ENTREATOS

Os bastidores dos filmes de sexo, pelos olhos de quem trabalha na indústria pornográfica brasileira

Marie Declercq Do TAB, em São Paulo

O que acontece em uma cena de sexo de filme pornô é óbvio, mas poucos sabem o quão normal é um dia de trabalho na indústria. Existe o que assistimos nas telas depois de o diretor dizer "ação!", e existe o que acontece entreatos: momentos de espera, camaradagem, conversas paralelas e, veja só, um tédio dos infernos. Um dia de trabalho como qualquer outro.

Nos bastidores das produções de filmes adultos, atores e atrizes conversam sobre a família e as contas a pagar enquanto tomam chá, esperando que a luz seja ajustada ou a câmera seja movida para um ângulo melhor. Circulam entre colegas que estão por trás das câmeras e também pensam em como seria bom estar em casa vendo TV, como qualquer pessoa durante o expediente lento de um dia útil.

Os registros de May Medeiros, 33, diretora de filmes adultos, e Erick Peres, 28, artista visual, que trabalham na indústria pornográfica brasileira, retratam bem essa história de ócio e prazer.

POLAROIDES SEM CARÃO

May Medeiros trabalha há 15 anos com pornografia em São Paulo e define seu trabalho como "80% administrativo, resolvendo coisas burocráticas e papeladas no escritório, e 20% passados no set de filmagem".

Nascida em uma família de professores, Medeiros descobriu o mercado erótico aos 18 anos quando aceitou um bico de assistente de produção para uma feira erótica. No evento, deu de cara com filas enormes de homens de todas as idades, grande parte acompanhados de suas esposas, para conseguir um autógrafo de estrelas do pornô brasileiro.

"Descobri ali que essas pessoas de fato existiam em carne e osso, as pessoas famosas do pornô e seus fãs", relembra a cineasta. Graças à feira, começou a trabalhar em uma produtora de filmes pornôs alternativos e nunca mais saiu da indústria.

Nos sets de filmes que dirigiu, Medeiros conheceu inúmeras mulheres que marcaram sua vida. "Quando aceitei entrar nesse set pornô conheci mulheres como Mayanna Rodrigues, uma das performers que aparece nos meus registros e com quem trabalhei inúmeras vezes. Mayanna tinha quase a minha idade, se sustentava sozinha e dizia o que gostava ou não na hora do sexo", conta.

Fora Mayanna, a diretora paulistana também trabalhou com Loupan, Giovanna Bombom, Nego Catra e Fabiane Thompson.

"Fabiane foi considerada a maior estrela do pornô nacional. Em todos os momentos em que estive com ela, vi uma mulher incrível que tira sarro do título que tem e fica mais preocupada em conseguir etiquetar com perfeição todos os itens escolares do filho. A cara dela de sorriso largo, balançando os peitos e tirando onda, é a figura que eu costumava ver quando anos atrás estávamos juntas em sets de filmagem", disse.

As polaroides que ilustram esta reportagem foram feitas pela própria diretora entre 2015 e 2016, quando comprou uma câmera instantânea e o dólar ainda lhe permitia comprar papel fotográfico para registrar momentos do seu trabalho.

"Minha pira sempre foi pegar os momentos em que as atrizes não estão do jeito que a galera imagina que elas sempre ficam — aquela coisa do 'ah, nossa, um ator ou atriz pornô está sempre pronto para o sexo, lubrificada, gemendo e fazendo carão'. Gostava de pegar o momento de trampo, em que elas estavam naturais, usando meia fina com havaianas, tomando chazinho, sentadas em uma posição nada sexy", explica a diretora de "Mais que amigas" (2018).

Segundo Medeiros, as polaroides são capturas de momentos de descontração total e ela só foi entender o valor desses registros anos depois por causa do fotógrafo Erick Peres. "Foi ele quem me convenceu do valor político de mostrar o convívio social de pessoas que são colocadas à margem, tratadas como marginais ainda que colecionem admiradores anônimos. Me fez entender que o valor que eu via na simples existência dessas pessoas ignorava idealizações caricatas, porque eu também não sou uma estrangeira nesse universo", explica.

GANG BANG DE RESPEITO

Nego Catra trabalha há mais de dez anos na indústria pornô e o que mais gosta de frisar sobre seu trabalho é o respeito mútuo com os colegas.

"O importante é estar à vontade e respeitar o corpo do próximo. Fazendo isso, o trabalho flui", resume.

Nos registros de Mayara, Catra aparece nos bastidores do filme "Gang Bang de Páscoa" (2018), o qual gravou junto com Victor Capoeira, Yuri e Dom Garcia, que formam um grupo de atores pretos chamado Black Brothers, e a atriz Emme White — que hoje apresenta o podcast "Prosa Guiada".

Na época, Catra já fazia palestras sobre sexualidade e estava expandindo sua carreira como influenciador digital. "Um dia antes da gravação, eu estava muito cansadão e tinha acabado de palestrar. A gente tem que se concentrar e dar uma relaxada na mente, especialmente quando você grava um gang bang", relembra o ator. Gang bang é uma atividade sexual em que uma pessoa transa com várias ao mesmo tempo e em um espaço curto de tempo. No pornô, é um dos mais populares.

No dia da gravação, o clima de amizade imperou. "Gravar com Emme foi muito legal porque foi o primeiro gang bang dela e antes disso a gente tava trocando uma ideia, falando como seria, perguntando o que ela gostava e não gostava", disse Catra.

'UM TRABALHO NORMAL'

Erick Peres viu a possibilidade de trabalhar nos bastidores da pornografia como um ato contínuo do seu trabalho como artista visual.

"O princípio de tudo é que meu pai me abandonou em um prostíbulo quando eu tinha quatro anos de idade e fiquei duas semanas sendo criado pelas trabalhadoras daquele lugar", conta ele, nascido na Vila Ipê 1, na zona leste de Porto Alegre. "Foi um momento de que lembro com muito afeto e sinto muito carinho e respeito. Fiquei lá até minha mãe me encontrar e me levar pra favela onde me criei."

A dupla se conhece há alguns anos. "May começou a acompanhar meus outros trabalhos e me chamou para ir a um set. Foi justamente aí que comecei a fazer as fotos. Eram momentos de descanso, entediados, momentos que a gente está ali, dividindo a mesma marmita", afirma Erick, que trabalhou na produção "Contos Urbanos" (2022), da Sexy Hot Produções.

"Somos trabalhadores sexuais, que também estão ali no meio interagindo com as mesmas pessoas. Estamos falando de trabalho, acima de tudo, onde as pessoas vivem horas de tédio, de querer ir pra casa", acrescenta. "É um trabalho normal."

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