategicamente, pode ser mais interessante elas trabalharem da forma como estão fazendo, comendo pelas beiradas”, afirma Adriana Amaral, professora de pós-graduação em comunicação na Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) e pesquisadora de cultura pop. Não há insinuação nem evidências de que esta seja uma estratégia pensada, mas é a forma como esse movimento se desenvolve.